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Falta de transparência e prestação de contas dos benefícios fiscais: um problema latino-americano

10/12/2019, às 15:40 | Tempo estimado de leitura: 7 min
Por Livi Gerbase, assessora política do Inesc
ONGs latino-americanas, entre elas o Inesc, divulgam panorama geral sobre os benefícios fiscais na América Latina. Altos valores dos gastos tributários, falta de transparência e de prestação de contas são problemas comuns na região.

A América Latina gasta, em média, entre 10% e 20% da sua arrecadação e 4% do PIB por ano na concessão de benefícios fiscais. Eles são isenções, incentivos, deduções e créditos tributários que reduzem a quantidade de impostos pagos por pessoas físicas ou jurídicas ao governo.

Conhecidos na literatura especializada como gastos tributários por serem de fato gastos indiretos do governo realizados pela política tributária, os benefícios podem ser ferramentas para promoção de investimentos, empregos e crescimento econômico. Porém, o mais recente estudo publicado pelo International Budget Partnership (IBP) chega à conclusão de que hoje, apesar dos países gastarem bilhões de dólares com essa política, a sociedade não tem como saber se os ganhos socioeconômicos prometidos estão se efetivando na região, devido à falta de transparência e prestação de contas dos gastos tributários.

Projeto Lateral

Nos últimos anos, um grupo de organizações da sociedade civil latino-americana representando oito países da região, facilitado pelo IBP, desenvolveu  um projeto para promover pesquisa, incidência e aprender sobre gastos tributárias na América Latina. O grupo, intitulado Lateral, publicou estudos sobre os efeitos dos gastos sobre a desigualdade, além de um manual para ajudar a sociedade civil a pesquisar sobre gastos tributários.

Em seu último estudo, “Contabilizados, mas não responsabilizados: transparência nos gastos tributários na América Latina”, de autoria de Paolo de Renzio, as organizações compararam a transparência e prestação de contas nos informes sobre gastos tributários dos países da região, com objetivo de descobrir e comparar o que é possível saber sobre os incentivos outorgados pelos governos latino-americanos.

As principais conclusões do estudo foram sistematizadas nos infográficos que estão neste texto, como este:

Do ponto de vista contábil, a apresentação de informações sobre despesas tributárias na América Latina é razoável, pois quase todos os governos publicam um relatório anual que inclui dados sobre quais os gastos tributárias existentes e quanto eles representam. A cobertura dos relatórios e o nível de detalhes que eles incluem, porém, variam muito na região. Os países com relatórios mais completos, de acordo com uma série de critérios estabelecidos no estudo, são o Brasil e a Bolívia, enquanto países como Colômbia e Costa Rica ainda possuem um caminho maior a percorrer.

Contudo, do ponto de vista da prestação de contas, todos os países da região deixam a desejar. Os relatórios permanecem, em grande parte, silenciosos sobre vários aspectos-chave dos gastos tributários, incluindo objetivos políticos e medições de desempenho, e não incluem informações sobre os beneficiários e o impacto. Além disso, possuem poucos detalhes sobre os processos por meio dos quais são tomadas decisões em relação à introdução, revisão e avaliação dos gastos tributários.

Vamos, por exemplo, pensar num incentivo fiscal para o setor de construção civil. O incentivo pode impulsionar a construção de infraestrutura no país e, assim, gerar desenvolvimento econômico. Em todos os países comparados nesse estudo, porém, não podemos saber quais são as empresas de construção civil que estão se beneficiando e quanto estão deixando de pagar de impostos. Não existe uma avaliação desse incentivo com o objetivo de entender se houve de fato o incremento na infraestrutura do país. Também não sabemos qual foi o processo de decisão sobre a criação desse incentivo e se não haveriam medidas mais eficazes para gerar o resultado esperado, como o investimento direto do governo em infraestrutura. Na maioria dos países da região, também não sabemos o prazo de vigência do incentivo, podendo ficar décadas sem um processo de revisão desse gasto indireto.

Essa falta de transparência e prestação de contas se configura como um privilégio, pois os gastos governamentais diretos, as despesas orçamentárias, possuem processo de revisão, participação e divulgação de informações muito mais completo e transparente.

E o Brasil?

Como destacado anteriormente, o Brasil possui um dos melhores relatórios de gastos tributários da região, o Demonstrativo de Gastos Tributários, divulgado anualmente pela Receita Federal. A cada ano, a União gasta cerca de 20% de sua arrecadação e 4% do seu PIB com Gastos Tributários. A estimativa de gasto para 2020 é de R$ 326 bilhões de reais, um valor muito próximo ao chamado “rombo da previdência social”. Os benefícios abrangem diversos setores, desde produtores de bebidas açucaradas, como os refrigerantes, até a produção de combustíveis fósseis, privilegiando grandes multinacionais que atuam no país.

Apesar de dispor de relativamente bons relatórios de gastos tributários, o Brasil possui alguns dos mesmos problemas do resto da região no que diz respeito à transparência e à prestação de contas. O governo concede incentivos fiscais com a justificativa de que eles podem estimular investimentos, gerar empregos e contribuir com o crescimento da economia. Porém, não avalia se os benefícios estão realmente promovendo o desenvolvimento econômico e os ganhos sociais que prometem. Além disso, não sabemos quem recebe esses incentivos e nem o valor, pois estão protegidos por sigilo fiscal.

Diante disso, o Inesc, além de participar do projeto Lateral, anima a campanha #SóAcreditoVendo, pela transparência dos Gastos Tributários, além de apoiar a aprovação do PLP 162/2019, que permitirá a divulgação das empresas beneficiárias dos incentivos fiscais e os montantes de impostos que cada beneficiário está deixando de pagar. Sem transparência, como nós, cidadãos, podemos avaliar se esse dinheiro está beneficiando a sociedade brasileira de forma justa e democrática?

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Estudos internacionais destacam a necessidade de reduzir subsídios aos combustíveis fósseis

02/08/2023, às 16:46 (atualizado em 16/08/2023, às 16:32) | Tempo estimado de leitura: 5 min
Inesc contribuiu na elaboração dos materiais que analisaram o tema globalmente

Com o objetivo de fortalecer os debates sobre transição energética em âmbito internacional, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) apoiou estudos que incidem diretamente nas Nações Unidas e no G20. 

O artigo “Financiamento de uma transição energética justa através da reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis” (tradução livre do inglês) foi lançado no âmbito do Think20 (T20). Este é o grupo de engajamento oficial do G20 que reúne os principais centros de pesquisa em todo o mundo. Ele serve como o ‘banco de ideias’ do G20 e visa fornecer recomendações de políticas baseadas em pesquisa aos líderes do grupo. O documento discute desafios e oportunidades para avançar o progresso da reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis, incluindo desafios específicos no Sul Global.

Em 2009, o G20 comprometeu-se a eliminar gradualmente e a racionalizar os subsídios aos combustíveis fósseis a médio prazo, porém nos últimos anos o valor dos subsídios globalmente foi na direção oposta. Por isso, a reforma do apoio público aos fósseis é crucial para nivelar as condições de concorrência das energias renováveis e criar sistemas energéticos sustentáveis que protejam os consumidores da volatilidade dos preços desses geradores de energia. 

Recomendações ao G20

O estudo, desenvolvido por pesquisadores da Europa, Índia e Brasil, destaca a necessidade de os governos do G20 reforçarem seus compromissos em prol de uma transição energética justiça social e climática. Dentre as recomendações, estão: 

– redirecionar os subsídios aos combustíveis fósseis para a proteção social e às energias limpas;

– prestar contas de todo o apoio financeiro público aos combustíveis fósseis, incluindo os investimentos de empresas estatais e políticas de crédito;

– comprometer-se a relatar anualmente todo o apoio aos combustíveis fósseis sob o indicador 12.c.1 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)s, de forma abrangente;

– estabelecer e implementar um calendário para a reforma aos subsídios aos combustíveis fósseis. 

Clique aqui para acessar o artigo (em inglês)

Global Stocktake

Publicado no âmbito do Global Stocktake da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), relatório do Programa de Energia do Instituto Internacional de Desenvolvimento Sustentável (IISD, na sigla em inglês), avalia o progresso dos países para alcançar as metas do Acordo de Paris. O estudo também contou com a colaboração do Inesc. 

O destaque é para o andamento global referente a mudança dos fluxos de financiamento público de combustíveis fósseis para energia limpa. 

Contatou-se que os subsídios aos fósseis continuam a aumentar desde 2015. Em 2022, ultrapassaram US$ 1 trilhão pela primeira vez. 

Recomendações à ONU

Para superar os desafios e direcionar os fluxos financeiros à energia limpa, o estudo sugere aos países recomendações, como: 

– melhorar a transparência;

– melhorar a responsabilização pelos compromissos assumidos em âmbito mundial, no sentido de transferir aporte público dos combustíveis fósseis para energias limpas;

– ter um bom planejamento nacional para transição energética. 

O Global Stocktake é um componente fundamental para monitorar a implementação e avaliar o progresso coletivo feito no alcance das metas do Acordo de Paris. O primeiro processo Global Stocktake da UNFCCC será concluído no final deste ano, durante a COP28 em Dubai. 

Clique aqui para acessar o relatório completo (em inglês)

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