Orçamento 2020: quais as previsões para o ano que chega?

19/12/2019, às 14:50 (atualizado em 07/01/2020, às 12:09) | Tempo estimado de leitura: 11 min
Por Livi Gerbase, assessora política do Inesc
Congresso autorizou aumento de despesas em algumas áreas, mas salário mínimo perde ganho real e educação tem R$ 20 bilhões a menos em relação a 2019
Foto: Jonas Pereira/ Agência Senado

O Congresso Nacional aprovou na última terça (17/12), a Lei Orçamentária Anual (LOA) 2020, que estabelece a previsão de receitas e a alocação de gastos do governo federal para o ano que vem. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) foi primeiramente entregue em agosto pelo Executivo para o Legislativo, que o aprovou após fazer alterações na forma de emendas. A lei agora vai para a sanção presidencial.

A LOA possui caráter autorizativo, isto é, nada garante que os recursos alocados serão de fato executados, porém, todo recurso gasto precisa ter o consentimento da lei. Baseado na análise do orçamento autorizado, de R$ 3,565 trilhões, faremos aqui seis previsões para 2020:

1. Será o fim da política de valorização do salário mínimo

O documento aprovado estima uma elevação de 2,32% do PIB para 2020, um pouco maior do que o esperado pelo mercado, de 2,25%.  Esse otimismo, porém, pode não se concretizar, considerando que na LOA do ano passado a previsão era de 2,50% e hoje se avalia que será em torno de 1%, ou seja, duas vezes e meia menor do que o alardeado pelo governo.

A previsão generosa com o PIB também não foi traduzida em aumento real do salário mínimo – que corresponde à renda de metade da população brasileira. Nos últimos 20 anos, o salário mínimo cresceu 250% em termos reais, devido principalmente às medidas legais que atrelaram o aumento do soldo ao crescimento do PIB, para além da inflação. A última lei de valorização do salário mínimo foi sancionada em 2011 , renovada em 2015 e expirada em 2019. Como não houve novas renovações por parte do Legislativo, o fim da obrigatoriedade significou o fim da política de aumento do salário real.

Dessa forma, o salário mínimo proposto na LOA 2020 é de R$ 1.031,00, uma correção de apenas 3,3%, que não resulta em ganho real.  Note-se, contudo, que o valor final será estipulado pelo Executivo no início de 2020*.

2. Saúde, habitação e turismo serão valorizados, mas a educação continuará sofrendo

O orçamento de R$ 3,565 trilhões aprovado apresenta adicional de R$ 7 bilhões comparado com o projeto de lei enviado em agosto pelo Executivo. Durante a votação no Congresso, o relator afirmou que os parlamentares conseguiram aumentar os recursos para áreas como saúde e educação.

Com efeito, a análise dos números revela que a saúde foi a área mais favorecida, pois o Ministério da Saúde teve recursos adicionais da ordem de R$ 5,1 bilhões. Os aumentos beneficiam principalmente os serviços de atenção básica e assistência hospitalar e ambulatorial. Houve ainda alocação complementar considerável no Ministério do Turismo, de 379%, com as verbas direcionadas, principalmente, para obras de infraestrutura. Por fim, o Fundo de Desenvolvimento Social, que financia o programa Minha Casa Minha Vida, viu seu orçamento crescer em R$ 188,5 bilhões.

O caso da educação, porém, é menos animador. O incremento autorizado pelo Congresso em relação ao encaminhado pelo Executivo foi de apenas R$ 700 milhões para uma área considerada estratégica para o país. Além disso, o aumento orçamentário concedido pelo Legislativo não compensa o elevado corte proposto pelo Executivo para o ano que vem, quando comparamos com os gastos autorizados para este ano. Em 2018, o orçamento aprovado pelo Legislativo foi de R$ 122,9 bilhões, quase R$ 20 bilhões a mais que o orçamento de R$ 102,9 bilhões que teremos para 2020.

3. Investimento do governo vai subir, mas as estatais continuarão em apuros

No caso de investimentos dos órgãos públicos, o orçamento de 2020 aprovado pelo Congresso autoriza gastos de R$ 40,5 bilhões, maior que os R$ 22,5 bilhões previstos no PLOA encaminhado em agosto pelo Executivo. Esse aumento é considerado positivo pelos economistas, pois os investimentos públicos são gastos governamentais que possuem grandes efeitos multiplicadores, impulsionando o investimento privado e o crescimento econômico.

O cenário para os investimentos das estatais, porém, vai na direção oposta, com o processo de sucateamento proposto pelo Executivo. Não houve alteração no orçamento para as empresas controladas pelo Estado, que tiveram os  cortes de 9,6% no orçamento do BNDES, 30,5% no orçamento dos Correios e 63% no orçamento da Infraero mantidos.

4. A PEC Emergencial tem grandes chances de ser aprovada no Congresso

Como vimos anteriormente, o Congresso autorizou aumento de despesas em algumas áreas do governo, como saúde e investimentos. A LOA ampliou as chamadas despesas discricionárias (sobre as quais o governo tem liberdade para decidir) em quase todos os ministérios. Para fechar as contas, os parlamentares elevaram as estimativas de receita ao mesmo tempo em que diminuíram outras despesas. No que tange às fontes de financiamento, aumentou-se a previsão de receitas da ordem de R$ 7 bilhões, relacionadas ao pagamento de dividendos à União.

Em relação às despesas, a diminuição dos gastos deve-se à aposta na aprovação da PEC Emergencial, um dos projetos de Emenda à Constituição recentemente enviada pelo Executivo ao Senado. A referida PEC prevê medidas para reduzir despesas obrigatórias, e sua aprovação, segundo o relatório da LOA, levará a uma economia de R$ 6 bilhões aos cofres públicos. Essa PEC propõe a redução da jornada de trabalho em até 25% para os servidores públicos, com diminuição proporcional das remunerações, nos anos em que a União descumprir a Regra de Ouro – que é o cenário projetado para o ano que vem. Dada a incorporação do impacto dessa PEC na redução dos gastos com pessoal da presente LOA, é possível concluir que a maioria dos deputados está disposta a votar a favor dessa proposta de Emenda Constitucional.

5. O Bolsa Família está assegurado, mas a previdência rural continuará dependente de nova aprovação do Legislativo

Na análise realizada pelo Inesc sobre o PLOA 2020, explicamos o que é crédito suplementar e a dinâmica política que ele envolve, basicamente uma escolha entre qual recurso está garantido na LOA e qual terá que ser aprovado pelo Congresso novamente em 2020. A LOA, votada pelo Congresso esta semana, prevê despesas no montante de R$ 343,6 bilhões que estão condicionadas à aprovação de crédito suplementar, uma redução quando comparado ao valor proposto pelo Executivo no PLOA.

No projeto encaminhado pelo governo Bolsonaro em agosto, cerca de um terço do programa Bolsa Família estava enquadrado como crédito suplementar. O Legislativo, porém, mudou essa realidade, ao garantir na LOA o orçamento para todo o programa. A Previdência Rural, porém, não teve a mesma sorte: enquanto apenas 8% dos benefícios previdenciários urbanos estarão condicionados, 45% dos benefícios previdenciários rurais vão requer a aprovação do Congresso.

6. Vale a pena lutar pelo orçamento, mas será necessário monitorar sua execução

O Plano Plurianual (PPA) 2020-2023, aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro, foi um grande retrocesso em termos de transparência do gasto governamental. Como a análise do Inesc apontou,  programas que detalhavam os gastos da União foram eliminados na proposta enviada pelo Executivo, principalmente nas áreas de direitos humanos e socioambiental.

Graças às ações de incidência da sociedade civil no Legislativo, foram introduzidos ao PPA 2020-2023 os programas “Prevenção e Controle do Desmatamento e dos Incêndios Florestais nos Biomas” e “Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas”. A partir desses programas, será possível acompanhar a execução orçamentária para essas duas importantes pautas nos próximos quatro anos. Serão alocados, em 2020, R$ 134,1 milhões e R$ 73,3 milhões para cada programa, respectivamente. Porém, em um cenário de desmantelamento dos órgãos públicos e de descaso do Executivo para a agenda socioambiental, a chance dos recursos previstos não serem gastos é muito grande.

Ainda que a LOA aprovada esta semana tenha autorizado aumento de despesas em áreas essenciais, como a da saúde, a execução dos gastos não está garantida. Além disso, a Lei não corrigiu problemas de fundo, relacionadas à desigualdade social brasileira e à falta de vontade do governo em priorizar no orçamento pautas importantes para a garantia de direitos humanos, como mostramos em análises anteriores. Cabe a nós, sociedade civil, monitorar e pressionar para que 2020 não seja tão desastroso quanto o ano que está acabando.

*Atualização: o presidente Jair Bolsonaro sancionou em 31/12/2019 o salário mínimo no valor de R$ 1.039, um pouco maior do que o previsto na LOA. Ainda sim, o reajuste não representa ganho real em relação ao soldo anterior, que era de R$ 998.

Categoria: Artigo
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