Entre o susto e a razão

01/01/1970, às 0:00 | Tempo estimado de leitura: 7 min
Por Mauro Santayana para Agência Carta Maior

O milênio começou com um susto, em 11 de setembro de 2001, mas, se os sustos passam, o medo costuma permanecer. O ano de 2007 se inicia com o atropelo das crises que se acumularam ao longo do tempo. O mundo está à espera da troca de império. Embora relutantes em deixar o mando, que dura quase um século, os Estados Unidos estão condenados a ocupar o segundo plano. Emergem os chineses, com uma agressiva estratégia para, inicialmente, substituir os ocidentais na tutela colonial da África, e, depois, estender sua influência sobre a Ásia e a América Latina. Será mais difícil seu avanço sobre a Europa, que se organiza para manter o predomínio cultural sobre o Ocidente.

O avanço chinês é visto com temor, tendo em vista sua imensa população. Se a ela se somarem os habitantes dos países próximos, como é o caso do Paquistão e a Índia, será a metade do mundo contra a outra metade. Nesse caso, provavelmente voltaremos à bipolarização e à guerra fria, como tem ocorrido sempre na História, ou ao desfecho bélico, quando o equilíbrio de poder se rompe. Mas todas essas perspectivas sombrias estão na dependência de outra, ainda mais sombria: a de que um desastre natural (ou provocado) venha a abreviar a presença do homem em nosso planeta. A advertência dos especialistas, acolhida pela ONU, e divulgada na semana passada, é fundada em evidências clamorosas. Mas, ainda mais assustadora, havia sido a advertência da própria natureza, com os maremotos da Ásia.

Se a estridência das informações ocas, e dos espetáculos que amortecem a razão e os sentimentos, deixassem aos neurônios algum tempo livres para a reflexão, poderíamos fazer um balanço positivo da nossa presença no planeta. Poderíamos, em primeiro lugar, pensar com os astrofísicos, e ver uma fímbria do grande mistério: a vida, tal como a conhecemos, só foi possível na Terra como resultado de circunstâncias precisas. Se a órbita terrestre fosse um pouco mais distante ou mais próxima do Sol, não teríamos a oportunidade de ser e de expressar a consciência que temos do mundo. A vida natural só foi possível aqui, e na tênue superfície terrestre, embebida dos gases da baixa atmosfera. Todos os animais (é o que presumimos) vivem sem essas reflexões, porque desde Aristóteles se intui que a sua memória não pode ser suscitada voluntariamente. A reflexão – é outra descoberta antiga – é o confronto das impressões do presente com as que ficaram guardadas do passado. Por isso só o homem pode meditar a natureza e, como preço dessa inteligência, ter consciência angustiante da morte.

Temos, como espécie – que se vem reproduzindo com as mesmas condições biológicas há milhares de séculos – uma história de que nos orgulhar. Se é verdade que nos entrematamos, desde que há registro das disputas pelo espaço vital, é também verdade que conseguimos momentos de excepcional beleza, principalmente na arte. As esculturas de Fídias e de Miguelângelo, os poemas de Hesíodo, a música de Bach, e a poesia épica de Homero bastam para justificar a Humanidade. Mas tudo isso pode desaparecer de um momento para o outro.

Se as coisas do mundo assim caminham, a sua marcha condiciona os passos brasileiros nestes próximos anos. É hora de insistir na realização de um projeto nacional de longo prazo, que nos permita a coesão da sociedade brasileira nos esforços que garantam a nossa autodeterminação política. Há dois movimentos políticos no mundo que parecem opostos, mas, no fundo, são harmônicos: a descentralização política e administrativa e a formação de grandes blocos confederados. A União Européia é a grande novidade histórica da Idade Moderna, e nos mostra que só podem ser unidas as partes que se diferenciam. Se as partes não fossem diferentes, constituiriam um universo homogêneo, e não haveria razão nem condições para que se unissem.

Os estados europeus se uniram em tratados de interesse comum, que os fortalecem no conjunto mundial, mas asseguraram, nesses acordos, a autodeterminação dos signatários e a preservação de sua identidade cultural. O Brasil tem uma extensão continental, com diferenças históricas marcantes, o que faz da federação, mais do que um projeto político, clamorosa necessidade. Ao poder econômico (sobretudo o estrangeiro), sediado em São Paulo, sempre interessou a concentração do poder administrativo, primeiro no Rio e agora em Brasília. A burocracia centralizada sufoca os interesses dos Estados, porque se associa ao poder econômico, a fim de impor sua visão técnica ao resto do País.

 

 Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

Categoria: Artigo
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