O que as propostas das candidaturas à presidência dizem sobre o financiamento do SUS

21/09/2018, às 16:35 (atualizado em 16/03/2019, às 22:53) | Tempo estimado de leitura: 10 min
Em tese, a saúde é priorizada por todas as candidaturas. Na prática, só há previsão de elevação do financiamento do SUS em três programas dos treze analisados.

Por Matheus Magalhães, assessor político do Inesc

A Lei nº 8.080/90, que regulamenta o Sistema Único de Saúde (SUS), completou 28 anos de vigência no último dia 19. Em contexto de período eleitoral, pesquisa realizada pelo Ibope a uma semana do início das campanhas constatou que a saúde foi o “problema” mais citado em todos os estados da federação. As menções variaram entre 69% (Alagoas) e 89% (Rio Grande do Norte), e superam as demais questões em todos os estados, mesmo considerando o limite da margem de erro.

A questão torna-se ainda mais sensível se considerarmos a redução da participação da União no financiamento do SUS, de 72% em 1993 para 42% em 2017. Em tese, esses resultados deveriam conferir prioridade à saúde pública em todas as campanhas para o Executivo.

Considerando que a priorização real da saúde pública, da qual dependem 69,7% da população brasileira, só é possível com enfrentamento ao seu subfinanciamento, buscamos avaliar como os programas de governo das candidaturas à Presidência da República tratam o tema do financiamento da saúde.

Com raras exceções, é comum aos programas de governo a afirmação de que a saúde é uma das prioridades, e que a política precisa ser aperfeiçoada, e até mesmo ampliada. Porém, as propostas balizam as divergências entre candidaturas para o financiamento da saúde, indicando quais são, de fato, suas intencionalidades e prioridades. E sem uma real elevação do financiamento da saúde, as possibilidades de ampliação do acesso aos serviços e qualificação do atendimento são restritas, e a efetivação da universalidade do sistema se torna inviável.Para além das propostas apresentadas para o financiamento da saúde, urge a necessidade de revogação do Teto de Gastos, que frustra as possibilidades de efetivação de direitos por meio de uma austeridade seletiva, privilegiando as despesas financeiras – sobre as quais não incide limitação.

Os programas que ignoram esse fator se comprometem inevitavelmente a uma política de restrição fiscal que amplia as desigualdades de acesso e põe em risco as condições de saúde da maior parcela da população brasileira.

Os Programas e suas propostas para o financiamento da saúde

As candidaturas que propõe aumento dos investimento em saúde e explicitam de forma mais nítida a proposta para esse financiamento são as de Guilherme Boulos, Fernando Haddad e João Goulart Filho.

Cabo Daciolo, Ciro Gomes, Henrique Meirelles e Vera Lúcia falam em aumentar os gastos com saúde, mas sem estipular metas ou valores.

Os programas apresentados pelas candidaturas de Jair Bolsonaro, João Amoêdo e Álvaro Dias não pretendem  recursos para a política de saúde.

Eymael, Geraldo Alckmin e Marina Silva não se pronunciam concretamente a respeito do financiamento da saúde. No caso de Marina, o plano chega a constatar que a participação federal no financiamento do SUS caiu de 60% para 45% desde 2003, porém, em momento algum afirma, direta ou indiretamente, se pretende alterar esse quadro.

Por fim, destacamos que as candidaturas de Ciro Gomes, Guilherme Boulos, Fernando Haddad e João Goulart Filho são as únicas a afirmarem a intenção de revogar a Emenda Constitucional 95 – que congelou os gastos sociais por 20 anos no país, mesmo que a economia cresça e a arrecadação seja elevada.

Do ponto de vista metodológico, a dimensão com que cada programa é abordado neste texto é condicionada à quantidade de propostas que apresenta para o financiamento da saúde. Em determinados momentos utilizamos a fonte em itálico para sinalizar expressões utilizadas na escrita original dos programas.

Candidaturas que defendem elevação do financiamento do SUS

O programa de Guilherme Boulos defende elevação do aporte federal na saúde de 1,7% do PIB (dado corroborado pela Conta Satélite de Saúde – IBGE) para 3% do PIB; reverter progressivamente a renúncia tributária com planos de saúde, começando por grandes empresas e pessoas de renda muito elevada; o pleno e imediato ressarcimento dos valores devidos pelos planos de saúde ao SUS; além de propor o fim da Desregulamentação das Receitas da União (DRU),[1] e das desonerações que incidem sobre recursos seguridade social.

A candidatura de Fernando Haddad coloca como meta o aporte de 6% do PIB para a política, considerando todas as esferas de governo (atualmente são 3,9%). O programa defende o retorno do Fundo Social do Pré-Sal (que transferia os ganhos com royalties do petróleo para saúde e educação, mas foi modificado para transferir somente 50%), além da utilização de novas regras fiscais, e realização de uma reforma tributária como formas de promover essa elevação. Afirma ainda que pretende utilizar a política tributária como forma de promoção da saúde, atuando sobre preços de tabaco, sal, gorduras, açucares e agrotóxicos.

João Goulart Filho estipula como meta 15% da Receita Corrente Bruta para a saúde (atualmente são 15% da receita corrente líquida, limitados pelo Teto de Gastos), o que dobraria o orçamento da saúde. Propõe também o fim da DRU, e a elevação de 12% para 15% do aporte das receitas de impostos estaduais para a saúde – assim como já ocorre no nível municipal.

Cabo Daciolo propõe fortalecer o financiamento do SUS com elevação da participação federal nas despesas. Por seu turno, Ciro Gomes defende a preservação dos investimentos em saúde ao argumentar a substituição da EC 95 por outro mecanismo de controle da evolução das despesas globais do governo, enquanto Henrique Meirelles diz que pretende aumento dos investimentos em promoção da saúde, também com maior participação federal. Vera Lúcia argumenta que é necessário investir de forma maciça em saúde e reverter o valor destinado ao pagamento da dívida com banqueiros.

Candidaturas que não preveem aumento para o financiamento do SUS

O plano de Jair Bolsonaro argumenta que os atuais gastos são compatíveis com os da OCDE. Para tanto, utiliza dados dos gastos totais com saúde (públicos e privados), desconsiderando que a participação dos gastos públicos naqueles países é 70% maior que no Brasil (se aqui são 42,4%, lá são 71,8% do total). Em seguida diz que os gastos do setor público são compatíveis com um nível de bem estar superior, e que é possível fazer mais com os atuais recursos, o que indica um alinhamento com a atual política fiscal do Teto de Gastos – que se evidencia com seu compromisso com o orçamento base zero.[2]

João Amoêdo restringe-se a dizer que gasta-se muito, mas gasta-se mal, e assim como praticamente todos os demais, defende a elevação da eficiência dos gastos. Permite-nos, portanto, inferir que pretende reduzir o orçamento da saúde.

Por fim, Álvaro Dias traz a proposta mais diferente: financiar a saúde e educação mediante capitalização previdenciária compartilhada, em contraposição ao modelo atual, com recursos estatais. O que significaria, na prática, a restrição do direito de acesso a essas políticas àqueles que puderem pagar previamente uma contribuição (capitalização).


[1] A saúde integra a seguridade social, junto com as políticas de assistência social e previdência. A seguridade tem fontes de financiamento definidas na Constituição, enquanto a DRU é o mecanismo que permite aos gestores desvincular até 30% dos recursos da seguridade paga uso com outros fins. Por meio dela, de 2005 a 2016 foram retirados em média R$ 52,4 bilhões por ano dessas políticas.

[2] Segundo o qual em hipótese alguma as despesas podem ser maiores que as receitas, desconsiderando os outros instrumentos de financiamento e gestão de recursos que o Estado dispõe para efetivar direitos – como rever renúncias tributárias, reduzir juros, diminuir gastos com política cambial, e adotar políticas monetárias menos restritivas e com ampliação do crédito.

Categoria: Notícia
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