Visões Fiscais

18/05/2010, às 6:25 | Tempo estimado de leitura: 9 min
Por Amir Khair*

Neste artigo são contrapostas duas visões sobre a questão fiscal brasileira.
Uma visão prioriza em suas análises o crescimento das despesas públicas, separando despesas de custeio das relativas a investimentos, concluindo que o excesso de despesas de custeio impede que sobrem recursos para os investimentos na infraestrutura.

Defendem elevados superávits primários (receitas menos despesas, exclusive juros) como melhor arma para reduzir a taxa básica de juros (Selic). É um sinal importante ao mercado financeiro, que o governo federal irá controlar o déficit fiscal e reduzir a relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB).

Para conseguir estes superávits defendem a redução das despesas de custeio, especialmente da previdência social, do funcionalismo e dos programas sociais, que foram as que mais cresceram nos últimos anos. Assim, elevações de salário mínimo, reajustes salariais, contratação de servidores públicos e aumentos nos programas sociais vão na contramão do objetivo central, que é obter elevados superávits primários.

Para reduzir as despesas da previdência social advogam o estabelecimento de idade mínima para aposentadoria, contenção nos reajustes do salário mínimo e a desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo. Para as despesas com pessoal, defendem a redução do número de servidores e contenção dos reajustes salariais.

O que está por trás desta visão é que o Estado é um mau aplicador de recursos ao contrário do setor privado. Assim, quanto menor a despesa com o Estado, mais recursos sobrarão para o setor privado desenvolver suas atividades. É uma política minimalista do Estado, não apenas em seu tamanho, mas também em sua interferência na vida econômica das empresas.

A outra visão sobre a questão fiscal considera além das despesas, as receitas públicas como determinantes dos resultados fiscais e vê como inadequada a oposição entre despesas de custeio e investimentos por cumprirem funções distintas, complementares e necessárias.
Ao invés de manutenção de elevados superávits primários para reduzir a Selic, propõem a redução da Selic para permitir menores resultados primários. Assim, a adequação fiscal depende fundamentalmente do Banco Central, que deveria operar com taxas de juros ao nível internacional, o que aliviaria rapidamente as despesas com juros, sendo esse o principal remédio para a saúde das finanças públicas.

É contra o estabelecimento da idade mínima para a aposentadoria, caso mantido o fator previdenciário, e contra a desvinculação do piso previdenciário ao salário mínimo, que deverá crescer para reduzir as desigualdades na distribuição de renda. Com relação às despesas de pessoal defendem a adequação delas às necessidades de atendimento das competências atribuídas pela Constituição ao Estado.

O que está por trás desta visão é que o Estado deve regular a economia e ter os recursos necessários para cumprir as obrigações que lhe são atribuídas pela sociedade através da Constituição Federal.

Ambas as visões reconhecem que as despesas públicas devem ser racionalizadas e priorizadas, evitando desperdícios, só que para a primeira visão a redução de despesas deveria ser usada preferencialmente para investimentos ou abater a dívida pública. Para a segunda visão, especialmente para atender a demanda social reprimida e para programas de redistribuição de renda.

A seguir breve análise dessas visões.

Os determinantes dos resultados fiscais são o nível e a evolução das receitas e das despesas. As receitas dependem fundamentalmente da atividade econômica e da eficiência das máquinas fazendárias. Níveis de crescimento próximos a 5% ao ano permitem lucros e massa salarial superiores ao crescimento do PIB e o governo arrecada proporcionalmente a essas bases de tributação. Alem disso, com esse nível de crescimento do PIB se reduz a inadimplência e a sonegação, que são elevadas. As despesas se subdividem entre custeio, investimentos e juros. As duas primeiras estão aquém das necessidades de atender aos elevados déficits sociais e de infraestrutura do País. As despesas com juros constituem a maior anomalia das contas públicas, devido ao elevado nível da Selic, que contamina de forma direta ou indireta o endividamento em títulos do governo federal. Nos últimos quinze anos a gastança com juros atingiu em média por ano 7,51% do PIB. A Lei de Responsabilidade Fiscal foi omissa ao não limitar o impacto fiscal da política monetária.

Independentemente da obrigação dos gestores públicos de racionalizar e priorizar as despesas e investimentos é importante reconhecer a importância que têm cada uma para o desenvolvimento econômico e social do País. As despesas de custeio contribuem para reduzir o déficit social e os investimentos atendem às necessidades de ampliar a oferta de equipamentos públicos e de infraestrutura.

Um dos termômetros das contas públicas é o resultado nominal (resultado primário menos os juros). Ignorar os juros como despesa pública é além de um erro conceitual, a desconsideração de um dos maiores componentes da despesa pública do País. O outro termômetro é o nível e a evolução da relação entre a dívida e o PIB. Essa relação depende do resultado nominal e não do resultado primário. Em termos macroeconômicos os gastos do governo em expansão, elevam a demanda, pressionando a inflação. Quando o Banco Central eleva a Selic, cria um gasto adicional de governo e eleva a demanda. Para os aplicadores que ganham com a elevação da Selic, há um aumento do consumo pelo efeito riqueza. Ainda sob o aspecto fiscal uma elevação das despesas com juros equivale matematicamente a uma redução de igual montante no resultado primário, piorando as contas públicas.

Existem estudos que demonstram que o crescimento das despesas previdenciárias pelo envelhecimento da população, caso mantido o fator previdenciário, é mais do que compensado pela redução das despesas na área social com a diminuição da população jovem. Quanto ao impacto do salário mínimo na previdência social, deve-se levar em conta o efeito que causa nas receitas públicas pela ativação da economia.

Com relação às despesas de pessoal o que deve nortear seu montante é a adequação delas às necessidades de atendimento das competências atribuídas pela Constituição ao Estado, supondo uma gestão de recursos humanos adequada. O setor público tem muito a avançar neste aspecto. É provável que haja excesso de servidores nas funções-meio e falta nas funções-fim. As funções-meio servem de suporte administrativo, jurídico e operacional às funções-fim, aonde se dão as prestações de serviços nas áreas sociais, de segurança, de fiscalização e de atendimento ao público. As funções-fim concentram cerca de 80% do total de servidores públicos e são patentes suas carências em termos quantitativos e qualitativos. Devem ser estabelecidos limites estreitos aos cargos em confiança, que em muitos casos nada mais são do que cabos eleitorais.

O Estado numa sociedade democrática deve atender o que lhe é determinado pela sua Constituição tanto em termos de prestação de serviços e investimentos quanto na regulação e participação da atividade econômica e financeira. Caso ela obrigue o atendimento universal para a saúde, previdência, assistência social e segurança, e educação até o ensino médio, como é o nosso caso, deve contar com os recursos necessários a essas finalidades.

* Mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor.

Categoria: Artigo
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