Ajuste fiscal tem que ser no topo da pirâmide, não na base, diz economista sobre PEC 241

17/10/2016, às 17:15 | Tempo estimado de leitura: 8 min
"Ele [Temer] coloca a situação em que ou faz assim, a PEC 241, ou o país quebra, ou é o desastre, ou é o caos. E a gente sabe que não é nada disso", diz presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon).

O economista Júlio Miragaya, presidente do Conselho Federal de Economia (Confecon), é taxativo: a PEC 241, que propõe um teto para os gastos públicos para os próximos 20 anos, não é nem de longe a melhor opção para equilibrar as contas do país. Para ele, o governo Temer está apertando o cinto apenas da classe média e dos mais pobres, deixando intocada a turma do topo da pirâmide. “Ele tem que mexer é nessa renúncia fiscal, nos gastos com juros da dívida pública”, afirma Miragaya em entrevista ao site The Intercept Brasil.

A afirmação de que a PEC 241 é a melhor solução, senão a única, como vem colocando Temer e seus ministros, não bate com a realidade, afirma Júlio Miragaya. “Esse é um raciocínio um pouco preso às amarras do mercado financeiro”, afirma o economista, lembrando que “85% da dívida pública é apropriado por 0,3% dos investidores, três milésimos. Isso aí é transferência direta para a turma do topo da pirâmide. Então é aí que ele tem que mexer, não é lá embaixo”.

O país pode voltar a crescer? Pode! Mas vai voltar a crescer concentrando renda, promovendo a exclusão social. Tem espaço para crescer, só que vai concentrar num modelo que já foi experimentado e que não foi nada bom.”

Além disso, como bem explicou nossa assessora política Grazielle David, o foco tem sido exclusivamente nas despesas, não nas receitas, “para tentar justificar uma ideologia de Estado mínimo, dizendo que o Estado ‘é inchado e ineficiente, que gasta demais’.

“Se houvesse justiça fiscal no Brasil, e se esses valores estivessem compondo o orçamento da União, sem aumentar a carga tributária, não estaríamos falando em déficit, não estaríamos tendo que ouvir as propostas de medidas absurdas, ditas emergenciais, mas que na verdade são de longo prazo, e não servem para lidar com uma crise fiscal, mas sim para mudar toda a lógica de Estado inscrita na Constituição Federal, como é o caso da PEC 241.”

Confira alguns trechos da entrevista do The Intercept Brasil com o economista Júlio Miragaya:

TIB: Alguns países possuem imposto de renda progressivo, cobrando mais dos mais ricos. Seria uma opção viável?

JM: Tem uma pesquisa do IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] que fala do problema no imposto de renda do Brasil: o pequeno número dealíquotas que a gente tem. Nós trabalhamos com três alíquotas, enquanto em outros países a média é de cinco até sete. Se você começa com uma alíquota pequena, não precisa começar já com 15%. Começa com alíquotas de 7 a 8%, etem países que vão com alíquotas de até 50% ou, às vezes, mais, chegam a 55%.

E tem de aumentar o número de faixas [salariais]. Para que as faixas menores não sejam tão baixas, porque o cara mal ganha dois salários mínimos e já está pagando imposto de renda, o que é um absurdo. É abaixo do salário mínimo Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos], que está em R$ 3 mil. E fecha em R$4,8 mil, que é também um absurdo.

Um cara com um salário de R$ 5 mil e outro cara com o salário de R$ 200 mil pagam os mesmos 27,5%. Isso não tem o menor cabimento. Você tem que estender essas faixas, botar uma faixa de 15% para esse camarada com R$ 5 mil e ir aumentando, 20 a 25%. E esse cara com R$ 200 mil paga 40 a 45%.

Não vou nem falar 50 a 55% como tem na Dinamarca, porque aí tem uma revolução aqui no Brasil por conta dessa turma. Mas que evidentemente teria que ter uma diferenciação… não pode parar em R$ 4800.

Então, nessa pesquisa o Sérgio Gobetti mostra isso. A própria tabela do imposto de renda deveria ser profundamente modificada, para que efetivamente pudesse cobrar mais para quem tem condições de pagar.

TIB: E a gente não tem imposto sobre lucros e dividendos no Brasil…

JM: Não tem. Somos um dos dois poucos países do mundo que isentam integralmente. Tem alguns que tributam pouco, mas no Brasil é integral, é isenção total. Só o Brasil e a Estônia fazem isso. O IPEA tem um estudo sobre isso, que mostra que, com uma alíquota sobre lucros e dividendos, o Estado arrecadaria R$43 bilhões. Significa que tem um total de aproximadamente R$ 350 bilhões por ano que são lucros e dividendos auferidos no país e que não são tributados, vai direto para o bolso dessas pessoas.

TIB: Existem também outros impostos para as classes mais ricas que nós não temos e que são adotados em larga escala internacionalmente, não?

JM: A tributação sobre herança, que é pífia no Brasil. Varia de 4 a 8% e, em alguns países, chega a 30%. Imposto territorial rural que é tão pequeno, mas tão pequeno, que a União falou assim: “Oh, fica com os municípios, que é tão mixaria…” Não se tributa efetivamente a renda do capital pessoa física. Então, por que o governo não coloca em questão isso?

Vamos fazer uma reforma no modelo tributário. Não uma reforma tributária, mexer no ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços], nisso, naquilo… Pode fazer, também, os ajustes que têm de ser feitos, mas o ideal é o modelo tributário. É um modelo que não tributa aqueles que deveriam pagar mais.

Então, ele [Temer] coloca a situação em que ou faz assim, a PEC 241, ou o país quebra, ou é o desastre, ou é o caos. E a gente sabe que não é nada disso.

Leia aqui a íntegra da entrevista.

Categoria: Notícia
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