Em nota, organizações denunciam Congresso Nacional “secreto”

08/04/2022, às 11:39 (atualizado em 14/03/2023, às 14:07) | Tempo estimado de leitura: 10 min
Leia a íntegra da nota da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e Direitos Humanos com Participação Social

A Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e Direitos Humanos com Participação Social  lançou, nesta quarta-feira (7/4), uma nota denunciando a falta de transparência do Congresso Nacional gerada pelo sistema híbrido de votações, restrição ao acesso na Câmara e no Senado, e mudanças no regimento interno sem amplo debate. A Frente é composta por 25 parlamentares e 25 organizações da sociedade civil, entre elas o Inesc.

A nota defende o fim do sistema híbrido de votações adotado pela Câmara e pelo Senado, que esvazia o Congresso Nacional, dificulta a participação popular e a incidência pelas organizações da sociedade civil. Na prática, projetos de lei impopulares têm sido votados por meio de um aplicativo (Infoleg), permitindo que os parlamentares votem sem se expor ao desgaste político junto à sociedade, e sem dar chance para que organizações de defesa de direitos possam participar dos processos.

Além disso, as organizações pressionam para que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), dê transparência ao processo de mudanças no regimento interno. Segundo a nota, ao lado das modificações regimentais atribuíveis à pandemia, a Mesa da Câmara aproveitou as peculiaridades do período para revisar o Regimento Interno (Resolução 21/2021) para, praticamente, extinguir o chamado “kit obstrução”, ferramenta legítima utilizada pelos partidos de oposição para fazer resistência a projetos polêmicos e prejudiciais ao país.

Leia a íntegra da nota:

Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e Direitos Humanos com Participação Social

Mudanças Regimentais e a Participação Social no Parlamento

Congresso Secreto?

A pandemia da Covid-19 exigiu que muitos arranjos fossem feitos no Parlamento brasileiro, de forma a garantir seu funcionamento. Assim, surgem os Sistemas de Deliberação Remoto (SDR) da Câmara e do Senado. A utilização do sistema remoto gerou uma série de consequências indesejadas, como:

  • Aceleração dos procedimentos de apreciação das matérias, assim como redução da natureza democrática do rito de aprovação dos projetos de lei, ao dificultar a atuação da oposição ao governo;
  • Os recursos regimentais, tais como os requerimentos procedimentais, que eram usados para impedir ou retardar uma votação para garantir mais tempo de debate, tiveram seu alcance diminuído, e as discussões reduzidas aos poucos parlamentares presentes em Plenário, cujo tempo de fala também foi limitado.
  • O novo regramento criado e suas posteriores modificações impactaram significativamente a participação da sociedade civil no processo legislativo.

Ao lado das modificações regimentais atribuíveis à pandemia, a Mesa da Câmara aproveitou as peculiaridades do período para revisar o Regimento Interno (Resolução 21/2021) para, praticamente, extinguir o chamado “kit obstrução”, ferramenta legítima utilizada pelos partidos de oposição para fazer resistência a projetos polêmicos e prejudiciais ao país. A justificativa dada pelo Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), à época, era a de que “a oposição estaria abusando do seu direito de obstruir”, o que atrasa demasiadamente o processo legislativo. Ocorre que o maior volume de proposições legislativas aprovadas não significa, necessariamente, melhores leis.

O uso indiscriminado do regime de urgência na tramitação de projetos de lei possibilitou o encurtamento dos prazos para a apreciação das matérias, cujos relatórios são publicados sem antecipação alguma no sistema de informação da Câmara. As sessões daquela Casa, antes com prazo limitado de duração, agora se estendem por horas a fio, a fim de que os projetos sejam logo votados.

Além disso, as Comissões Mistas, destinadas a apreciar as Medidas Provisórias, que o Executivo envia ao Legislativo, deixaram de funcionar, apesar de as comissões temáticas terem trabalhado, mesmo que remotamente, no ano passado. Compostas por deputados e senadores, elas consistiam em espaços de discussão, realização de audiências públicas e apresentação de propostas de modificação dos textos das Medidas Provisórias. Outra questão foi a redução dos prazos para apresentação de emendas, que tornou praticamente inviável a reflexão sobre o texto apresentado e a construção qualificada de propostas a ele.

Todas essas regras reduzem os espaços de participação e controle social, comprometendo a transparência do processo legislativo. O exemplo mais notório disso é a utilização recorrente dos chamados grupos de trabalho (GTs) pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. Se antes as discussões das matérias eram abertas ao público que acudia às comissões e às galerias do Plenário, hoje, os GTs confinam as decisões sobre as proposições a espaços desconhecidos do público, cujas regras de funcionamento não encontram amparo do Regimento Interno da Câmara (RICD). Com isso, ficam em suspenso, ou dependentes de acordos momentâneos, os prazos para apresentação dos relatórios, a possibilidade de envio de contribuições da sociedade civil, a realização de audiências públicas e, não menos importante, coloca-se em xeque a determinação constitucional (art.58,§1°), segundo a qual a composição das mesas e de cada comissão devem obedecer a regra da representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam de ambas as casas legislativas.

Como este cenário impacta a população e seus direitos?

Recentemente, os grupos de trabalho trataram de temas bastante sensíveis e com grande impacto na vida das pessoas e do meio ambiente, como foram os casos do projeto que flexibiliza as regras de licenciamento ambiental no país e do que revogou a Lei de Segurança Nacional. O Presidente Lira também recorreu à constituição de um GT para oferecer uma solução para os impasses e conflitos em torno ao PL 191/20 que permite o garimpo e a realização de grandes empreendimentos em terras indígenas, sem a devida consulta aos povos originários.

No caso do Senado, muito embora os grupos de trabalho funcionem de forma distinta, sendo compostos por juristas e especialistas, também não há em seu Regimento Interno o estabelecimento de regras que organizem e garantam a transparência em seu funcionamento. Atualmente, no Senado, há três comissões de juristas em funcionamento: para a revisão do processo administrativo e tributário; para a revisão da Lei do Impeachment; e para elaboração de substitutivo que instruirá três projetos de lei sobre inteligência artificial no Brasil.

Congresso Secreto?

Outro ponto fundamental é o fechamento do Congresso Nacional à participação social, tanto pelas grandes restrições criadas para a obtenção de crachás na Câmara e a necessidade de autorização de gabinete no Senado, como também o impedimento, pela Polícia Legislativa, de acompanhamento das comissões. Assim, as restrições à entrada e atuação das organizações é mais um indício de que estamos diante de um Congresso secreto. Destaca-se que é preciso um QR Code fornecido por um gabinete parlamentar para entrar, o que limita o acesso a pessoas com acesso à internet, excluindo-se aí muitos ativistas de base, e também gera favorecimento a pessoas que têm mais proximidade com determinados mandatos.

O que propomos?

  • Fim do sistema híbrido de votações adotado pela Câmara e pelo Senado. Se, nas duas Casas, nem mais é necessário o uso de máscaras, não faz sentido a manutenção do sistema híbrido, que esvazia o Congresso Nacional, dificulta a participação popular e a incidência pelas organizações da sociedade civil, dificulta o aprofundamento dos debates legislativos bem como a fiscalização deles pela sociedade.
  • Procedimentos transparentes e democráticos para acesso da sociedade civil às dependências do Congresso Nacional;
  • Em relação aos GTs, que as propostas elaboradas dentro dos grupos tramitem normalmente pelas comissões, evitando o envio direto ao Plenário;
  • Sobre as emendas às MPs, garantir o prazo anterior de cinco sessões, e não duas como foi definido no período de calamidade pública;
  • Amplo debate sobre alterações no Regimento Interno.

A Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos com Participação Popular vem, portanto, por meio desta nota, informar a sociedade sobre o Congresso Nacional estar atuando sem razão justificável de forma predominantemente remota, realizando mudanças regimentais sem amplo debate, impedindo a transparência e o controle social da atuação dos parlamentares.

 

Brasília, 07 de abril de 2022.

Categoria: Notícia
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