Nota de Repúdio ao Programa de Revitalização da Indústria Mineral

28/07/2017, às 15:50 | Tempo estimado de leitura: 25 min
Mais de 70 organizações e movimentos sociais brasileiros, 17 organizações internacionais e mais de uma dezena de pesquisadores assinam a nota.

O lançamento do Programa de Revitalização da Indústria Mineral através de Medidas Provisórias é a marca antidemocrática das ações do Governo Temer. Mudar o Código da Mineração no momento de turbulência política pela qual passa o país, tratando a mineração apenas sob a ótica fiscal e administrativa, deixa claro que esta manobra faz parte do pacote de ações de desmonte da democracia e que é uma clara tentativa de buscar convencer parlamentares da bancada mineradora a votar contra o prosseguimento da denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) por corrupção passiva.

Tratar a mineração como se fosse apenas um setor comercial capaz de aumentar a participação no PIB, que segundo anúncio subiria de 4 para 6%, aumenta ainda mais a fragilidade de fiscalização do Estado e coloca ainda mais em risco as populações ao redor das minas, as comunidades no entorno de sua logística e o meio ambiente.

A expansão da mineração no Brasil nos últimos 15 anos tem trazido impactos significativos para as comunidades e o meio ambiente. De várias partes de nosso território ressoam denúncias de injustiças socioambientais provocadas pela mineração e sua cadeia produtiva, de transformação, escoamento e exportação. Ao mesmo tempo, os bens minerais brasileiros se esvaem por nossos portos, em uma verdadeira sangria, rumo ao exterior, reforçando o papel primário-exportador de nossa economia.

A política de expansão da extração mineral, da qual a reformulação do novo Código Mineral é um dos elementos centrais, ganhou força desde 2013, com o envio ao Congresso Nacional do Projeto de Lei 5807/2013. As organizações membros do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração travaram uma luta pela garantia de direitos das populações atingidas, dos trabalhadores e contra os impactos ambientais provocados pelo modelo mineral brasileiro e impediram a votação texto do Novo Código em dezembro de 2015. Fez parte da ação do Comitê a denúncia à imprensa que o texto do Código havia sido escrito por advogados do escritório Pinheiro Neto, que representa diversas mineradoras como a Vale S.A e a BHP Billiton e que privilegiava exclusivamente o mercado.

Leia também: Ambientalistas pedem mais clareza em mudanças no Código da Mineração

No anúncio do presidente realizado no dia 25 de julho do presente ano foram esquecidas as populações ao redor das minas, as impactadas pela logística de transporte, as comunidades, os povos tradicionais impactados e o meio ambiente. Que sequer foram citadas nos textos das MPs. Infelizmente, essas enormes cifras e cifrões escondem o rastro de destruição que a expansão da mineração vem deixando nos territórios. Essa política gerou desastres como o ocorrido em novembro de 2015 no distrito de Bento Rodrigues, Mariana (MG), onde 20 pessoas perderam suas vidas e mais de 600 suas casas. Até hoje os atingidos por este desastre, que incluem mais de 20 mil pessoas na Bacia do Doce, não foram indenizados pelas empresas e o Governo Federal não tomou nenhuma providência pela garantia dos seus direitos no anúncio do novo Programa. Pelo contrário. O texto na MP deixa claro que os danos ambientais e sociais provocados pela mineração, assim como o fechamento das minas é de responsabilidade exclusiva das empresas mineradoras. Mas como criar mecanismos para que a fiscalização a essas empresas seja feita de forma efetiva?

Ao transformar o DNPM em Agência Reguladora, a Agência Nacional da Mineração, sem um longo processo de concursos públicos para a ingressão de funcionários qualificados, o governo deixa claro que pouco investimento será destinado à fiscalização. O DNPM é hoje um órgão sucateado. No Estado de Minas Gerais são apenas 4 fiscais para cuidar da fiscalização de mais de 700 barragens. Criar a Agência sem a garantia de um aumento significativo do corpo de servidores que farão a fiscalização dos empreendimentos não garante um maior controle sobre do Estado sobre o setor da mineração.

Se a questão é fiscal e é necessário aumentar a arrecadação, porque o Governo não revê as leis que isentam a exportação de minérios do pagamento de ICMS, Lei Kandir, ou a Lei de isenção de Imposto de Renda para as empresas que atuam na Amazônia, entre elas todas as grandes mineradoras?

As MPs 789, 790 e 791 anunciadas de forma antidemocrática pelo governo aprofundam uma lógica de expansão mineral segundo a qual os ganhos ficam concentrados nas mãos das empresas e os danos são distribuídos aos que vivem nos territórios decorrentes dos impactos ambientais significativos e irreversíveis sobre as águas, o ar, o solo, os ecossistemas, patrimônios arqueológicos, paleontológicos, culturais e simbólicos.

O aumento da Cfem por meio de mudanças na fórmula de cálculo (que passa a ser sobre o faturamento bruto e não mais o líquido) e as novas alíquotas não alterará substancialmente a condição do país de paraíso fiscal para as grandes mineradoras, todas transnacionais. Além disso, não resolverá o grave problema fiscal que hoje enfrentam os estados e a União e não reverterá o crônico desmonte do Estado e das políticas públicas. E a destinação dos recursos da Cfem não é clara em investimentos que realmente sejam de grande valia à população dos municípios dependentes da mineração. Principalmente no tocante à área da saúde, pois nestas localidades o aumento de doenças pulmonares, doenças de pele e os mais diversos tipos de cânceres é significativo. É uma irresponsabilidade promover a dependência econômica dos municípios a atividades minerais intensivas em exploração, que são capazes de em pouco tempo esgotar sua produção ao passo em que deixam como heranças irreversíveis para as atuais e futuras gerações a contaminação e depredação dos territórios, inviabilizando, inclusive, outras atividades econômicas que teriam potencial de serem socialmente justas e ambientalmente sustentáveis.

Repudiamos o Programa de Revitalização da Indústria Mineral como um caminho para a saída da crise. Repudiamos o Programa, acima de tudo, porque ele aprofundará os impactos sobre as populações ao redor dos grandes projetos, as comunidades que sofrem o impacto da sua logística, sobre a água, o solo, o ar e todo meio ambiente, além de ampliar os riscos de desastres. São necessárias mudanças na mineração brasileira, mas para isso é necessária uma ampla e democrática discussão sobre o modelo mineral do nosso país, com a ampla participação de todos os atores envolvidos e os impactados pelo setor.

Assinam a nota:

Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade – AFES
Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária – AMAR
Associação dos Amigos de Paracatu – AMPARA
Associação de Proteção ao Meio Ambiente – APROMAC
Associação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Associação Comunitária Amigos do Meio Ambiente para a Ecologia e Desenvolvimento e o Turismo Sustentáveis, Garopaba – SC.
Associação Católica Brasil – SIGNIS Brasil

Associação de Defesa e Desenvolvimento Ambiental de Ferros
Associação Pró Pouso Alegre – APPA
Abraço Guarapiranga – SP
Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale
Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas – Conaq
Bicuda Ecológica – Rio de Janeiro – RJ
Brigadas Populares
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará-CEDENPA
Centro Paulista de Estudos Geológicos – CEPEGE – USP
Centro de Estudo Integração Formação e Assessoria Rural da Zona da Mata – CEIFAR
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração
Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino
Comissão de Assuntos Minerários – OAB-PA
Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil
Comissão Pró-Índio de São Paulo
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria – CTI
Confluências
Departamento Profissional Extrativo – DEPRONEX-CNTI
Espaço de Formação Assessoria e Documentação – SP
Espeleogrupo Pains -EPA
Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social
FASE
Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativistas de Minas Gerais – Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas de Minas Gerais -URBANOS/MG
FIAN Brasil
Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas Fonasc-CBH
Greenpeace
Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade – POEMAS
Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais – GESTA-UFMG
Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente da Universidade Federal do Maranhão (GEDMMA-UFMA)
Instituto Panamericano do Ambiente e Sustentabilidade – IPAN
Instituto de Estudos Pró-Cidadania – PRÓ-CITTÀ
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase
Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
Instituto de Pesquisa e Formação Indígenas -Iepé
Justiça nos trilhos
Movimentos dos Trabalhadores sem Terra – MST
Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM
Mater Nature
Marcha Mundial do Clima
Ministério da Verdade
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento das Mulheres Camponesas – MMC
Movimento Nacional Contra a Corrupção e pela Democracia – MNCCD
Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais – MPP
Movimento Artístico Cultural e Ambiental de Caeté – Macaca
Movimento pelas Serras e Águas de Minas – MovSAM
Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela
Missionários combonianos
Movimento Aeroporto em Parelheiros Não!
Projeto Saúde e Alegria
Pastoral da Juventude Rural – PJR
Rede ODS Brasil
Rede de Cooperação Amazônica -RCA
SOS Serra da Piedade
SOS Clima Terra
Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia – SINFRAJUPE
Toxisphera Associação de Saúde Ambiental
Via Campesina Brasil

Internacionais:
Associación Católica Latinoamericana y Caribeña de Comunicación – SIGNIS ALC
Amazon Watch
AIDC – South africa
Amadiba Crisis Committee
Agencia Latinoamericana y Caribeña de Comunicación – ALC Notícias
International Rivers
Foundation for Socio, economic rights -Swaziland
Jupic Missioneros Claretianos San José del Sur (Argentina, Chile, Paraguay y Uruguay)
Mining Affected Communities United in Action – South Africa
People’s Dialogue – Southern Africa
Rede Iglesias y Mineria
Rural Women’s Assembly – Southern Africa
Via Campesina Sudamerica
Southern Africa Green revolutionary Council – South Africa
TCOE – South Africa
Women and Land- Zimbabwe
Women and Mining – Southern Africa

Pesquisadores:
Déborah Danowski (PUC-Rio/CNPq)
Eduardo Viveiros de Castro (Museu Nacional, UFRJ/CNPq)
Helena Meidani
Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior – Professor de Sociologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
João Batista da Silva- Geógrafo
Lêda Casadei Iorio
Marijane Vieira Lisboa, Prof.Dra.Sociologia, Faculdade de Ciências Sociais, PUC-SP
Pertti Simula
Silvana Maria Gritti- Professora Associada- Unipampa- Jaguarão
Sandra Luciana Dalmagro – Professora da UFSC e Doutora em Educação
Virgínia Fontes – historiadora – UFF e Fiocruz

Categoria: Notícia
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