Por uma reforma tributária justa

01/01/1970, às 0:00 | Tempo estimado de leitura: 7 min
Por João Pedro Stedile, Demétrio Valentini, José Antônio Moroni e Emir Sader

Folha de São Paulo

Defendemos que o “corte de gastos públicos” incida sobre o superávit primário e o pagamento dos juros da dívida pública

AS CLASSES dominantes fizeram uma articulação e, por meio dos seus parlamentares no Senado, conseguiram derrubar a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). Logo depois, aprovaram a continuidade da DRU (Desvinculação de Receitas da União), que permite o desvio de 20% da receita da União. Com isso, recursos podem ser utilizados sem controle para o pagamento de juros, em vez de em investimentos sociais.
A questão fundamental é que a CPMF era um imposto que taxava principalmente os mais ricos -70% da sua arrecadação vinha de grandes empresas e bancos. Além disso, impedia sonegação, fraudes e desvios.
Com a derrota no Senado, o governo federal tomou a iniciativa de aumentar o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e retomou a cobrança do imposto sobre as remessas de lucros para o exterior.
Essas propostas foram acertadas e justas, atingindo sobretudo os bancos, o sistema financeiro e as empresas estrangeiras, apontando para o combate à desigualdade social e para o desenvolvimento nacional.
Mais uma vez, as forças conservadoras se movimentaram e, tendo à frente a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), fizeram uma campanha mentirosa contra as propostas do governo, com suporte da Globo, dos Democratas e do PSDB.
De um lado, mentem quando afirmam que os mais pobres serão afetados por esses impostos e, de outro, escondem que as taxas de juros exorbitantes cobradas pelo sistema financeiro são o maior custo das compras a prazo. Calam-se porque são beneficiados por esse instrumento.
Diante disso, organizações populares e sindicais, intelectuais e religiosos defendemos que o “corte de gastos públicos” exigido pelas classes dominantes incida sobre o superávit primário e o pagamento dos juros da dívida pública, que é a maior despesa do Orçamento da União nos últimos dez anos.
Trata-se de uma transferência de dinheiro do povo para bancos e especuladores. Em 2007, o governo federal gastou R$ 160,3 bilhões em juros, valor correspondente a 6,3% do PIB (Produto Interno Bruto), que representa quatro vezes o investimento nas áreas sociais.
Precisamos de uma verdadeira reforma tributária, que seja eficaz e progressiva, incidindo proporcionalmente à renda e à riqueza. Atualmente, 70% dos impostos são cobrados sobre o consumo e apenas 30% sobre o patrimônio. É preciso diminuir o peso sobre a população e aumentá-lo sobre a riqueza e a renda. Além disso, é fundamental a redução da taxa de juros básica usada como referência para o pagamento dos títulos da dívida pública com grupos financeiros.
Os bancos, por sua vez, deveriam baixar as escandalosas taxas de juros cobradas dos consumidores e das empresas, que inviabilizam o crédito para o crescimento do país.
Poderiam eliminar as taxas de serviços, que rendem por ano R$ 54 bilhões. Outra forma de aumentar a arrecadação sem prejudicar o povo com cortes no Orçamento é acabar com a Lei Kandir, que isenta do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) as exportações agrícolas e primárias, prejudicando inclusive as contas dos Estados.
Por fim, necessitamos de uma política permanente de distribuição de renda e, para isso, será necessário tomar medidas que taxem o patrimônio, a renda e os privilégios dos 10% mais ricos, que se apropriam de 75% da riqueza nacional.
Só dessa forma poderemos aumentar as oportunidades de emprego e renda e, sem reduzir a contratação ou os salários dos servidores, ampliar os serviços públicos de forma eficiente e gratuita para toda a população, especialmente em saúde, educação e seguridade social.
A sociedade brasileira não pode se calar diante das pressões dos setores conservadores e deve se manifestar, utilizando plebiscitos e consultas como exercício do direito constitucional de decisão do povo sobre assuntos tão importantes para a vida de todos e o futuro do país.


JOÃO PEDRO STEDILE, 52, economista, é integrante da direção nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). DOM DEMÉTRIO VALENTINI, 67, bispo de Jales (SP), é membro da Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, da CNBB. JOSÉ ANTÔNIO MORONI, 44, filósofo, é membro do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e diretor da Abong (Associação Brasileira de ONGs). EMIR SADER, 67, sociólogo e cientista político, é secretário-executivo da Clacso (Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais) e professor da Uerj.

Categoria: Artigo
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