Sem avanço na justiça tributária

15/04/2019, às 13:21 | Tempo estimado de leitura: 7 min
Valor Econômico

Ribamar Oliveira
12/08/2010
 

Muito já se escreveu sobre o aspecto altamente regressivo do sistema tributário brasileiro. As pessoas que ganham menos são as que pagam mais impostos. A explicação para isso é simples: no Brasil, os tributos que incidem sobre o consumo têm um peso muito grande no total da arrecadação. Esses impostos estão embutidos nos preços dos produtos e os consumidores sequer sabem quanto estão pagando. Como as famílias mais pobres utilizam uma parte maior da renda no consumo, a carga tributária delas termina sendo, proporcionalmente, mais elevada. Recente estudo feito pelo economista José Roberto Afonso indica que esse aspecto perverso da tributação brasileira não foi alterado durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo com as desonerações realizadas nos últimos anos.

O economista fez uma análise da evolução da receita federal administrada, excluindo a receita previdenciária, por setor de atividade. Ele observou que a arrecadação total da União cresceu 29,2% em termos reais, entre 2002 e 2009, mas a variação foi maior em ramos de atividades que produzem bens essenciais para o consumo dos mais pobres.

A arrecadação federal obtida com a indústria de alimentos aumentou 85% em termos reais, 51% com a de vestuário e calçado, 79% com as telecomunicações sem fio, 64% com a energia elétrica, 212% com as concessionárias de água e 443% com coleta de esgoto. Cresceram abaixo da média, dentre outros, as receitas federais com a fabricação de automóveis (37%) e com petróleo (4%).

Os dados levantados por José Roberto Afonso indicam que a tendência de piora na regressividade da tributação, observada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em estudo divulgado em 2008, não foi substancialmente alterada no governo Lula. Naquele ano, o Ipea mostrou que a carga tributária das famílias que ganhavam até dois salários mínimos por mês aumentou 73,4% no período de 1996 a 2003 – elas pagavam 28,2% de sua renda em impostos e passaram a pagar 48,9%. O menor aumento foi imposto às famílias com renda superior a 30 salários mínimos. Um novo estudo do Ipea a respeito da carga tributária incidente sobre a renda das famílias nos dias atuais poderia ajudar no debate sobre a reforma tributária a ser feita pelo próximo governo, uma vez que os principais candidatos à Presidência da República se comprometeram a realizá-la, se eleitos forem.

Em seu texto para a Unicamp, José Roberto Afonso chama a atenção para o fato de que até agora o administrador público brasileiro preocupou-se apenas em saber como arranjar os recursos necessários para a ampliação do gasto público, que não para de crescer desde a década passada. E a elevação desses gastos foi, em parte considerável, financiada pelas contribuições sociais criadas e aumentadas a partir da Constituição de 1988. O economista observa que o incremento das contribuições coincide com o período em que se identificou um aumento da carga tributária maior para a classe média e para os mais pobres e menor para a classe mais rica do país. O grande paradoxo da alternativa seguida pelo Brasil na área tributária é que o maior peso do financiamento do gasto social recai sobre as famílias mais pobres.

Para o economista, está na hora de discutir também a qualidade da tributação e do gasto na área social. Em síntese, a pergunta a ser respondida é de onde vêm e para onde vão os recursos públicos aplicados na área social. Isto significa, nesta perspectiva, que o eixo da proposta de reforma tributária não poderá ser apenas o da busca de maior eficiência da atividade produtiva. A reforma terá também que promover maior justiça fiscal.

É fácil entender as dificuldades políticas que essa abordagem terá para ser colocada em prática e por que ela não é citada pelos candidatos à Presidência da República, quando tratam da reforma tributária. Uma melhora da regressividade só pode ser conseguida com a redução da importância relativa dos tributos que incidem sobre o consumo e com a ampliação dos chamados impostos diretos, que incidem sobre a renda e a propriedade.

É bom lembrar que uma das dificuldades para a votação pela Câmara dos Deputados da última proposta de reforma tributária apresentada pelo governo Lula, em 2008, estava relacionada justamente com a redução da regressividade. A proposta do governo previa a desoneração da cesta básica, o que desagradou aos Estados produtores dessas mercadorias.

A ideia inicial do governo era promover também uma reforma na legislação do Imposto de Renda, que o tornasse mais progressivo. Ou seja, as mudanças iriam penalizar as famílias com renda mais elevada. Chegou-se a discutir, inclusive, a criação de uma alíquota do Imposto de Renda de 35% para os salários mais altos. Tudo isso foi esquecido pelo caminho, diante das dificuldades enfrentadas, mas, certamente, esse debate voltará assim que o presidente eleito formular a sua proposta de reforma tributária. Desde que, é claro, mantenha a promessa de realizá-la.

Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras

 

Fonte: Valor Econômico

Categoria: Notícia
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