Hub das Pretas DF: o que as políticas públicas de 2017 tem a ver com a Abolição?

12/05/2017, às 16:30 | Tempo estimado de leitura: 13 min
A atual situação de jovens mulheres negras no Brasil não deixa dúvidas: a incidência em políticas públicas para elas é fundamental para combater o racismo e sexismo.

Para entender o presente é necessário constantemente nos referimos e estudamos o passado. É parafraseando o sociólogo americano Du Bois que nós do Hub das Pretas DF abrimos os trabalhos e irradiamos informações do Projeto Jovens Mulheres Negras Fortalecidas na luta contra o Racismo e Sexismo.

O projeto, vinculado aqui em Brasília ao Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) (e à ONG Criola, Fase e Ibase no Rio de Janeiro; Polis, Oxfam Brasil e Ação Educativa em São Paulo; e Fase, em Recife), visa incidir em políticas públicas relacionadas as mulheres negras, fortalecendo-as em relação aos temas racismo e sexismo.

Tivemos agora no final de abril a primeira reunião do segundo ano do projeto, e identificamos coletivamente algumas temáticas importantes para nossas próximas ações e intervenções: Sistema Socioeducativo, Saúde da Mulher Negra, Educação Infantil, Trabalho, Economia Solidária e Empreendedorismo.

Esses temas estão diretamente ligados ao 13 de maio de 1888 e às urgências atuais, porque são resquícios de 500 anos de escravidão e 129 anos de uma falsa abolição. As condições em que a população negra foi deixada após a suposta libertação – sobretudo jovens e mulheres – demonstra o descaso social do Estado perante esses grupos.  

Sistema Socioeducativo

Segundo o Mapa do Encarceramento no Brasil, o sistema socioeducativo é a consequência de políticas que tiveram em seu histórico movimentos de perspectivas filantrópicas, higienistas, moralizantes, disciplinadoras, reformistas, assistenciais e repressivas. O sistema segue a lógica de reprimir indivíduos que não se enquadram em parâmetros normativos do Estado. O que dizer, então, de jovens negros logo após a Abolição em 1888? Eles se enquadravam à época no que era considerado o cidadão padrão?
Sabe-se que leis que criminalizavam o samba, a capoeira, a própria lei da vadiagem, eram atreladas à violação dos direitos de pessoas negras, sobretudo as mais jovens.

O perfil dos jovens do Sistema Socioeducativo no Distrito Federal, segundo a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), não difere da marginalização histórica atrelada à população negra no período escravista no Brasil. Nos dois casos estamos falando de pessoas que moram em locais de baixa renda e sem acesso a políticas públicas. Em Brasília, 25,3% dos jovens que estão cumprindo medidas socioeducativas são moradoras do Recanto das Emas, 18,2% da Ceilândia e 6,1% do Gama, de acordo com os dados.

O percentual de negros é de 78,8% na Prestação de Serviços à Comunidade. Na Liberdade Assistida, chega a 80,2%, destacando-se as unidades de São Sebastião e Brazlândia, com 96,6% e 94,7% de jovens negros, respectivamente. Na medida de internação, a participação dos negros é de 80%. Em todas as unidades, de todas as medidas socioeducativas, os percentuais de negros são superiores ao da população em geral no Distrito Federal, que fica em torno de 55%, segundo dados da Codeplan.

Assim, mesmo compreendendo que a maioria dos adolescentes em medida socioeducativa são homens, pretendemos adentrar o espaço dos sistemas socioeducativos para alcançar a esfera feminina também, para contribuir no desenvolvimento metodológico e prático de atividades que estimulem a ressocialização dessas jovens, além de monitorar as ações estatais no cumprimento dos instrumentos de direitos humanos.

Saúde da Mulher Negra

Os vestígios de um processo escravista transbordam quando o assunto é Saúde da mulher negra. O estereótipo de que as mulheres negras são “mais fortes” recai sobre nós. Sendo assim, “aguentamos mais dor” e isso nos coloca em uma situação de risco : mortalidade materna, ausência de tratamento psicológico, ginecológico e cardiológico adequado, entre outras especialidades .

Sendo a Saúde um direito constitucionalmente previsto, e condição substantiva para o exercício pleno da cidadania, então torna-se um mecanismo estratégico para a superação do racismo e para a promoção da igualdade racial.

O movimento social negro brasileiro, por meio de uma atuação estratégica, incluiu na agenda pública a implantação de uma Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que tem ações nas três esferas administrativas (municipal, estadual e federal). O Distrito Federal tem responsabilidades com implementação dessa política, sobretudo no desenvolvimento de ações que garantam:

* Estabelecimento de estruturas e instrumentos de gestão, e indicadores para monitoramento e avaliação do impacto da implementação dessa Política.

* Fortalecimento da gestão participativa, com incentivo à participação popular e ao controle social.
Definição de ações interssetoriais e pluri-institucionais de promoção da saúde integral da população negra, visando à melhoria dos indicadores de saúde da população negra.

* Apoio aos processos de educação popular em saúde pertinentes às ações de promoção da saúde integral da população negra.

* Elaboração de materiais de divulgação visando à socialização da informação e das ações de promoção da saúde integral da população negra.

* Definição e gestão dos recursos orçamentários e financeiros para a implementação desta Política.

Segundo o Censo Demográfico 2010, 59,1% dos jovens (15 a 29 anos) do Distrito Federal são negros, dos quais 19,1% são homens e 29,7% são mulheres.  No entanto, não existe no DF quaisquer tipos de ação governamental, mesmo com amparo legal, especificamente para as jovens mulheres negras.

Além de dar um diagnóstico preciso de nossa significativa representatividade na população do Distrito Federal, os dados revelam que nós, mulheres negras, somos as mais desfavorecidas e as mais violadas quando trata-se de acesso aos serviços públicos de Saúde, embora sejamos as que mais contribuem financeiramente para a sustentabilidade desse sistema. Logo, a implantação da Saúde da População Negra, com programas voltados para as jovens negras do Distrito federal, torna-se fundamental para reduzir os abismos raciais que norteiam a sociedade brasiliense.

Educação Infantil

As políticas educacionais para a criança negra também inexistem no Distrito Federal.

Se até hoje permanece o mito da democracia racial no país, também paira sobre nós o enfoque de que a data de 13 de maio é apenas uma data a ser comemorada, e não de reivindicação de  direitos. Pesquisas informam que a discriminação e a formação do pensamento racial começam muito cedo, ao contrário do que pensa o senso comum. As crianças percebem as diferenças físicas, principalmente a cor da pele e o tipo de cabelo, nas primeiras séries da educação infantil. Desse modo, elas já iniciam esse processo depreciativo de sua autoimagem na tenra idade, pois normalmente a pedagogia utilizada no espaço escolar já privilegia alunas brancas – seja nos materiais didáticos ou até mesmo nas relações entre os profissionais e os alunos.
Recentemente aqui no DF, uma mãe denunciou por racismo uma profissional que trabalha numa creche pública que atende 136 alunos em turno integral em Samambaia, onde sua filha de 4 anos estava matriculada.

Segundo informações noticiadas por programas televisivos, a diretora da creche trocou a profissional de turma, e alegou ser um mal-entendido. Além disso, a mãe prestou ocorrência na 32ª Delegacia de Polícia de Samambaia, mas o agente de plantão se recusou a registrar a ocorrência, afirmando que não houve crime algum.

Esse é mais um entre tantos casos que acontecem nas redes públicas de educação, demonstrando o despreparo profissional, não apenas no sistema educacional, mas também da segurança pública.
Assim, é por meio da Lei 10639/3 que nós iremos incidir em escolas públicas de educação infantil do Distrito Federal, para fortalecer as identidades das crianças negras ali matriculadas. Além disso, queremos estreitar um diálogo com a Secretaria de Educação para promover formações com profissionais que atendem essas crianças.

Trabalho, Economia Solidária e Empreendedorismo

Por fim, mas não menos importante, o último eixo caracteriza a sobrevivência de mulheres negras no pós abolição, período em que muitas já se encontravam não apenas como empregadas domésticas nas Casas Grandes, mas também como comerciantes, lutando por espaço que não havia sido feito para elas.

As vulnerabilidades que observamos hoje em relação aos comerciantes de rua também têm histórico escravista, e perpassa predominantemente por mulheres negras, que são até hoje as principais mantenedoras da família negra.

E o que conhecemos hoje por Empreendedorismo e Economia Solidária já eram produzidos por essas pessoas como forma de subsistência e organização política. “As mulheres negras transformaram a sua condição social em suas fortalezas, elas se reinventaram no mercado formal”, ressalta Layla Maryzandra, articuladora do projeto do Hub das Pretas no DF.

Todavia, os dados de jovens mulheres negras no mercado de trabalho formal ainda apresentam um panorama de desigualdade fundamentada nos pilares racistas que impossibilitam o acesso e exercício do profissional.

O desemprego e a desigualdade nas relações trabalhistas provocam situações de precariedade, inferioridade, angústia, desmoralização e incapacidade. Nesse aspecto, o desafio não é apenas ter acesso a esse mercado em condições dignas, mas superar os estereótipos raciais, sobre as nossas capacidades e nosso lugar social. No Distrito Federal, não existe política pública alguma voltada para a população jovem negra feminina no mercado de trabalho, tão pouco programas de incentivo a sustentabilidade, economia solidária e empreendedorismo.

É fundamental que tenhamos ações para adoção de cotas raciais nas contratações em organizações privadas contratadas pelo Estado para fornecimento de bens e serviços, bem como reserva de cotas raciais nos concursos públicos para preenchimento de cargos públicos no Governo do Distrito Federal, e também um programa de Economia Solidária e empreendedorismo para jovens negras do Distrito Federal e Entorno.
Numa conjuntura de tamanha desigualdade, em detrimento das disparidades racistas e sexistas, nós jovens mulheres negras esperamos poder ter no Hub das Pretas DF a ferramenta necessária para incidir de forma significativa nos espaços que possam nos garantir mais direitos.

Treze de maio a nação nagô
Não faz festa não
Em protesto ao dia, que diz que o libertou, mas o marginalizou para uma outra escravidão
Eu não vou festejar redentora que a história diz por aí
Redentora pra mim foi Luiza Mahin, Pedro Ivo, Negro Cosmo e o grande Zumbi…
Recusa nação nagô falso herói que a história que te dar, te lembra de heróis que a corrente ou chibata tentaram sufocar.

Autor: Tadeu de Obatalá

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Categoria: Notícia
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