O interesse corporativo acima da vida das pessoas e dos bens comuns

15/10/2015, às 0:38 | Tempo estimado de leitura: 8 min
O Tratado que sairá de Paris, durante a Conferência das Partes sobre Mudança Climática (COP21) estará longe de responder os desafios do planeta. Artigo de Iara Pietricovsky, do Colegiado de Gestão do Inesc.

qPublicado no site Carta Maior.

Na última intersseccional de Bonn, em setembro, os co-presidentes do Grupo de Trabalho Especial sobre a Plataforma de Durban para uma Ação Reforçada (ADP sigla em inglês) apresentaram uma proposta para tentar resolver o impasse nas negociações. Juntaram num primeiro grupo de questões os temas com grande potencial de acordo; num segundo grupo, umas tantas questões que ainda estão pendentes de decisão; e num terceiro grupo as questões que não entrarão no acordo porque exigirão mais negociação ao longo do tempo, e não serão sequer incluídas em nenhum outra parte do acordo, nem como anexo.

O que sobrou como temas passíveis de acordo é muito pouco. Cortes de emissões voluntárias e mecanismos de flexibilização se mantém dentro de uma visão de mercado de carbono e soluções calcadas em novas tecnologias. Muito aquém daquilo que se espera dos governos e empresas para a transição à um mundo sustentável.

Já esta em curso um documento não-oficial a ser apresentada na próxima intersseccional  que é o rascunho do possível texto de acordo de Paris. Além disso, já existe uma avaliação prévia das Contribuições Previstas e Determinadas Nacionalmente (INDCs sigla em inglês). Estas se referem às metas voluntárias de corte de emissão que os países farão até 2030.

O  Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC sigla em inglês) mostrou claramente sua apreensão. O quarto informe de 2007 nos alerta que se não houver mudanças drásticas nas emissões produzidas pela humanidade estaremos passando por sérios riscos de grandes impactos ambientais e humanos decorrentes da mudança climática. Daí a recomendação de cortes de emissão para manter o aquecimento do planeta abaixo dos 2º centígrados até o ano 2020. Essa avaliação foi reiterada em 2015 no quinto Informe do IPCC.

Apesar dos clamores do mundo científico, existe pouca vontade política e/ou pouca capacidade política dos governos em efetivar um acordo mais ambicioso. Na verdade, tudo aquilo que foi originalmente acordado na Rio 92, no Rio de Janeiro, foi suavizado e substituído por metas meramente voluntárias. E essa situação está diretamente vinculada ao fato de que quem está, de fato, decidindo neste âmbito são as grandes empresas orientadas por seus interesses corporativos.

A participação das grandes empresas extrativistas, entre outras dos setores produtivos e financeiros, acabaram moldando todos os conteúdos às suas necessidade empresariais.

Desta forma, o documento, em vez de apresentar medidas mais radicais para eliminação da matriz energética baseada em combustíveis fósseis, por exemplo, apresenta uma linguagem amenizada.  Os governos estão sendo chamados a  eliminar ou reduzir os subsídios aos combustíveis fósseis, mas tudo muito fraco. Em recente fala pública, a presidente Dilma reafirmou o uso de hidrelétricas e combustíveis fósseis na matriz energética brasileira, que ao contrário do que se espera, aposta a realização de políticas públicas nas explorações do Pré-sal e nas grandes obras. 

Outro tema que deverá estar no menu do acordo se refere ao mecanismos de mercado, baseados na venda de carbono, como solução para redução de emissões de gases de efeito estufa. Esta visão acaba funcionando como um escape ao que tinha sido previamente acordado no Protocolo de Quioto. Os países ricos podem compensar suas emissões com estes mecanismos de mercado. O mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação de Florestas (REDD ) é parte deste tipo de soluções. O governo brasileiro recentemente também declarou que poderá embarcar na integralidade nesta proposta, pois ainda que fosse um dos proponentes ainda defende a não participação do mercado. Mas, essa defesa original parece em risco.

O Banco Mundial e empresas transnacionais aliados à Aliança Global para Agricultura Inteligente estão jogando toda as suas fichas neste acordo exatamente porque, da maneira em que esta sendo desenhado, cabe perfeitamente na sua visão estratégica de crescimento do setor do agronegócio em todo mundo, que é obviamente a expansão de seus negócios e lucros numa roupagem “sustentável”. Fica assim bastante evidente o interesse do agronegócio brasileiro com o acordo dentro deste novo marco de propostas.

O que está por detrás disso são as sementes transgênicas, os monopólios das empresas produtoras de agrotóxicos, e um sistema de plantação extensiva que, prejudica a terra, expulsa os povos de seus territórios (indígenas, camponeses da agroecologia, povos da floresta), envenena o meio ambiente e não produz emprego, entre outros fatores. 

É interessante notar que o cenário que se desenha no âmbito da COP21 também está  se dando em outros espaços da governança global. Os debates e decisões tomadas na Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030 (ODSs) recém lançada pela ONU em Nova Iorque, e a fracassada Conferência sobre financiamento ao desenvolvimento, realizada em julho em Adis Abeba (Etiópia) estão interconectados. 

A captura corporativa destes espaços, formatando e desenhando as políticas conforme seus interesses, a dependência da ONU dos financiamentos privados ou de fundos específicos não públicos, acabam por delinear um outro tipo de governança e outras  prioridades. A idéia do interesse público, fundado na defesa dos bens comuns e no desenho de políticas públicas de efetivação dos direitos são contaminados por interesses meramente corporativos. O estados nacionais acabam abrindo mão de seu papel regular e mediador para ser um ator a mais numa nova configuração, longe de um aprofundamento democrático, aberto e participativo.

Categoria: Artigo
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