Política é sim coisa para crianças!

26/04/2016, às 14:45 | Tempo estimado de leitura: 12 min
Por Carla Bittencourt e Tatiana Mendonça.

Publicado por A Tarde.

“Uma coisa é certa. O Brasil está no fundo do poço”. Um suspiro um tanto desolado precede a frase dita por Leonardo Brito, 10 anos. Ao lado de seis colegas do 5º ano da Escola Experimental, em Brotas, ele passou uma tarde conversando com a Muito sobre o momento político turbulento que o país atravessa. Sentados numa mesa no laboratório de ciências, quase todos disseram que eram contra o impeachment de Dilma, por falta de provas. O encontro aconteceu antes do domingo passado, dia 17 de abril, quando mais de dois terços da Câmara dos Deputados decidiram encaminhar para o Senado o pedido de afastamento da presidente.

Léo, por sua vez, não era a favor nem contra o impedimento. “Não quero que Dilma continue. Mas também  não quero o impeachment, porque a gente tem coisas mais urgentes a resolver. Temos que pensar no que é melhor para o país. Primeiro, a gente tem que baixar a poeira. Como assim baixar a poeira? Os políticos estão sendo apressados em tirar a Dilma do poder. Na minha opinião, isso seria para os políticos corruptos livrarem-se da história”.

A 13 quilômetros dali, na Escola Municipal Oito de Maio, em Paripe, o clima era diverso. Chegamos no meio de uma atividade em que a turma do 4º ano elegia qual dos três grupos em que a sala foi dividida tinha as melhores propostas para a escola. A votação foi animada, mas não mais do que o coro que se formou quando passaram das questões locais para as nacionais. “Fora Dilma! Dilma ladrona! Fora Dilma!”, gritaram, sem dar muita atenção à professora, que pedia que sossegassem. Só uma garota, Arislane Mota, 11, disse ser a favor da presidente, por falta de provas e por causa do Minha Casa, Minha Vida.

As crianças estão seguindo os humores alterados dos adultos e também se polarizam.  No meio de improvisos e contações de história na aula de teatro, um aluno de 10 anos da Lua Nova, na Pituba, disparou, ao ouvir um colega falar sobre impeachment: “Dilma, sua vaca!”. Teve risadinha pelo xingamento, mas a professora Laili Flórez sabia que a turma não tinha ideia do que realmente estava sendo dito. “Mostrei que não era possível falar assim de mulher nenhuma. Não importava quem, tinha que ser respeitada”.

Naquela semana, Laili sentou para escrever, como se diz no Facebook, um textão sobre o assunto. Pesou o fato de que, além de professora, ela é mãe de Caio, 10, seu aluno nessa escola. Sua postagem questionava: “Temos que ter muito cuidado como estamos formando nossos filhos: queremos pessoas que destilam palavras de ódio e intolerância a quem pensa diferente?”. Ela mesma respondeu: “Não devemos deixar as crianças alienadas, mas o que a gente tem que ensinar é que há pontos de vista diferentes que devem ser respeitados”. O que não dá, na opinião da professora, é assistir a criança brigando por causa do que pensam seus pais. “Se está complicado para a gente entender, imagine para eles”.

Educação cidadã

A educadora Cleomar Manhas, responsável pelo projeto Crianças e Adolescentes no Parlamento, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), está certa de que política é coisa para criança. “Elas estão envolvidas com tudo o que está acontecendo e precisam opinar sobre as políticas públicas que as envolvem”.

Para Cleomar, a escola é um espaço privilegiado onde as crianças podem adquirir  informações de qualidade e “desapaixonadas” sobre o tema. “Há muitas manifestações equivocadas e interpretações parciais, que estimulam o ódio. A escola deve se contrapor a isso tratando desses temas de modo transversal, nas aulas de história, geografia e língua portuguesa, por exemplo. Tem de estar em acordo com a realidade, com o mundo dos vivos”, provoca.

Cleomar defende que essa postura seja mantida durante toda a educação das crianças, e não só em situações-limite, como a que estamos vivendo. “A escola precisa repensar seu papel, de fato. Precisa ter uma visão ampliada e trabalhar com uma educação pautada para os direitos humanos, a democracia e a cidadania”.

A educadora vai além e sugere que esse movimento se estenda aos pais, diminuindo as chances de possíveis saias-justas, já que muitas crianças acabam reproduzindo as opiniões que ouvem em casa. “A escola tem que ser um lugar democrático, acionando os espaços de participação, como conselhos e fóruns, com pais e mestres juntos, para mostrar às crianças que existem  limites éticos”.

Há também uma vertente que defende a instituição mais formal nas escolas da chamada “educação política”. Essa é uma das bandeiras do Movimento Voto Consciente, do qual Eduardo Seino, mestre em ciência política, faz parte. Ele acredita que essa aprendizagem poderia ajudar as pessoas a compreender melhor tudo isso que está acontecendo e a “cultivar determinados valores essenciais à democracia, como a tolerância, evidentemente em falta nos dias atuais”. E diz mais:  “Muitas vezes, por não entender o seu funcionamento, os cidadãos acabam se afastando da política e, seguindo a onda de notícias negativas apenas, criam uma relação de repulsa, pois tendem a associá-la somente à corrupção. É preciso quebrar esse raciocínio, mostrando que a política é muito mais do que isso e está no nosso dia a dia”.

Seino reconhece que há um certo receio com a adoção da “educação política”, volta e meia associada a doutrinação. Por isso, reitera que sua característica mais importante é ser suprapartidária.  “Como se começa qualquer aula de educação política? Dizendo em alto e bom tom que ali não é um espaço para defender nenhuma ideologia ou partido ou personalidade política”.

Categoria: Notícia
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