Novo PPA do governo Dilma: avanços e desafios do processo de participação social

06/08/2015, às 10:50 | Tempo estimado de leitura: 9 min
Artigo de Carmela Zigoni, assessora política do Inesc.

Nos dias 27, 28 e 29 de julho, o governo realizou mais um Fórum Interconselhos para discussão do novo Plano Plurianual (PPA) 2016-2019. Além de conselheiros nacionais e de diversos Estados, o evento “Dialoga Brasil PPA” contou com a participação de organizações e movimentos interessados em monitoramento de políticas públicas e do ciclo orçamentário para o próximo período.

O primeiro avanço do processo de consultas é, sem dúvida, a realização de escutas regionais e temáticas: foram realizadas reuniões com conselhos e movimentos sociais nas cinco regiões do país e também sobre temas específicos como políticas para as mulheres e juventude, nas quais participaram 1089 entidades e 4 mil pessoas, além da participação digital. Também foram realizadas conversas com sindicatos de trabalhadores e empresários. No Dialoga Brasil PPA, o Governo apresentou a devolutiva para a sociedade, respondendo às mais de mil demandas apresentadas nos últimos meses, uma iniciativa muito positiva, que contou com um detalhado documento de pouco mais de 200 páginas. Porém, a devolutiva pecou pelo pouco tempo para avaliação pelos representantes da sociedade civil (uma manhã), além de conter lacunas com relação a Metas importantes a serem monitoradas nos próximos anos.

O discurso do Governo é de que devemos estar atentos aos Objetivos do PPA, mas na prática, nos deparamos com muitas metas não mensuráveis, o que irá dificultar a realização do acompanhamento, e isso poderá afetar inclusive as áreas de monitoramento da própria gestão pública (a não ser que estejam dispostos a gastar vultosos recursos em pesquisas de impacto para medir alcance dos objetivos). Existem, sim, metas quantitativas previstas, mas no âmbito do tema “Direitos”, por exemplo, que contempla os Programas de promoção da igualdade racial, políticas para as mulheres, juventude, pessoas com deficiência, direitos humanos e povos indígenas, diversas Ações não contém, ainda, metas previstas. Quando as metas estão presentes, exceto por algumas exceções, são “metas qualitativas”, ou seja, imensuráveis (“apoio”, “fomento”, “estímulo”, “ampliar diálogo”), e, portanto complexas para definição de recursos orçamentários e difíceis de monitorar. Exemplificando, a Ação “Fortalecimento do Plano de Políticas para as Mulheres” não possui meta, apenas objetivos; outro exemplo é a Ação “Garantir a efetivação do Estatuto da Igualdade Racial”, que possui oito objetivos, e nenhuma iniciativa ou meta até agora.

Para deixar claro o que estamos tentando pontuar, um exemplo de meta mensurável presente no documento da devolutiva é 04BO “Construir e implementar a Casa da Mulher Brasileira em todas as capitais estatuais e no Distrito Federal”: ponto para o PPA, e nesse caso, é preciso então que estejamos atentíssimas ao recurso orçamentário que será destinado para alcançá-la, já que é bastante concreta. O desafio é, portanto, saber onde estará o recurso para a realização das iniciativas e alcance das metas, o que só poderá ver visto na Lei Orgânica Anual (LOA) de 2016. É preciso aguardar, então, a última versão do documento que será entregue ao Congresso Nacional em 31 de agosto para então avaliar o real comprometimento em termos de “entregas” do Governo para os próximos 4 anos –, mas já tendo em mente que itens importantes do PPA não fizeram parte do debate com a sociedade realizado até agora.

Outro aspecto que incomodou a sociedade civil presente no evento é o debate restrito sobre o planejamento governamental: “Queremos discutir o modelo de desenvolvimento”, afirmavam as organizações do campo, indígenas e quilombolas. Neste sentido, em recente Nota Técnica, o Inesc alertou para o problema dessa “cultura de consultas”, em que a sociedade não delibera – ou seja, não decide –, nem pode palpitar sobre temas que ultrapassem políticas sociais, como a política externa, econômica, energética, e as próprias contradições de políticas públicas contrastantes que impactam os territórios (a exemplo da política de agricultura familiar que conta com muito menos recursos do que o previsto para o agronegócio). A “sensação de participação” ressaltada por Rafael Georges da Cruz na citada NT, em lugar de uma participação de fato, pôde ser novamente observada na medida em que o Dialoga Brasil PPA propôs um dia para debate sobre o desenho da participação social no monitoramento do novo PPA, mas não preparou os participantes previamente para adensar o debate. Após uma apresentação técnica no período da manhã do dia 30 de julho, em que os gestores dissertaram sobre estrutura do ciclo orçamentário e apresentaram as plataformas digitais do governo para acesso livre dos dados orçamentários, como o SIOP etc, os conselheiros tiveram apenas uma tarde para apontar, a partir de trabalho em grupos, quais seriam as “agendas prioritárias” de monitoramento e ainda discuti-las em Plenária.

Podemos citar ainda um aspecto positivo deste processo que seria a apresentação de uma nova agenda de participação que inicia em agosto desse ano e vai até julho de 2016, com previsão de novos fóruns, devolutivas regionais, e atividades para os gestores, como a criação de metodologia para participação social na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA). Esperamos então que o desenho e a metodologia do conjunto dessas atividades de participação sejam rediscutidos internamente ao Governo, uma vez que há diferentes acúmulos e conhecimentos por parte dos conselheiros, e ainda a necessidade de respeitar a diversidade cultural dos sujeitos de direitos em debates públicos importantes como estes. É preciso, portanto, construir ferramentas para tornar o diálogo menos assimétrico, e isso inclui repensar as apresentações burocráticas e investir em formatos amigáveis para interação digital. Importante ressaltar que uma das propostas da sociedade civil no Dialoga Brasil PPA foi a institucionalização do Fórum Interconselhos – o Inesc avalia essa proposta como fundamental para obrigar o Estado a promover a participação social no ciclo das políticas públicas.

Seguem ainda questões em aberto que devem ser olhadas pela sociedade com atenção, como a desconexão temporal entre o planejamento do PPA e as resoluções por vir das 14 Conferências Nacionais previstas para acontecer até 2016 e o impacto do ajuste fiscal no orçamento das políticas públicas. O Inesc avaliou recentemente estes cortes para o ano de 2015, considerando especialmente áreas promotoras de direitos humanos, educação, igualdade racial e promoção dos direitos dos povos e comunidades tradicionais. Por outro lado, o Governo está demorando em se posicionar quanto a questões relevantes como a reforma tributária: sem colocar a evasão e elisão fiscal na agenda e sem discutir justiça fiscal, pouco avançará na composição orçamentária voltada para a diminuição das desigualdades. E este também é um tema a ser amplamente debatido com a sociedade por meio de políticas de participação social.

Categoria: Artigo
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