Modelo de desenvolvimento predatório e violência: as mazelas da sociedade brasileira

07/06/2008, às 8:00 (atualizado em 21/04/2019, às 19:09) | Tempo estimado de leitura: 8 min

Alexandre Ciconello

O relatório anual da Anistia Internacional divulgado essa semana, mais uma vez expõe as mazelas da sociedade brasileira: violência, impunidade e modelo de desenvolvimento predatório. O recrudescimento da violência policial, especialmente no Estado do Rio de Janeiro, e os impactos das obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) são dois destaques do relatório.

A sociedade brasileira pouco tem debatido os impactos sociais do modelo de desenvolvimento e de programas de governo como o PAC, PAS – Plano Amazônia Sustentável ou o IIRSA – Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul Americana. As grandes obras previstas como rodovias, ferrovias, portos, hidrelétricas e represas são concebidas com pouca preocupação no que se refere aos impactos socioambientais de projetos de tal envergadura. Na verdade, tais obras atendem aos interesses de grandes corporações e exportadores, vinculados a atividades econômicas concentradoras de renda como o agronegócio, mineração e a produção de biocombustíveis.

Mesmo com a resistência dos movimentos sociais e das populações mais vulneráveis do semi-árido nordestino, o governo insistiu em levar adiante o Projeto de transposição do Rio São Francisco — que beneficiará projetos de irrigação de grandes proprietários rurais — ao invés de implementar políticas alternativas para a região, já elaboradas e que beneficiariam agricultores familiares e pequenas comunidades.

 

O relatório afirma que “a expansão da monocultura, como as plantações de soja e de eucaliptos, a extração ilegal de madeiras e a mineração, juntamente com projetos de desenvolvimento, como a construção de represas e o projeto de desvio do Rio São Francisco, estiveram entre as principais fontes de conflito” em 2007 no Brasil. Aliado a isso, a expansão do setor canavieiro para a produção do etanol tem aumentado os casos de ocorrência de trabalho escravo no país, como o ocorrido em uma fazenda da empresa produtora de etanol no Pará, em 2007, onde mais de 1000 pessoas foram libertadas.

 

A quem interessa esse tipo de desenvolvimento, que expulsa populações inteiras de suas terras; destrói seus modos de vida comunitário e tradicional; seus meios de sustento; desmata a floresta aumentando o desequilíbrio ambiental e climático no mundo; que viola direitos humanos fundamentais como a liberdade e a dignidade. Para onde vão os lucros obtidos por grandes corporações nacionais e internacionais beneficiadas com essas políticas?

 

Esse modelo de desenvolvimento predatório e insustentável ambientalmente tem violado cada vez mais os direitos humanos (civis, políticos, sociais, econômicos e culturais) ao invés de promovê-los. O Brasil ainda se pauta pela lógica antiga de buscar o desenvolvimento econômico a qualquer custo, ignorando as necessidades da população de baixa renda e dos grupos mais vulneráveis. O desenvolvimento humano e a garantia de condições de vida digna para todos/as é posto em segundo plano.

 

Por outro lado, a violência aumenta, especialmente nos grandes centros urbanos. A resposta do Estado tem sido truculenta, como a política de extermínio do governo do Rio de Janeiro. Segundo o relatório da Anistia, a partir de dados oficiais, em 2007, a polícia carioca “matou ao menos 1.260 pessoas(…) Todas as mortes foram classificadas como “resistência seguida de morte”. A maioria dessas pessoas são jovens e negros, que são as vítimas preferenciais dos assassinatos nesse país. Essa é apenas uma dimensão — a mais cruel delas —  de como o racismo opera na sociedade brasileira. Segundo dados do IPEA (2006, p. 80), em 2005, a taxa de homicídios de negros (31,8 por 100.000) era cerca de duas vezes superior à observada para os brancos (18,4), sendo que na região Nordeste — uma das mais pobres do país — a taxa de homicídios de negros era mais de três vezes superior a dos brancos.

 

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, após a publicação do relatório, afirmou que não vai mudar a sua política de segurança em razão da publicação do relatório da Anistia Internacional. O pior é que tal atitude é apoiada por outras autoridades públicas. Segundo o relatório, “apesar dos relatos abundantes de violações de direitos humanos cometidas pela polícia, o Presidente Lula e outras autoridades de seu governo apoiaram publicamente certas operações policiais militarizadas de grande repercussão, especialmente no Rio de Janeiro.”

 

Estamos no ano da celebração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O Brasil ainda não tem muito o que comemorar. A afirmação de que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos” ainda não é uma realidade em nosso país e por vezes parece que retrocedemos em vários aspectos.

 

Em dezembro de 2008 será realizada a XI Conferência Nacional de Direitos Humanos com o objetivo de revisar o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) de 2002. Até agosto serão realizadas as conferências estaduais. Violência e Segurança Pública; Desenvolvimento e Direitos humanos, são dois dos seis eixos orientadores do debate em todo o país, refletindo a centralidade que esses dois temas vem adquirindo no debate sobre os direitos humanos no Brasil. É uma oportunidade para que movimentos e organizações avaliem as atuais ações do Estado, propondo e formulando estratégias para o avanço dos direitos humanos, que não irá ocorrer se o Estado continuar a priorizar um modelo de desenvolvimento social e ambientalmente insustentável, predatório e concentrador de renda e uma política de segurança pública truculenta e ineficaz.

 

Para saber mais: Informe 2008 da Anistia Internacional: o estado dos direitos humanos no mundo, em http://thereport.amnesty.org/prt/the-world-by-region

Categoria: Artigo
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