Construindo saídas de emergência: formação e educação popular para assegurar direitos

15/12/2017, às 15:35 (atualizado em 28/06/2023, às 15:10) | Tempo estimado de leitura: 6 min
Por Cleo Manhas e Leila Saraiva, assessoras políticas do Ines
o que esperamos dessa aposta nas formações a partir da metodologia “Orçamento e Direitos” é uma maior incidência no ciclo das políticas públicas e a afirmação da atuação em rede para fortalecer as lutas

Que o cenário brasileiro não anda bem para os direitos humanos, infelizmente, não é mais novidade. O avanço das políticas neoliberais, calcadas em restrições de direitos e manutenção de privilégios dos setores mais ricos, só não nos desespera mais do que a nossa dificuldade em resistir a esses inúmeros ataques. Diante dessa conjuntura aterradora, as leituras melancólicas se multiplicam, muitas vezes nos deixando ainda mais paralisadas e, portanto, com mais dificuldade de organizar a mobilização necessária.

Para quebrar este ciclo vicioso, faz-se necessário ir à direção contrária. Diante do esgarçamento institucional que vivemos e dos constantes retrocessos, o que nós – os que apostamos na realização progressiva dos direitos humanos – precisamos fazer é investir em alternativas fundamentadas no poder popular. No lugar do desespero, o fortalecimento de laços comunitários; em vez da retaguarda, a aposta na política de base e nos movimentos sociais como forças propulsoras. Para construir essas que podemos chamar de “saídas de emergência”, as possibilidades são diversas.

Optamos, como Inesc, por investir nos processos transformadores da educação popular como uma das nossas prioridades. Há alguns anos, construímos a metodologia “Orçamento e Direitos” com o objetivo de oferecer formação aos diversos públicos, de crianças a adultos, com base nos Direitos Humanos e a partir do trabalho de acompanhamento do orçamento público, que já desenvolvíamos. Para tal, nos referenciamos no PIDESC (Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais), adotado na XXI Assembleia da ONU, em 1966, e ratificado pelo Brasil, em sua legislação, em 1992.

De acordo com o Pacto, os Estados nacionais devem se comprometer a utilizar o máximo de recursos disponíveis para a garantia dos direitos e combater as descriminações estruturais, como as de raça e gênero. A esses pilares, acrescentamos ainda o assegurar da justiça fiscal, a realização progressiva de direitos e a participação popular. Em conjunto com parceiros e movimentos sociais, discutimos cada uma dessas proposições, de modo a analisarmos as políticas públicas e seus respectivos orçamentos. Foi desse diálogo que nasceu nossa metodologia de análise, que esse ano passou por uma cuidadosa reformulação, pautando os processos formativos por nós oferecidos.

Nosso principal objetivo com essa nossa metodologia é apresentar uma ferramentas que possibilite enxergar por outras lentes o que os diversos governos estão propondo (ou não) como políticas para viabilizar direitos.  Ao nos debruçarmos sobre os elementos dessas políticas a partir desse olhar, também construímos o entendimento de que temos de participar da formulação das políticas e apresentar o que julgamos necessário para garantir o bem-viver a todas as pessoas, com especial atenção aos grupos marginalizados, que sofrem inúmeras violações de direitos por parte do próprio Estado.

Seguindo as premissas da educação popular, acreditamos que para assegurar direitos precisamos de formação libertadora, calcada na autonomia das sujeitas e sujeitos de direitos. Desta forma, partimos dos conhecimentos prévios dos sujeitos, emergidos de seus cotidianos, que alimentam os processos formativos, como temas geradores.  Além disso,  a forma como pensamos os processos formadores deve em si mesmo servir como estratégia para o incentivo à participação popular.

Em consonância com essas reflexões e com a atual necessidade de construir as saídas de emergências, ao longo de 2017 realizamos formações com diversos públicos, em todas as regiões do país. Além de crianças e adolescentes de escolas públicas e sistema socioeducativo, com os quais já trabalhamos há algum tempo, houve oficinas com as redes de bibliotecas comunitárias, com agricultores familiares organizados na Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), com povos indígenas ligados à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e com movimentos por direito à cidade, vinculados à Rede Cidades. Dialogamos sobre políticas de cultura, educação, saúde indígena, agricultura familiar, mobilidade urbana. Esses processos fortaleceram movimentos e reforçaram os laços das redes, possibilitando que, juntos, conseguíssemos problematizar conteúdos antes tidos como de difícil acesso.

As avaliações que até agora tivemos das oficinas realizadas nos trouxeram alguns depoimentos importantes sobre o caminho escolhido. “A forma de compartilhamento favorece o fortalecimento de vínculos”; “ter oportunidade de partilhar ideias e mostrar que temos objetivos em comum”; “incentivo à participação”, “método de integração” e “abordagem complexa e interativa, garantindo aprendizagens de conteúdos áridos”, são alguns dos retornos recebidos.

Para além da nossa satisfação com o que temos escutado, sabemos que os frutos a serem colhidos desses diversos processos são de médio e longo prazo. O que esperamos dessa aposta nas formações a partir da metodologia “Orçamento e Direitos” é uma maior incidência no ciclo das políticas públicas e a afirmação da atuação em rede para fortalecer as lutas. Colaborar para uma participação popular consolidada e consistente, que abra caminhos e trincheiras para barrar os retrocessos, criando possibilidades de transformação: essa tem sido uma das nossas tentativas de contribuição para sairmos desse cenário melancólico em que nos encontramos.

Categoria: Artigo
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