Direitos Humanos “congelados” e o Estado autoritário de Michel Temer

29/06/2016, às 13:31 | Tempo estimado de leitura: 7 min
Artigo de Carmela Zigoni, assessora política do Inesc.

No último dia 10 de junho, o Ministro da Justiça Alexandre Moraes publicou a Portaria Nº 611, que “suspende a realização de atos de gestão no âmbito do Ministério da Justiça e Cidadania”, exceto pelos atos relacionados a: I – a operações e atividades da Força Nacional de Segurança Pública;  II – às ações de preparação e mobilização para a realização dos Jogos Olímpicos de 2016; III – ao cumprimento de decisões judiciais; IV – à execução do orçamento impositivo; e V – à gestão da folha de pagamento de pessoa.

Direitos humanos congelados por 90 dias. É difícil compreender como é possível que um governo seja capaz de um ato político-administrativo tão cruel e violento. Se na gestão de Dilma já criticamos a extinção de secretarias importantíssimas como Juventude, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, que passaram a conviver em um único Ministério, é nesta gestão golpista que o escândalo contra os direitos humanos chega ao seu ápice. A mensagem que a Portaria Nº 611 passa para a sociedade é a de que os direitos humanos não são importantes para o Brasil, e que a prioridade são os Jogos Olímpicos e o Estado policial militarizado.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê que os direitos humanos compõem uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, no qual os direitos civis e políticos devem ser conjugados com os direitos econômicos, sociais, culturais e socioambientais. Infelizmente, o Brasil conta com terríveis estatísticas de violação de direitos humanos: mulheres vítimas de violência (inclusive estupros coletivos e feminicídio), extermínio da juventude negra, pessoas vivendo em situação análoga à escravidão, assassinatos de pessoas LGBTI, especialmente de pessoas trans, violação de direitos dos povos indígenas, tortura dentro de prisões e aumento significativo de mulheres no sistema carcerário, isso para citar os exemplos mais emblemáticos, pois ainda somam-se a estes o racismo institucional em todas as esferas de políticas e serviços públicos, a violação de direitos de crianças e adolescentes, de pessoas com deficiência, população em situação de rua, povos e comunidades tradicionais impactados por grandes projetos, tráfico de pessoas e por aí vai. Estes problemas são resultado de uma configuração histórica e cultural bastante complexa, uma combinação de história colonial e seus desdobramentos pós-coloniais, diversos períodos de autoritarismo político, e a inserção subalterna no capitalismo global. Temos, assim, uma estrutura política branca, elitista e pouco permeável à democracia de fato.

Diversos são os órgãos públicos responsáveis por garantir o combate a toda esta violência e promover os direitos humanos no Brasil. O Ministério de Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos tinha a missão de promover a transversalidade do tema, além de executar algumas políticas e programas, somando um orçamento de R$ 487,62 milhões em 2016, ou seja apenas 0,016% do orçamento total da União. Considerando que 55,66% do orçamento público deste ano foi destinado para o pagamento da dívida, os direitos humanos ficaram com 0,029% do recurso para gastos com políticas públicas. É pouco! É muito pouco para a promoção de direitos dos brasileiros e das brasileiras que mais precisam de atenção do Estado. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que é parte do MJ, também não poderá realizar suas atividades normalmente. O recurso da FUNAI representa apenas 0,19% do orçamento da União.

Michel Temer extinguiu o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, e passou suas funções para o Ministério da Justiça – mas na nova estrutura deste Ministério, não aparecem ‘mulheres’, ‘igualdade racial’ ou ‘direitos humanos’. O Ministro Alexandre Moraes resolveu, provavelmente junto com seu chefe, o presidente ilegítimo, que não vai trabalhar nessa pauta. Essa é a mensagem da famigerada Portaria Nº 611. O recurso, já autorizado pelo Congresso na LOA 2016, não poderá ser executado porque o Ministro da Justiça (!) decidiu que não é prioridade.  Por meio de uma canetada, este senhor violentou e re-vitimizou milhares de cidadãos e cidadãs. Ignorou a Constituição de 1988, todos os tratados internacionais de direitos humanos nos quais o Brasil é signatário, e a construção histórica de movimentos sociais em prol de uma sociedade menos brutalizada e mais justa e igualitária. Estado autoritário.

*No dia 23 de junho, um Decreto transferiu R$12.927.981,00 dos direitos humanos para a Presidência da Republica: o recurso seria destinado para ‘Formulação, Desenvolvimento e Capacitação para Participação Social’ na agenda de direitos humanos. O Decreto não informa em que será gasto este recurso no âmbito da Presidência.

**A ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) e a Conectas denunciaram na quinta-feira (23), em uma assembleia do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), as ameaças de retrocesso dos direitos humanos, agravadas com a crise política.

Leia também:

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O Brasil e a crise financeira da Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Categoria: Artigo
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