A quem atende o documento final da Rio+20?

27/06/2012, às 14:24 | Tempo estimado de leitura: 20 min
O documento ignora a justiça social, os direitos humanos e a justiça ambiental, optando pelo crescimento e expansão do modelo econômico existente, tornando-o “verde” e transformando todos os serviços dos ecossistemas em commodities e produtos de mercado

Por Iara Pietricovsky*

Nós da sociedade civil organizada acompanhamos, desde o ano passado, todo o processo de elaboração do documento final da Rio+20 (o Rascunho Zero). Intitulado “O Futuro que Queremos”, o texto foi apresentado oficialmente na manhã de hoje, 19, e aprovado por 193 países. O documento ignora a justiça social, os direitos humanos e a justiça ambiental, optando pelo crescimento e expansão do modelo econômico existente, tornando-o “verde” e transformando todos os serviços dos ecossistemas em commodities e produtos de mercado. A afirmação do marco dos direitos humanos é fundamental porque gera obrigação dos Estados para sua realização e deveriam ser estes, por meio de seus governos eleitos democraticamente, os realizadores e implementadores dos mesmos.

Mas, observem bem, para os mais atentos ao documento, existe todo uma afirmação dos direitos, mas construídas de uma maneira em que a linguagem da obrigação de realização, por parte dos Estados, seja aliviada. Isto é, desconstrói-se a ideia da obrigação pela ideia  da simples referência e, ao mesmo tempo, abre-se caminho para a entrada do setor privado na decisão e realização das obras e atividades que originalmente seriam obrigação do Estado. É onde a idéia da economia verde se conecta com as Metas de Desenvolvimento Sustentável, pois a maneira em que estão sendo construídas valerão apenas para os países pobres ou em desenvolvimento e não envolvem os países ricos.

Mercantilização e financeirização dos bens comuns e privatização das instâncias públicas é a lógica que vem organizando todos os debates oficiais da Rio+20. Acredito ser fundamental estarmos atentos porque rapidamente está se promovendo uma mudança lenta e efetiva contra os parâmetros de direitos humanos e de dignidade humana e ambiental que, a duras penas, se construiu nas últimas décadas.

A crise de modelo é tão forte que a luta por sobrevivência está se dando por meio da constituição de novos espaços da governança global como é o caso do G20, de redesenho institucional, acento na captação de financiamento no setor privado (o setor privado como parceiro fundamental por meio das Parcerias Público Privadas – PPPs) e com mais desregulamentação dos mercados financeiros. Os direitos humanos atrapalham, neste sentido, a realização e reprodução de um sistema em crise.

As negociações do pilar econômico estão se dando no âmbito do G20, entre outros arranjos entre países ricos e em desenvolvimento (BRICS, IBAS, BASIC), enquanto na Rio+20 se dão os debates no âmbito ambiental e o social escondido e restrito á idéia de economia verde, inclusiva e de combate a pobreza. Como se o mundo, da maneira em que se encontra hoje se resolvesse apenas com o combate à pobreza. O G20 não é legítimo para lidar com as necessidades da humanidade e da natureza, muito menos para deliberar em nome dos povos e nações que estão ausentes. O fato de se constituir, como a maioria da população, dos produtores de alimentos e detentores de poder econômico não lhe faculta o direito de decidir em nome dos outros. Democracia incluí minorias à  igualdade. Sem falar na inversão de poder econômico que existe hoje entre os países chamados desenvolvidos e em desenvolvimento quando comparadas suas economias.

É esse o futuro que queremos? A resposta tenderá ser por meio de mais lutas políticas e uma mobilização geral e irrestrita contra a submissão dos Estados e dos povos ao mundo da lógica do capital e dos interesses privados como condutores de nossas vidas. Processos como o levante do norte da África, Indignados na Espanha, estudantes no Chile, entre outros são expressão da insatisfação da grande maioria impactada. É neste sentido que a organização civil global se junta. Queremos reorganizar nosso campo de luta para disputar sentidos e realizar o contra-ponto, a contra-hegemonia necessária à afirmação daquilo que acreditamos que deva ser o norte da humanidade: processos diversos, democráticos e de afirmação dos direitos humanos de forma radical e inegociável.

*Antropóloga, membro do colegiado de gestão do Inesc e do Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira para a Rio+20

Categoria: Artigo
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