Direito à Cidade e Mobilidade Urbana nas Eleições de 2018

17/09/2018, às 11:05 (atualizado em 16/03/2019, às 22:53) | Tempo estimado de leitura: 21 min
Das doze candidaturas analisadas, apenas duas trazem propostas para o direito à cidade e à mobilidade urbana. Cinco delas sequer mencionam o tema.

Por Cleo Manhas, assessora política do Inesc.

O direito à cidade é pauta essencial e vem crescendo desde a década de 1980, com os movimentos de moradia e a criação do Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU), que acabou sendo protagonista na construção do capítulo sobre Política Urbana na Constituição de 1988.

A articulação continuou e várias organizações se juntaram a esta plataforma da Reforma Urbana, que incluía todos os âmbitos da vida nas cidades, mas tinha uma centralidade na luta pelo direito à moradia. A partir do MNRU, os movimentos passaram a atuar em Fóruns Nacionais e Internacionais. O que culminou, no início da década de 2000, articulado a partir do Fórum Social Mundial, no lançamento da Carta Mundial pelo Direito à Cidade, documento político de unificação da pauta, que traz o seguinte conceito:

O Direito a Cidade é definido como o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social. É um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que lhes confere legitimidade de ação e organização, baseado em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito à livre autodeterminação e a um padrão de vida adequado. O Direito à Cidade é interdependente a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente, e inclui, portanto, todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais que já estão regulamentados nos tratados internacionais de direitos humanos.”

Portanto, é extremamente importante que os planos de governo das campanhas à Presidência da República considerem, de forma integral, a efetivação do direito à cidade, com todos os insumos necessários ao combate às desigualdades extremas, que vão desde os pequenos municípios até as grandes metrópoles. Contudo, a despeito do quadro aqui traçado, poucos planos de governo tratam de cidades.

Candidatura Fernando Haddad

O plano começa citando o que a “Constituição de 1988 representa um marco histórico na luta pela reforma urbana por prever o princípio da função social da propriedade urbana e diversos instrumentos que garantam a sua aplicação”. Lembra, ainda, que toda a legislação para garantia desse dispositivo constitucional foi aprovada durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), desde o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social até a Política Nacional de Mobilidade Urbana. E reconhece que, a despeito das políticas desenvolvidas, deixou a desejar com relação à redução das desigualdades.

Segue reafirmando compromisso com a agenda da reforma urbana e propõe que: “(…) instituirá novo Marco Regulatório de Desenvolvimento Urbano, que terá como referência a Nova Agenda Urbana aprovada na Conferência das Nações Unidas para Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável, em 2016, bem como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), assim como do Estatuto da Cidade e todo o marco institucional aprovado até 2014. O objetivo desse novo marco é garantir o direito à cidade, a democratização do espaço público e a sustentabilidade urbana. Ele criará o Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano (SNDU) que aprimorará os mecanismos de cooperação federativa, de sorte a compatibilizar as agendas das pequenas, médias e grandes cidades, bem com a dos estados maiores e menores”.

Habitação

O SNDU terá o papel de definir mecanismos de governança metropolitana, além de criar programa de assistência técnica para qualificação e ampliação da capacidade técnica em municípios e estados. E propõe, ainda: “urbanização e regularização fundiária de loteamentos irregulares e assentamento precários; produção de unidades novas de Habitação de Interesse Social – HIS, incluindo promoção pública, privada e por autogestão; locação social; retrofit de edifícios habitacionais em áreas consolidadas; implantação de loteamentos de HIS; provisão de material de construção com assessoria técnica à habitação popular. O Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) será retomado com modificações relevantes para que possa ser uma ferramenta que contribua com a estratégia da nova política urbana.” E diz que desta vez, o PMCMV levará em conta a localização dos conjuntos habitacionais em locais com infraestrutura urbana e próxima dos locais de trabalho, priorizando atendimento às famílias com renda familiar de até R$ 1.800,00. Coisa que não foi realizada nos governos anteriores e deixou um passivo social enorme com relação aos conjuntos habitacionais construídos no âmbito do Programa.

Propõe, ainda, medidas efetivas para conter a especulação imobiliária, além da criação do PAC urbanização para assentamentos precários e loteamentos irregulares, além da eliminação das áreas de risco e recuperação ambiental, por meio da Política Nacional de Regularização fundiária a ser criada.

Mobilidade e Acessibilidade Urbanas

O plano relata que a mobilidade urbana é um dos maiores desafios das cidades, especialmente as grandes cidades. E propõe: “(…) investir em infraestrutura de mobilidade sustentável, que reduza o tempo de deslocamento das pessoas, que rompa com o paradigma excludente e poluente do transporte individual motorizado e que assegure tarifas acessíveis. A prioridade do governo será apoiar a expansão e a modernização dos sistemas de transporte público, prioritariamente os de alta e média capacidade – trens, metrô, VLT, BRT e corredores exclusivos de ônibus.” Além de incentivar que os estados, DF e municípios tenham transporte confortável e dentro dos critérios de acessibilidade e implantação de ciclovias, tendo estas políticas como critérios para receberem recursos para a mobilidade. Propõe, ainda, municipalizar a CIDE combustível para atuar na redução das tarifas e expansão das gratuidades.  Incentivará carona solidária e compartilhamento de veículos para redução dos automóveis.

Mobilidade ativa, mudanças climáticas e iluminação e segurança

Com relação aos gases de efeito estufa, garante investimento em outras fontes energéticas tais como etanol, biodiesel, biocombustíveis e híbridos, além de veículos elétricos. Diz, sem explicar como, que serão incentivados veículos elétricos e não motorizados e haverá expansão de ciclovias e calçadas. Segue relatando que em parceria com os outros entes federados irá reduzir os acidentes de trânsito com ações educativas nas escolas e junto à sociedade, além de atuar na melhoria da formação de condutores e redução de velocidades nos centros urbanos.

Promete apoio a estados e municípios para adotarem política de gestão ambiental urbana, cuidando dos mananciais e arborização, e drenagem para evitar enchentes. O apoio se estende a iluminação pública municipal, com troca para iluminação de LED que diminui o consumo de energia e contribui para a segurança e mobilidade das pessoas.

Resíduos Sólidos

Afirma compromisso em fazer valer a Política Nacional de Resíduos Sólidos baseada na Lei nº 12.305/2010 e no Decreto nº 7.404/2010, com relação à eliminação de lixões e cumprimento das metas de reciclagem. Cita, ainda, o apoio às cooperativas de catadores como elemento estrutural da política.

Candidatura Ciro Gomes

A proposta da candidatura Ciro Gomes pouco aprofunda, de fato, em políticas para cidades. Fixa um pouco mais em habitação, mas o forte da proposta é infraestrutura, passando rapidamente por mobilidade urbana, apenas para dizer que haverá investimento. No entanto, não é possível perceber qual a sua concepção de mobilidade ou mesmo proposta para transporte coletivo urbano.

Infraestrutura

Diz ser necessário modernizar a infraestrutura e para isso pretende investir, junto com o setor privado, cerca de 300 bilhões de reais por ano para superar deficiências e gargalos, gerando novos empregos.

Propõe a criação de um fundo garantidor de investimentos em infraestrutura que contemple habitação, saneamento, resíduos sólidos, telecomunicações e mobilidade urbana. Mas não detalha de que forma vai atuar nestas áreas, nem deixa nítido qual a opção com relação à política de mobilidade urbana, que está apenas citada junto com rodovias, ferrovias, portos e aeroportos.

Habitação

Sugere reforçar o Programa Minha Casa Minha Vida com recursos adicionais levando em consideração a infraestrutura do entorno, pensando, até mesmo, em transporte, saúde e educação. O Sistema Financeiro de Habitação será fortalecido para obter novas formas de captação de recursos, no entanto, não está explicado de que forma isso será feito. Favorecerá fortemente as parcerias Público Privadas para “aumentar, estrategicamente, a sinergia com os investimentos privados”, com protagonismo do BNDES.

Candidatura Guilherme Boulos

O plano sugere “um programa para construir e manter cidades”, onde diz que as cidades, apesar de abrigarem a maior parte da população, são pensadas para poucos. Citando o direito à cidade, faz ótima análise sobre a financeirização das políticas urbanas, como a política habitacional que está a cargo de um banco, e a ação neste sentido é apenas empréstimo para aquisição da casa própria. Ou mesmo empréstimos para construção de grandes obras viárias. E não há um projeto cidade, especialmente que pense na população que não acessa recursos para “financiar sua urbanização”.

Promete uma política urbana que pense em reforma das cidades, atendendo as necessidades da vida e não da rentabilidade. Essa política será pensada de forma multisetorial (habitação, saneamento, mobilidade urbana, meio ambiente, assistência social, patrimônio histórico, etc).

Prevê, ainda, a criação do Sistema Único de Cidades, que pense em espaços menos fragmentados e fuja dos modelos únicos, com planejamento mais participativo, envolvendo repasse de recursos a estados e municípios por meio de fundos de desenvolvimento urbano com mecanismos de controle social, além de editais públicos para organizações da sociedade civil.

Habitação

No tema habitação, destaca a diversidade de programas habitacionais e a urbanização de assentamentos precários de acordo com as necessidades locais, com construção de casas por cooperativas e autogestão. “Ação emergencial na habitação apoiando a criação de serviços sociais de moradia nos municípios em situação de emergência habitacional, incluindo programas de locação social, reforma e reabilitação de edifícios e imóveis vazios para produção de moradia, em várias modalidades (casa própria, locação social, hotel social), assim como intervenções em áreas de risco”. Planejamento e gestão integrados e com participação popular e em parceria com as três esferas governamentais. Oferecimento de assistência técnica aos municípios.

Mobilidade Urbana

O plano propõe a criação de um teto nacional de tarifas, com política de financiamento e subsídios ao transporte coletivo, permitindo o acesso da população à cidade. Sugere, ainda, implementação de transporte de alta capacidade nas cidades maiores, sem dizer o que significa a alta capacidade.

Também destaca a priorização dos transportes coletivos e dos não motorizados sobre os individuais motorizados. E cita ações para redução dos acidentes, mas sem especificar com quais políticas isso será feito.

Saneamento e resíduos sólidos

Afirma que garantirá a universalização do saneamento básico e a implementação da Lei Nacional e do Plano Nacional de Saneamento, anulando todas as medidas de retrocesso trazidas pela Medida Provisória n° 844/2018. Diz, ainda, que garantirá a segurança hídrica com soluções que permitam o gerenciamento das águas nos diferentes períodos de estiagem e chuvas.

Com relação aos resíduos sólidos incentivará a constituição de consórcios públicos tendo como metas reduzir a deposição de resíduos nos aterros e ampliar a reciclagem, além de prever uma transição da destinação em lixões para a valorização do resíduo. Também fala em reduzir as emissões com relação ao transporte. No entanto, não há propostas de como acontecerá a redução dos lixões, ampliação da coleta seletiva, ou mesmo redução das emissões..

Candidatura Marina Silva

Inicia a proposta dizendo ser preciso desenvolver cidades saudáveis e democráticas, e que o planejamento urbano não pode reforçar a exclusão social. “Nosso governo se compromete a promover e fortalecer políticas para um planejamento urbano integrado, de cidades e regiões metropolitanas, que garanta, além do direito à moradia, acesso a meios de transporte coletivos, coleta de resíduos, saneamento básico e serviços públicos de qualidade. Promoveremos políticas para um urbanismo colaborativo, que valorizem a criação, revitalização e o uso de espaços públicos seguros e atrativos, onde a população possa interagir e se manifestar culturalmente. ”

Habitação

Propõe fortalecer programas de habitação popular preocupando-se com padrões urbanísticos e arquitetônicos adequados, com priorização da recuperação de centros urbanos degredados. Destaca, também, a importância de cidades mais compactas e a convivência entre diferentes classes sociais.

Saneamento e Resíduos Sólidos

Disserta sobre a efetivação da Política Nacional de Resíduos Sólidos e estímulo a redução, mas não deixa claro se é a redução do consumo. Cita coleta seletiva, universalização do saneamento básico, reciclagem e disposição adequada, sem falar como será feito.

Mobilidade Urbana e Mudanças Climáticas

O plano destaca investimento na expansão e qualificação dos sistemas de transporte públicos, estímulo a modais de baixa emissão de poluentes, e geração de energia limpa e renovável, com substituição de veículos com combustíveis fósseis por elétricos e movidos a biocombustíveis.

Cita que as cidades são fundamentais no combate às mudanças climáticas e, portanto, promete reduzir as emissões de gases de efeito estufa e apoiar planos de contingência e monitoramento de extremos climáticos.

Candidatura Henrique Meirelles

O único trecho do Plano de Governo do candidato que se aproxima do tema de cidades e mobilidade diz que: “(…) vai estabelecer como prioritárias as obras que busquem claramente um grande retorno social, como, por exemplo, saneamento básico, mobilidade urbana e creches”.

Candidatura Álvaro Dias

A candidatura divide a proposta em dezenove metas. E na introdução diz perseguir o crescimento sustentado por meio do estímulo ao empreendedorismo e melhoria da infraestrutura. Segue dizendo que “setores como transporte & logística, saneamento básico, energia elétrica, telecomunicações, mobilidade e descarte de resíduos sólidos terão destaque no investimento em infraestrutura, que atualmente apresenta um estoque de capital empregado correspondente a 12% do PIB, número excessivamente baixo se comparado com 65% no Japão e 40% na Índia. É fundamental um aumento do investimento nacional, que chegou ao seu ápice nesse século em 2013, representando 21% do PIB, para em seguida apresentar quedas constantes, atingindo patamares inferiores a 16%. Os recursos para novas inversões virão em parte através do ganho com a redução dos níveis de corrupção e desperdícios no governo e, noutra parte, com a contenção das despesas de custeio”.

No entanto, para além da proposta de ampliação do financiamento, não diz qual o modelo de cidade, ou de mobilidade, ou mesmo de política habitacional defende.

Candidatura João Goulart Filho

Habitação

Propõe uma reforma urbana que leve em consideração as pessoas sem teto e vivendo em situação precária. “(…) Nossa Reforma Urbana deverá taxar forte e progressivamente os imóveis desocupados, como meio de estimular sua ocupação; além disso, implementaremos um programa de construção de moradias para a população de baixa renda (até 3 salários mínimos) e de titulação de terrenos nas comunidades da periferia. Revogar a famigerada lei do Inquilinato, que, ao favorecer os despejos, protege o senhorio contra o inquilino.”

Mobilidade Urbana

A reforma urbana deverá contemplar o problema crônico do transporte público. E como solução para os deslocamentos propõe adensamento das linhas de metrô subterrâneo e de superfície nos principais centros urbanos, além de criar a Estatal Nacional Metrobrás para se responsabilizar pela proposta.

Conclusões

As candidaturas de Bolsonaro, Alckmin, Daciolo, Amoedo e Vera Lúcia não possuem propostas que defendam o atendimento ao direito à cidade, ou mesmo acerca da mobilidade urbana.

Sobre as demais candidaturas, há destaque para Haddad e Boulos, que, de fato, desenvolvem boas propostas em seus planos, até mesmo com a criação de sistemas integrados para as cidades, favorecendo políticas intersetoriais. São, também, as únicas candidaturas que possuem políticas para a mobilidade urbana de forma integrada e dissertam sobre mecanismos alternativos para redução das tarifas do transporte coletivo, sem, no entanto, tratarem do tema transporte como direito social. .

A candidatura de Ciro Gomes cita mecanismos de aperfeiçoamento das formas de financiamento, no entanto, não deixa transparente de que forma pretende incentivar a mobilidade. Marina Silva cita que irá incentivar os modais com baixa emissão de poluentes como forma de conter as mudanças climáticas. Haddad e Boulos também citam os combustíveis não poluentes e inversão de prioridades.

A redução da violência no trânsito é citada apenas por Haddad e Boulos. O primeiro vai atuar com campanhas em escolas e na sociedade, na melhoria da formação de condutores e redução de velocidades nos centros urbanos. O segundo cita, mas não informa como vai agir para reduzir as mortes no trânsito.

Os planos de Álvaro Dias e de Henrique Meirelles ponderam rapidamente sobre obras de infraestrutura, formas de financiamento, mas não explicitam quais as escolhas para esses temas. Já João Goulart deixa claro que dará prioridade aos sem teto para política de habitação e diz que priorizará como modal o metrô criando, até mesmo, uma estatal exclusiva, a Metrobrás.

Não há destaque para mobilidade e gênero em nenhum plano, apenas a candidatura Haddad salienta que incentivará programas voltados para a substituição do que existe por lâmpadas de LED, garantindo espaços mais seguros e iluminados.

Categoria: Notícia
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