CÓDIGO FLORESTAL: Inês é quase morta

10/04/2012, às 14:30 | Tempo estimado de leitura: 10 min
Artigo escrito por três assessores políticos do Inesc trata da falta de interesse do governo na mudança dos rumos do debate sobre o Substitutivo do Código Florestal e da força dos ruralistas no Congresso Nacional pode fazer com que o projeto seja aprovado, mesmo controverso e avesso às recomendações da ciência.

Otimismos e resistências à parte, tudo indica que “Inês é quase morta”, que a proposta dos ruralistas do Novo Código Florestal será aprovada com poucas alterações. Mas é preciso, ainda, entender porque imperou o interesse pragmático dos produtores rurais. Ou, como foi possível que um projeto tão controverso e avesso às recomendações da ciência se mantivesse como a única “solução da lavoura”.

São duas as razões principais. A primeira, é preciso dizer, deve-se à “falta de interesse” do governo na mudança dos rumos do debate e na construção política de uma alternativa ao Substitutivo de Aldo Rebelo. A segunda, deve-se a força dos ruralistas no Congresso Nacional.

Propostas alternativas e menos permissivas tiveram várias: ampliar o prazo limite do decreto que obriga a averbação da Reserva Legal (RL); separar o joio do trigo, perdoando somente aqueles agricultores prejudicados pelas mudanças no limite de proteção exigido; construir uma melhor articulação das medidas de comando e controle com medidas de incentivo e estímulo para a recuperação de áreas ilegalmente desmatadas; ampliar estímulos para recuperação das áreas legalmente em uso, mas que estão em estado avançado de degradação; ampliar os investimentos em pesquisa e os estímulos à adoção de tecnologias que ampliam produtividade em áreas regularmente ocupadas, em especial na pecuária cujos efeitos seriam de curto prazo.

Mas não tiveram força política suficiente para ganharem concretude no debate. Não é demais dizer que todas as saídas, quer seja na linha de ganhar mais tempo para o debate ou colocar uma contraproposta na mesa de discussão, dependiam de uma atitude do governo, já que estamos falando fundamentalmente de políticas públicas capazes de orientar e viabilizar as saídas para o impasse do descumprimento da legislação ambiental.

Enfim, o Governo é quem poderia ter feito a diferença no debate sobre o Código Florestal, a exemplo da diferença que fez na votação de matérias do seu real interesse, como a votação do valor do salário mínimo para 2011 ou do Pré-sal; para ficar com os exemplos mais marcantes da capacidade do atual governo de “enquadrar” sua base de apoio no Congresso.

No caso do Código Florestal, estivemos muito longe de sentir alguma presença do governo no debate. Ao contrário, sua ausência foi anunciada pelo próprio Partido dos Trabalhadores (PT). Há três semanas, o líder do PT na Câmara disse publicamente que o partido não votaria a matéria enquanto o governo não se posicionasse. O governo, por sua vez, tentando dar resposta publicamente à “chamada” do partido anunciou que em duas semanas apresentaria uma nova proposta, distinta.

Esta proposta nada mais foi do que um anteprojeto de lei que havia sido elaborado, ao que temos notícia pelo menos há seis meses pelos técnicos do Ministério do Meio Ambiente, e que não desfrutou de muita atenção, tanto pela Ministra quanto, e muito menos, pela Casa Civil. Isto, sem falar na apatia do Ministério do Desenvolvimento Agrário no debate, ou da defesa ostensiva do Substitutivo pelo Ministério da Agricultura. Em síntese, o governo esteve muito distante de se empenhar politicamente para construir outra saída para o Código Florestal.

Tanto é assim, que mesmo depois de publicamente assumir que apresentaria outra proposta – a sua proposta de governo – o que temos visto é a negociação de emendas pontuais que não alteraram a essência do Substitutivo. A conclusão não poderia ser mais óbvia: a aprovação do Substitutivo de Aldo é, em grande medida, responsabilidade do governo que tacitamente assumiu a saída dada pelos ruralistas para o impasse do passivo ambiental que se acumula há décadas.

Esta chancela do governo aos interesses dos ruralistas, para além dos eventos mais recentes, vem de longa data. Por repetidos anos, continuados nos mandatos do governo Lula, foram concedidos aos mesmos ruralistas, quase que anualmente, perdões e renegociações de suas dívidas. Desde 1995 até 2008 foram nada menos do que 15 leis e 130 atos do Conselho Monetário Nacional instituindo oportunidades de repactuação de dívidas rurais.

Para ficar com um exemplo, segundo estimativas do Ministério da Fazenda, somente os contratos firmados até meados de 2006 registravam em agosto de 2008 um saldo devedor de R$ 87,8 bilhões segundo estimativas do Ministério da Fazenda. A Medida Provisória n°432 de maio de 2008 tratou de efetuar uma redução deste saldo no valor de R$ 75 bilhões (dos quais R$ 69 bilhões em benefício de grandes produtores). Enfim, são bilhões recorrentemente tirados do bolso do contribuinte para o perdão de dívidas dos produtores rurais que poderiam ter tido, no mínimo como contrapartida, a regularização do passivo ambiental. Era isto, aliás, que sempre defendeu o PT. Mas nenhuma tentativa de condicionar este perdão ao cumprimento de legislação trabalhista ou ambiental vingou, por pressão dos ruralistas, mas também por uma opção dos sucessivos governos de fortalecer a pujança do agronegócio. Ah… se valesse para os grandes produtores o rigor das condicionalidades aplicado no Bolsa Família, Inês não estaria tão mal!

Na essência deste apoio tácito está, enfim, a clareza da estratégia do governo que compartilha com o agronegócio o esforço de afirmação e hegemonia do Brasil no mercado mundial de commodities agrícolas.

Em relação à força dos ruralistas no Congresso Nacional. O Substitutivo, mais que defendido foi urdido sob o manto dos seus interesses. É a proposta melhor viabiliza a resolução das três principais dimensões do problema, desde a perspectiva do agronegócio.

De um lado, viabiliza o perdão de multas que oneram principalmente grandes infratores que são também grandes proprietários. Vale dizer que o sistema de multas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) registra um montante de R$ 5,4 bilhões, em sua maioria, multas por corte e destruição de florestas e demais formas de vegetações consideradas de Preservação Permanente e Reserva Legal. Os estados de Mato Grosso e Pará concentram nada menos do que 72% destas multas. De outro lado, permite incorporar a quase totalidade destas áreas já desmatadas como área rural consolidada. E, junto a isto, joga a conta da recuperação do passivo no colo de toda sociedade.

Ademais, se mostrou válida a tática oportunista de ampliar a base social de apoio às suas propostas, por meio da “cooptação” de parcela das organizações dos trabalhadores e pequenos produtores rurais, cuja principal medida foi a isenção da manutenção da Reserva Legal pela pequena propriedade. Mas esta aglutinação de forças só se mostrou viável, reforçamos, porque o governo na prática apoiou o Substitutivo, a despeito das divergências de setores dentro do governo.

Em síntese, prevaleceu neste contexto a clareza de interesses e propósitos dos ruralistas e sua “capacidade” de fazerem o que sabem: pressionar, negociar, exigir que se vote o que querem e como querem.

E eles querem muito mais. Seus próximos desafios, já anunciados publicamente em evento recente de lançamento da Frente Agropecuária, não poderiam ser mais claros e focados, como dizem “Temos força e objetivos”: “combater o que considera ‘farra’ de criação de unidades de conservação e áreas indígenas”.

Alessandra Cardoso, Edélcio Vigna e Ricardo Verdum – Assessores políticos do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Categoria: Artigo
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