Seminário aponta urgência da reforma tributária para reduzir desigualdades
O economista americano Joseph Stiglitz, vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2001 e professor da Universidade Columbia (EUA), afirmou que a aprovação da reforma tributária no Brasil é uma questão urgente: “Primeiro, porque as previsões futuras da economia global não são favoráveis e, além disso, existe uma necessidade igualmente urgente para a transição verde como resposta às mudanças climáticas”. Nesses dois cenários, segundo ele, a Justiça Fiscal seria capaz de amenizar os efeitos negativos. “Se o Brasil não aprovar agora sua reforma, vocês serão duplamente prejudicados.”
A constatação foi feita durante o “Seminário Tributação e Desigualdades no Sul Global: Diálogos sobre Justiça Fiscal”, promovido pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e pela Oxfam Brasil na última terça-feira (12/09), em Brasília. Além de Joseph Stiglitz, participaram das discussões Martín Guzmán, ex-ministro da Fazenda da Argentina; Bernard Appy, atual secretário extraordinário da Reforma Tributária do governo Lula, e Benilda Brito, conselheira do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável (CDESS).
Foto: Aurélio Pereira/Ciclovídeos
Na palestra inaugural, o Nobel da Economia explicou que um sistema tributário com distorções reflete uma falha na democracia e que, diante da importância desta reforma, é preciso que a sociedade civil vá para as ruas a fim de contrabalancear o desejo dos super-ricos em manter seus privilégios fiscais. “A voz das pessoas mais simples e comuns precisa ser ouvida. E para que isso aconteça, as pessoas devem se mobilizar, numa ação coletiva entre os cidadãos, de forma voluntária”, disse.
Por diversas vezes, Stiglitz enfatizou o quanto o Brasil tem a chance de ser um exemplo para os outros países. “Vocês são a maior democracia entre os emergentes, possuem um papel relevante nas questões climáticas globais, o que também dá a vocês um papel importante na economia global.” Quando perguntado sobre a Amazônia, o economista falou da necessidade do mundo oferecer dinheiro para a proteção da floresta e preservação da biodiversidade: “Os países que oferecem serviços ecológicos devem ser compensados. Outro ponto é dar força aos movimentos globais em defesa dos direitos de povos indígenas. É curioso que a Europa e os EUA defendam o direito à terra, mas não falam nada quando são eles que roubam essa terra”.
Tributação do consumo
O secretário extraordinário da Reforma Tributária do governo Lula, Bernard Appy, explicou que o princípio da atual proposta é chegar a um sistema tributário mais justo e eficiente e explicou as razões de ter iniciado as mudanças pela tributação do consumo. “As discussões sobre esse tema já estavam avançadas no Congresso Nacional, mas a razão principal de começar a reforma pelo setor de bens e serviços visa corrigir uma das maiores distorções existentes.”
Segundo Appy, o Brasil hoje tributa mais o consumo dos pobres do que o consumo dos ricos. Isso porque a população de menor renda adquire mais mercadorias, cuja carga de impostos é maior se comparada à de serviços – um setor que, por sua vez, é mais consumido por pessoas ricas. “A reforma tributária busca reduzir essa distorção. Ela não vai eliminá-la totalmente, pois o Congresso fez algumas alterações no projeto, mas será capaz de reduzir um pouco essa desigualdade”, disse.
Appy também lembrou que o texto favorece os estados menos desenvolvidos do Brasil, onde reside a população mais pobre, o que vai gerar melhor justiça social ao País. “Além disso, esperamos que a medida cause um crescimento na economia brasileira. O Ministério fala em R$ 400 bilhões a mais de receita para que os governos federal, estadual e municipal possam fazer políticas públicas”, estimou.
Já estamos nas ruas
Foto: Foto: Aurélio Pereira/Ciclovídeos
Benilda Brito entrou no debate ecoando parte da fala de Stiglitz sobre a importância de dar voz às populações na base da pirâmide social, especialmente, as mulheres negras. “Já estamos nas ruas, Stiglitz.” Ela defendeu um regime tributário que apoie mulheres e seus empreendimentos e citou estudos que reforçam o impacto positivo dos negócios liderados por mulheres.
“É urgente uma reforma que mexa na régua da desigualdade. A cada 23 minutos, um negro é tombado no Brasil. A gente monitora e se mobiliza, mas é importante calcular o preço da desigualdade. Quanto custa um feminicídio? Talvez, olhando os números, a gente consiga sensibilizar o poder público pelo seu impacto na economia. Apostar na diversidade também é lucrativo, pois um país desigual desperdiça talentos”, pontuou Benilda.
Na segunda etapa do debate, Benilda enfatizou que espera mais do presidente Lula no processo de construção da reforma tributária. Criticou a tendência do País em aprovar uma reforma tímida, exemplificada pelo representante do Ministério da Fazenda, Rodrigo Octávio Orair. Ele reconheceu ter sido doloroso ver a aprovação de parte da reforma de modo híbrido, incapaz de garantir reivindicações históricas dos movimentos sociais.
Caso da Argentina
A comparação do Brasil com os países do Sul Global foi um dos temas abordados pelo ex-ministro argentino Martín Guzmán. Ele lembrou que o processo de taxação dos mais ricos na Argentina foi implementado em três semanas no início de 2019. Também defendeu a importância de uma taxação progressiva para a recuperação dos estados. “No sistema de cobrança regressiva, os estados enfraquecem, favorecendo os mais ricos.”
Para Guzmán, o Brasil não deve temer o risco de migração de recursos do País após a taxação dos mais ricos. “Esse argumento é um lobby”, disse. “O principal desafio não é evitar a migração fiscal, mas a tributação nos paraísos fiscais”, aposta Guzmán. Joseph Stiglitz, por sua vez, acrescentou: “A Argentina provou que é possível impor uma alíquota mínima de imposto aos mais ricos”.
Nota de pesar – Justiça por Bernadete Pacífico!
O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) vem a público manifestar o nosso pesar e nossa profunda indignação pelo assassinato de Bernadete Pacífico, liderança quilombola de Pitanga dos Palmares, brutalmente assassinada na noite de ontem (17/8). O quilombo se localiza no município de Simões Filho, na Bahia.
Dona Bernadete era coordenadora nacional da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas), e lutava pelos direitos de sua comunidade e por justiça para seu filho Binho, também assassinado em 2017.
A Equipe do Inesc envia respeitosamente seus pesares à família, aos seus amigos e companheiros de luta da vítima, e exige que os poderes públicos façam seu papel na investigação e punição dos criminosos responsáveis por este crime brutal.
Justiça por Bernadete Pacífico!
Chegou a hora de redistribuir o bolo da riqueza na América Latina, alerta sociedade civil
Ministros da Economia e representantes de governos de pelo menos 15 países da América Latina e Caribe, representando 90% da população da região, estão reunidos em Cartagena, na Colômbia, nos dias 27 e 28 de julho na Primeira Reunião Ministerial para uma “Tributação Global Inclusiva, Sustentável e Equitativa”.
A reunião tem como coanfitriões a Colômbia, Chile e Brasil, que convidaram toda a região para se juntar à articulação e definir conjuntamente um futuro tributário mais justo. As delegações de Colômbia e Chile serão lideradas pelos seus respectivos ministros da Fazenda, Ricardo Bonilla e Mario Marcel. O Brasil será representado por Guilherme Mello, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda brasileiro.
Nathalie Beghin, do nosso colegiado de gestão, e Livi Gerbase, nossa assessora política, participam do evento. Elas explicam que os sistemas tributários dos países da América Latina são um dos principais culpados pela assombrosa desigualdade na região. “O caráter regressivo das normas favorecem os mais ricos. Solucionar esta questão envolve reformar os sistemas tributários, e garantir mecanismos de participação social nas tomadas de decisão”, defendem.
Manifestação
“Pacto fiscal já!”. No dia 26/7, véspera do início da cúpula ministerial, representantes de mais de 50 entidades da sociedade civil da América Latina e Caribe fizeram um ato público no centro histórico de Cartagena, com uma instalação na frente da emblemática Torre del Reloj. As (os) ativistas exigiam de seus governantes “redistribuir o bolo da riqueza”, já que os “10% mais ricos acumulam 77% de toda a riqueza da região”.
Recomendações da sociedade civil
As organizações também produziram um manifesto a ser entregue aos ministros com recomendações para as reformas tributárias em curso na região, a saber:
Incorporar o cumprimento dos direitos humanos e das obrigações ambientais como princípios gerais para orientar e informar a tomada de decisões tributárias;
Promover a progressividade e a equidade nos sistemas tributários da região;
Promover reformas na tributação das empresas, especialmente das empresas multinacionais, que considerem e protejam os interesses da região;
Adotar medidas para aumentar a transparência fiscal;
Promover impostos que visem a proteção do meio ambiente, especialmente no que diz respeito à transição energética e à resposta à crise climática;
Rever os benefícios fiscais com critérios de transparência e equidade, eliminando privilégios e dando prioridade aos benefícios que geram crescimento inclusivo, desenvolvimento sustentável e justiça social;
Promover uma governança fiscal global verdadeiramente inclusiva que respeite a soberania nacional;
Integrar a dimensão de gênero na política tributária;
Descolonizar as normas internacionais de tributação e transparência;
Assegurar a participação efetiva da sociedade civil na nova Plataforma.
Sobre este último ponto, Nathalie Beghin escreveu em artigo para o site Nexo, sobre os mecanismos formais de participação social – importantes para trazer à reflexão as vozes e demandas das pessoas mais afetadas por sistemas tributários injustos.
Posicionamento do Inesc sobre a aprovação da reforma tributária
A reforma tributária foi aprovada na Câmara dos Deputados na madrugada desta sexta-feira (7/7) e o Inesc apoia sua aprovação, ainda que com ressalvas. Agora, a proposta segue para apreciação do Senado.
Por um lado, esta reforma traz a simplificação dos impostos indiretos e a não cumulatividade do sistema tributário brasileiro, o que é positivo para a economia, apesar de os 10 anos de transição nos alertarem que ainda vai demorar para nosso sistema tributário ser, na prática, simples. Também foram feitos pequenos, mas importantes, avanços em prol da equidade e progressividade, como a revisão do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), a melhora na regulamentação do imposto sobre herança (ITCMD) e a ampliação das hipóteses de incidência do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA), de modo a contemplar a propriedade de veículos aquáticos e aéreos.
Cesta básicas e produtos de higiene menstrual
Por outro lado, ainda temos muito o que melhorar. Como a discussão no Congresso se arrastou nos últimos dias que precederam a votação, o número de produtos e serviços que podem ser alvo de incentivos fiscais aumentou – lembrando que hoje são quase R$ 500 bilhões anuais em incentivos fiscais, só da União. Enquanto a inclusão da Cesta Básica e de produtos de cuidado menstrual é favorável ao combate a desigualdades, “alimentos” do agronegócio e ultraprocessados também serão contemplados com incentivos, o que é uma afronta ao Guia da Alimentação Saudável, do Ministério da Saúde. A falta de diretrizes de como será o modelo de cashback (devolução de parte da cobrança de impostos) também é muito preocupante no atual texto da reforma.
Por último, a reforma tributária aprovada é insuficiente para combater as desigualdades estruturais do nosso sistema tributário, pois não apresenta propostas para melhorar a progressividade dos impostos sobre a renda e o patrimônio. Isso significa que mesmo após a aprovação da emenda constitucional, as pessoas mais pobres, negras, mulheres, continuarão sendo os mais prejudicados pelo sistema tributário. Ainda precisamos aumentar a tributação sobre a renda e patrimônio e diminuir a do consumo, regulamentando o imposto sobre grandes fortunas e instituindo imposto sobre dividendos, entre outras modificações. Felizmente, o Poder Executivo deverá encaminhar ao Congresso Nacional, em até 180 dias após a promulgação da Reforma, projeto de lei que reforme a tributação da renda.
Reforma Tributária 3S
Como parte da Reforma Tributária Solidária, Saudável e Sustentável (Reforma 3S), um grupo de organizações da sociedade civil que se uniu para incidir junto ao Congresso Nacional, trabalhamos nos últimos meses, e mais intensamente nos últimos dias, para garantir que a nova política tributária contribua para combater as desigualdades, como mencionou Cida Bento, em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo. Nossas propostas e como elas se relacionam com a reforma tributária estão na nota elaborada por Inesc e Oxfam. Algumas de nossas demandas foram incorporadas no texto aprovado na Câmara, como a maior menção à proteção ambiental, a isenção total da Cesta Básica Nacional, a não inclusão da Lei que adicionava muitos agrotóxicos na lista de incentivos fiscais e a inclusão de produtos de cuidado menstrual na lista de isenções.
Ainda temos muito trabalho pela frente, que se inicia com o debate no Senado. Precisamos atuar para não perder as conquistas obtidas na Câmara e avançar na definição da lista de itens que compõem a Cesta Básica Nacional e no modelo de cashback. Além de tudo, precisamos ficar alertas e pressionar o Congresso para que a Reforma priorize a redução de desigualdades e não pare nesta primeira fase, aprovando alterações que tornem nosso sistema tributário efetivamente progressivo e mais justo.
Impactos distributivos da tributação e das transferências monetárias públicas: um olhar sobre gênero e raça
Este estudo avalia os impactos distributivos da tributação e do gasto com transferências monetárias considerando os marcadores de gênero, raça, classe e interseccionalidade. Para tanto, é utilizada a Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2017/2018, a fim de estimar a incidência da tributação e do gasto com transferências monetárias, e os indicadores usuais de concentração de renda. Os achados apontam que o sistema tributário onera mais os negros do que os brancos e mais as mulheres do que os homens, sobretudo devido à posição que esses grupos ocupam na distribuição de renda.
Seminário sobre Tarifa Zero em Brasília
A terceira edição do seminário “Transporte como direito e caminhos para a tarifa zero” será realizada de 13 a 16 de junho em Brasília (DF) e Formosa (GO) (confira os locais na programação abaixo). O evento será composto por mesas técnicas, debates, audiência pública e uma visita à experiência de Tarifa Zero da cidade de Formosa, uma das 70 cidades com política universal de Passe Livre identificadas no Brasil.
O objetivo do encontro é contribuir com a construção de políticas públicas de Tarifa Zero e fortalecer mobilizações sociais e articulações em defesa da mobilidade como direito. O evento é gratuito e para se inscrever basta acessar o link:
Uma proposta de Emenda Constitucional (PEC 25/2023) que inclui o direito ao transporte no rol de direitos sociais básicos previstos na Constituição Federal foi protocolada pela deputada Luiza Erundina (Psol-SP) em maio, na Câmara dos Deputados. Apelidada de PEC da Tarifa Zero, o texto reconhece que a proposição é resultado de um longo, amplo e democrático processo de construção coletiva do qual participaram organizações da sociedade civil, entre elas o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).
Em 2019, o Inesc apresentou um estudo sobre a criação de um fundo com fontes extratarifárias para o financiamento do transporte público. De acordo com o documento, transporte gratuito e universal custaria R$ 70,8 bilhões por ano, o equivalente a 1% do PIB.
PROGRAMAÇÃO
A nova edição do seminário é uma iniciativa conjunta do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) Fundação Rosa Luxemburgo, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), e Movimento Passe Livre (MPL). Confira a programação (sujeita a alterações):
Dia 13 de junho, terça-feira
18h – Abertura institucional
19h – Mesa de abertura: “Tarifa Zero – um legado das ruas”
Local: Instituto de Ciência Política – Universidade de Brasília
Dia 14 de junho, quarta-feira
09h- Mesa 1 – SUM, SUS e SUAS
“A construção do Sistema Único de Mobilidade à luz das experiências do SUS e do SUAS”
Local: Instituto de Ciência Política – Universidade de Brasília
14h – Oficina e debate: a conjuntura da Tarifa Zero
O que está em jogo nas disputas da mobilidade Brasileira?
Local: Instituto de Ciência Política – Universidade de Brasília
16h – Mesa 2 – “Passe Livre, Eleições e Democracia”
Parceria com o “IV Ciclo de debates sobre o direito à cidade” do Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê)
Local: Instituto de Ciência Política – Universidade de Brasília
18h15- Lançamento de livros
“A razão dos centavos: Crise urbana, vida democrática e as revoltas de 2013” de Roberto Andrés
“Mapa das Desigualdades 2022” do Instituto de Estudos Socioeconômicos
Local: Instituto de Ciência Política – Universidade de Brasília
20h – Atividade Cultural
Batalha da Escada – especial sobre Mobilidade Urbana – e Bate Papo com BNegão sobre música ativismo e Passe Livre
Dia 15 de junho, quinta-feira
09h – Audiência Pública: “O Sistema único de Mobilidade e a Tarifa Zero”
11h30 – Lançamento Público da Coalizão Mobilidade Triplo Zero
Local: Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Câmara dos Deputados
14h – Mesa 3: Experiências Nacionais da Tarifa Zero
Parte 1 – “O contexto da Tarifa Zero nas cidades brasileiras”
Parte 2 – “Caminhos para a Tarifa Zero no Parlamento e nas Ruas”
Local: Auditório Freitas Nobre, Câmara dos Deputados
19h -Mesa Bar “Perseguição a militantes do transporte; de junho de 2013 a junho de 2023”
Local: Empório Badauê – CLN 407 Bloco A
Dia 16 de junho, sexta-feira
Visita à cidade de Formosa para conhecer as experiências de Tarifa Zero
08h00 – Saída de Brasília para Formosa (vagas limitadas em Ônibus)
09h30 – Viagem nos ônibus Tarifa Zero e visita à garagem
10h30 – Mesa 4: Tarifa Zero em Formosa e a Possibilidades da Tarifa Zero no Distrito Federal e Entorno
14h- Oficina e Debate: Mobilidade Popular
“Controle Popular na Mobilidade – A construção de um sistema de Conselhos participativos”
19h – Noite de Encerramento
Local – Instituto Palco Cultura – Varjão, Qd. 4 Conj. C Ch 27
Inesc compõe novo Conselho de Transparência, Integridade e Combate à Corrupção
O Conselho de Transparência, Integridade e Combate à Corrupção (CTICC), instituído no último dia 16/5, agora conta com 30 organizações representantes da sociedade civil. Uma delas é o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), instituição com 43 anos de experiência na área de orçamento público e direitos humanos.
Antes com apenas 7 organizações na sua composição, o Conselho ampliou também a quantidade de temáticas sob a sua competência, passando a tratar de controle social para acompanhamento e fiscalização da aplicação de recursos públicos; governo aberto, transparência e acesso à informação pública; e integridades pública e privada. De acordo com a Controladoria-geral da União (CGU), que presidiu a 1ª reunião do colegiado, o objetivo da nova estrutura é promover maior diálogo do governo federal com movimentos sociais e com a população.
Presente no evento, José Antônio Moroni, do colegiado de gestão do Inesc, reconhece a intenção do governo em fortalecer a questão da transparência e do diálogo com a sociedade civil, mas elenca alguns pontos que precisam ser revistos na estrutura do órgão consultivo. Segundo ele, o novo conselho repete o modelo das gestões anteriores, em que o governo decide quem são os representantes da sociedade civil. “A sociedade civil é quem deve eleger seus próprios representantes. Nós temos método para isso”, argumentou. Moroni também defende que ocorram mais reuniões do Conselho, pois “são apenas duas reuniões por ano, insuficientes frente a quantidade de pautas que o colegiado terá de acompanhar”, completou.
Experiência do Inesc
O acompanhamento, monitoramento e a decodificação do processo orçamentário são metas do Inesc que percorrem todos os eixos temáticos com os quais trabalhamos há 43 anos. Nessa trajetória, alguns projetos merecem destaque. Por exemplo, nossa ferramenta dos Orçamentos Temáticos, que monitora orçamento público em diversas áreas e promove a participação social, recebeu o prêmio de melhores práticas em transparência fiscal da Iniciativa Global para Transparência Fiscal (GIFT, na sigla em inglês). Os Orçamentos Temáticos são baseados na metodologia de orçamento e direitos do Inesc, que pode ser usada em diferentes níveis.
Para exigir a transparência na política de isenção de impostos, lançamos junto a organizações parceiras, a campanha Só Acredito Vendo. A iniciativa ajudou na aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 162/2019, que permite a publicação de informações sobre empresas beneficiadas por renúncia fiscal.
O Inesc também foi uma das entidades que participaram na elaboração do Modelo de Referência para Publicação de Dados Abertos. Lançado em 2020, o documento visa integrar, capacitar e sensibilizar a sociedade e as três esferas de governo no contexto da abertura de dados públicos.
Ainda no tema de dados abertos, participamos da elaboração da pesquisa internacional Índice de Orçamento Aberto (OBS, na sigla em inglês), que avalia se os governos disponibilizam documentos-chave do orçamento em tempo hábil. O Inesc foi a instituição responsável por analisar os dados do Brasil, em parceria com o International Budget Partnership (IBP).
Rede de ativistas do Fundo Malala entrega balanço das primeiras ações do governo Lula e dos governos estaduais em prol da Educação no Brasil
Em meio à visita de Malala Yousafzai ao Brasil, a organização Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala, apresentou um estudo sobre o atual cenário do sistema educacional brasileiro, com uma avaliação das primeiras medidas adotadas pelos gestores públicos no âmbito Federal e Estadual, assim como recomendações para a melhoria dos indicadores nessa área nos próximos anos.
O documento foi entregue na quinta-feira (25), durante uma reunião interministerial em Brasília, solicitada pela própria Malala, com o objetivo de discutir e buscar soluções para os desafios educacionais enfrentados pelo Brasil. Estiveram presentes no encontro a secretária de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas, Juma Xipaia; o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo; a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco; a secretária-executiva do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Rita de Oliveira; a secretária-executiva do Ministério das Mulheres, Maria Helena Guarezi; além do ministro da Educação, Camilo Santana.
Sob coordenação do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), o relatório “Monitoramento do Direito à Educação”, elaborado em parceria com 11 ativistas e representantes de diversas organizações, revelou as consequências da queda de investimentos públicos para a função Educação desde a aprovação do teto de gastos, em 2014, com dados sobre o atraso severo no cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), que se aproxima do seu término, em junho de 2024.
Na primeira infância, por exemplo, o Brasil nunca conseguiu atingir a meta de 50% de cobertura de creches para a faixa-etária de 0 a 3 anos, que atende hoje apenas 37% das crianças. No ensino fundamental, os alunos da rede pública foram os mais afetados pelo déficit de ensino nos anos de 2020 e 2021, em plena a pandemia, o que fez o índice de conclusão dessa fase despencar no período: apenas 81% dos formandos tinham a faixa etária até 16 anos (ou na idade recomendada”), contra uma meta de 95%, prevista no PNE. No ensino médio, que tinha como meta alcançar 85% da população de 15 a 17 anos até 2024, está com apenas 74% de cobertura, algo bem aquém do previsto. Por fim, as matrículas em instituições públicas de ensino superior, que deveriam crescer 40% na previsão do PNE, subiram módicos 3,6%.
Na sequência, a Rede de Ativistas também apresentou um balanço das medidas tomadas pelos poderes Executivo e Legislativo, no âmbito Federal e Estadual, nos primeiros meses de seus mandatos em prol do direito à Educação. Para fazer o balanço, a Rede de Ativistas tomou como base o documento “Carta-Compromisso pelo Direito à Educação”, elaborado na época das eleições junto à Campanha Nacional pelo Direito à Educação, para convencer os então candidatos a serem signatários de 40 compromissos em defesa de uma educação pública, gratuita, antirracista, antissexista, laica, inclusiva, equitativa e de qualidade.
Se eleitos, eles deveriam apoiar ações como a elaboração de um novo Plano Nacional de Educação, o retorno dos recursos para a educação de jovens e adultos, a revogação do novo ensino médio, a consolidação da educação quilombola, indígena e povos tradicionais, entre outras políticas públicas. Os vencedores das eleições que assinaram a Carta foram o presidente Lula, quatro governadores (dos estados Maranhão, Piauí, Amapá e Espírito Santo), 43 parlamentares federais e outros 56 deputados estaduais.
Desempenho do Governo Federal – Segundo o relatório da Rede de Ativistas, o início da terceira gestão do presidente Lula vem somando pontos positivos com a recriação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), a retomada do Fórum Nacional de Educação (FNE), novas medidas de combate à violência nas escolas, o reajuste de 39% no valor destinado ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o repasse de R$ 500 milhões para investimento em infraestrutura nas escolas, o aumento da oferta de bolsas de estudos, entre outras ações.
No entanto, algumas questões ainda se mostram frágeis, como a manutenção do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares, criado por meio do Decreto nº 10.004/2019, que implementa escolas cívico-militares públicas em estabelecimentos de ensino público com baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Outros desafios do Ministério da Educação estão na demora para a revogação do Novo Ensino Médio e na ameaça da falta de recursos suficientes para suprir as sequelas deixadas pela pandemia na rede pública de ensino, por conta das novas regras do teto de gastos do Poder Executivo.
Balanço nos Estados – Enquanto isso, os principais entraves para o cumprimento da Carta-Compromisso apontados no relatório foram divididos segundo as regiões.
No Norte e Centro-Oeste, merecem registros a não-revogação da reforma do ensino médio (Tocantins e Mato Grosso do Sul) e a crescente militarização das escolas públicas (Goiás, Mato Grosso, Acre, Roraima, Rondônia). Nesse último estado, o governo local criou Projeto Escola Segura, com a figura de “pelotões disciplinares” formados por estudantes, além do Programa Amigo Voluntário da Educação, que paga diárias de R$55 para colaboradores sem concursos públicos, aumentando a precarização do trabalho de apoio às escolas.
No Sudeste, a militarização das escolas públicas chama a atenção em Minas Gerais, e o Estado de São Paulo peca por não implementar a Lei do Piso Salarial Profissional Nacional. Na região Sul, o Rio Grande do Sul também não implementou a Lei do Piso Salarial, e a militarização segue forte nas escolas públicas de Santa Catarina e no Paraná – considerado o estado líder em escolas cívico-militares, com mais de 200 instituições seguindo esse modelo e previsão de dobrar o número nos próximos anos.
Já no Nordeste, o relatório destaca a privatização e a mercantilização da educação no Piauí; a não-revogação da reforma do ensino médio em Pernambuco; e a expansão dos colégios militares no Maranhão (com 44 instituições) e na Bahia (116), representando um crescimento de 6 vezes primeiro estado (no período de 2015 a 2022) e em 20 vezes no segundo (no período de 2018 a 2022).
Sob a coordenação e com edição final pelo Inesc, o relatório “Monitoramento do Direito à Educação” apresentado à jovem ganhadora do Nobel da Paz no Brasil foi produzido a partir do Fundo Malala, instituição internacional homônima à ativista, que apoia o trabalho de mais de 80 educadores em dez diferentes países (Afeganistão, Bangladesh, Brasil, Etiópia, Índia, Líbano, Nigéria, Paquistão, Tanzânia e Turquia) para promover o acesso e a permanência de meninas na escola.
———– Sobre a Rede de Ativistas pela Educação – A Rede de Ativistas pela Educação foi criada em 2017 e faz parte do Fundo Malala no Brasil, que reúne 11 ativistas e suas organizações e atua em diversas regiões do país, para garantir o direito à educação de meninas, com foco em meninas negras, indígenas e quilombolas.
Nesta nota técnica, apresentamos reflexões do Inesc em relação às primeiras informações disponíveis do PPA 2024-2027 para políticas sociais e ambientais que acompanhamos, nas áreas de educação, direito à cidade, meio ambiente, povos indígenas, quilombolas, igualdade racial, mulheres e crianças e adolescentes. Acreditamos que a discussão do PPA com a sociedade pode contribuir para conferir ao Plano uma legitimidade que irá auxiliar na sua implementação e efetividade.
Mais de 100 organizações civis pedem ajustes no Arcabouço Fiscal
A Coalizão Direitos Valem Mais – formada por mais de 100 organizações entre movimentos sociais, sindicatos e universidades, sendo uma delas o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) – acaba de divulgar um manifesto pedindo mudanças no novo Arcabouço Fiscal. Os dois principais ajustes solicitados no documento são:
que o orçamento total de saúde, educação e políticas de combate à fome, incluindo o Novo Bolsa Família, sejam exceções ao novo teto de despesas;
que haja maior flexibilidade para a definição das bandas de metas de superávit e despesas primárias, sendo estas definidas por lei ordinária e não por lei complementar.
Segundo a Coalizão, desvincular os gastos das áreas da saúde, educação e combate à fome do teto de despesas estipulado pelo arcabouço afastaria não apenas o risco de escassez desses recursos para estas áreas, como também permitiria o refinanciamento de políticas de garantia de direitos humanos que foram desmanteladas nos últimos anos, como as políticas de assistência social, fiscalização ambiental e combate ao trabalho infantil. Já a maior flexibilização na definição das bandas do arcabouço permitiria o orçamento responder com mais facilidade a crises econômicas e sociais, isto é, ter um maior caráter anticíclico.
A atual proposta de Arcabouço Fiscal prevê que as despesas primárias obedeçam a uma banda de crescimento entre 0,6% e 2,5% ao ano, a depender do aumento da receita. Contudo, o cenário mais pessimista (0,6%) mal acomoda o crescimento vegetativo dos benefícios previdenciários, que crescem em torno de 1% ao ano. “O corte de gastos discricionários está implícito, prejudicando o enfrentamento dos desafios e da garantia de direitos, além de dificultar a manutenção de uma política de valorização do salário-mínimo”, afirma Livi Gerbase e Cristiane Ribeiro, porta-vozes do Inesc e da Plataforma Dhesca, também integrante da Coalizão.
Também fazem parte da Coalizão o Conselho Nacional de Direitos Humanos, o Conselho Nacional de Saúde, a Oxfam Brasil, a Frente em Defesa do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) , entre outras organizações.
Plano Plurianual – PPA
A Carta Aberta defende ainda uma conexão urgente entre o Arcabouço Fiscal e o Plano Plurianual (PPA). “Caso não se conectem, haverá o risco de o PPA se transformar em um instrumento vazio, o que criaria disputas na distribuição de orçamento para as diversas instituições públicas”, acrescenta a nota. Além disso, a efetivação de uma reforma tributária progressiva e a revisão de incentivos fiscais também são imprescindíveis para garantir o aumento da arrecadação necessária para o crescimento das despesas.
A Coalizão Direitos Valem Mais acredita que são fundamentais a transparência e a participação social, que promovem a ampliação dos espaços de diálogo entre Estado e Sociedade, com vistas a fortalecer o processo democrático. A Carta conclui: “A discussão sobre os rumos da política fiscal brasileira deve ser realizada de forma ampla, junto com a sociedade, e não de maneira apressada no Congresso Nacional”.
Diante dos debates nacionais pela aprovação da reforma tributária, várias entidades se somaram para disponibilizar formação sobre educação fiscal. O curso é gratuito, composto por 32 aulas organizadas, em quatro módulos, integralmente na modalidade Ensino à Distância (EAD), com tutoria. As inscrições abrem nesta terça-feira (9/5), e as aulas iniciam dia 23 de maio e seguem até 30 de junho. Os inscritos com aproveitamento superior a 70% do conteúdo recebem certificado.
A formação é organizada pelo Sindicato dos Técnicos Tributários do RS – Afocefe Sindicato, Instituto Justiça Fiscal (IJF), Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e a Rede de Justiça Fiscal da América Latina e Caribe.
Justiça fiscal reduz desigualdades
“Tributos são instrumentos fundamentais para promover igualdade. É um tema de forte impacto na vida das pessoas e quanto mais informação e mobilização mais se pode incidir para promover justiça fiscal”, pontua o presidente do Instituto Justiça Fiscal, Dão Real Pereira dos Santos.
No Brasil, pobres pagam, proporcionalmente, mais impostos que os ricos no país mais desigual do mundo. Altas rendas e grandes patrimônios são isentos ou subtributados.
O que essa estrutura tributária tem a ver com as fontes de financiamento das políticas de Estado e como efetivar o controle social são alguns dos temas do curso “Cidadania Fiscal”.
O primeiro módulo oferece conceitos básicos sobre Estado e políticas públicas; o segundo trata da questão tributária; o terceiro trata dos gastos e o quarto das ferramentas práticas para participação social, como as leis de acesso à informação e os portais orçamentários.
Cada aula tem como base um vídeo com resumo do conteúdo e texto de apoio. Monitores acompanham a turma para tirar dúvidas e estará disponível um fórum de dúvidas e comentários ao final de cada módulo para as manifestações dos participantes.
“Vivemos momentos-chave que definirão os rumos do orçamento público, como a nova âncora fiscal e a reforma tributária. É um direito das pessoas entenderem o que o Estado faz com nossos impostos. Será que estão investindo em políticas públicas garantidoras de direitos? Com o curso, queremos mostrar, sobretudo, que direitos cabem, sim, no orçamento”, destaca a assessora do Inesc, Livi Gerbase.
“Todo cidadão tem o direito de saber onde o Estado aplica os tributos pagos por cada um de nós. Quando estamos mais preparados, a capacidade de atuar em defesa de nossos direitos é ampliada’’, completa o presidente do Afocefe Sindicato, Alexandre Luzzi.
A fim de registrar o impacto dos cortes de gastos em áreas fundamentais de proteção aos direitos humanos em uma gestão que privilegiou o equilíbrio fiscal em detrimento da vida e do bem-estar da população, o Inesc apresenta o relatório “Balanço Geral dos Gastos da União – 2019-2022”, que nesta quarta edição recebe o título de “Depois do Desmonte”.
A publicação mostra como foram usados (ou não) os recursos federais nas áreas: saúde, educação, direito à cidade, meio ambiente, povos indígenas, quilombolas, igualdade racial, mulheres e crianças e adolescentes.
“Depois do Desmonte”: relatório traz balanço dos gastos da União entre 2019-2022
O desmonte das políticas públicas em todos os programas sociais e ambientais do Brasil, nos últimos quatro anos, segue custando caro ao País. Passados os 100 primeiros dias do mandato do presidente Lula, ainda é grande a dificuldade para superar o cenário de “terra arrasada” detectado no relatório de transição do governo, a despeito da injeção de recursos com a PEC aprovada no fim do ano passado.
A fim de registrar o impacto dos cortes de gastos em áreas fundamentais de proteção aos direitos humanos em uma gestão que privilegiou o equilíbrio fiscal em detrimento da vida e do bem-estar da população, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) apresenta o relatório “Balanço do Orçamento Geral da União 2022”, que nesta edição recebe o título de “Depois do Desmonte”.
A publicação mostra como foram usados (ou não) os recursos federais nas áreas: saúde, educação, direito à cidade, meio ambiente, povos indígenas, quilombolas, igualdade racial, mulheres e crianças e adolescentes.
Superávit a que preço?
A principal conclusão do documento é de que a política de ajuste fiscal imposta nos últimos 4 anos não só se provou ineficiente para a recuperação da economia, como também aumentou a injustiça social, ambiental, climática, racial e de gênero. Pela primeira vez desde 2013, as contas públicas fecharam em superávit primário em R$ 54,1 bilhões. Mas a que preço? “A estratégia de subfinanciar o Estado, elevar a taxa de juros, ignorar uma tributação progressiva e percorrer regras fiscais restritivas só agravou as desigualdades”, respondem os membros do colegiado do Inesc, Cristiane Ribeiro, José Antônio Moroni e Nathalie Beghin.
Neste contexto, para cada uma das áreas analisadas, esta edição do Balanço aponta as medidas consideradas prioritárias para o governo Lula, começando pela análise das ações vinculadas à PEC de Transição. “A tarefa de reconstruir o Brasil não será fácil, pois o governo é o resultado de uma ampla aliança, que precisa acomodar interesses distintos, por vezes, antagônicos”, pondera Nathalie. “Este relatório servirá de base para o monitoramento da agenda voltada à proteção dos direitos humanos nos próximos anos.”
A seguir, os principais dados das áreas analisadas:
Panorama geral
No último ano do governo Bolsonaro, as contas públicas fecharam com um superávit primário de R$ 54,1 bilhões, o que corresponde a 20 vezes ao valor orçado para o Ministério do Meio Ambiente em 2022 (R$ 2,7 bilhões). Ou seja: uma economia feita à custa do desmatamento e desmonte de políticas de proteção à Amazônia.
As emendas de relator (RP9), conhecidas como “orçamento secreto”, alcançaram valores médios anuais de R$ 11,2 bilhões entre 2020 e 2022. O valor corresponde a cerca de 3 vezes o total gasto pelo governo anterior em programas de alimentação escolar.
Covid-19
O governo Bolsonaro entrará para um triste capítulo da história brasileira, que soma mais de 700 mil vítimas fatais, devido aos inexplicáveis atrasos no processo de vacinação e o vergonhoso saldo de R$ 159,3 bilhões, que, embora já estivessem autorizados pelo Congresso Nacional, não foram gastos a despeito da fome, do desemprego, fechamento de empresas e falta de estrutura das escolas para se adaptarem ao ensino virtual.
Saúde
Entre 2019 e 2022 o orçamento da função Saúde, retirando os gastos com Covid-19, diminuiu 8% em termos reais, apesar das demandas reprimidas e do aumento da população. É um valor que corresponde a R$ 12 bilhões a menos para a área, que já vinha sofrendo problema crônico de desfinanciamento imposto pelo teto de gastos.
Educação
Os recursos da função Educação caíram de R$ 131 bilhões em 2019 para R$ 127 bilhões em 2022, e a gestão ficou marcada por nenhum centavo direcionado às escolas em virtude do isolamento social decorrente da Covid-19.
Os recursos voltados para creches caíram 60% em termos reais entre 2019 e 2022, passando de R$ 470 milhões para R$ 187 milhões, no período, apesar do aumento de 70% entre 2021 e 2022 decorrente do “novo Fundeb”.
O orçamento para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) não só esteve aquém do necessário, como registrou um comportamento “errático”: de R$ 552 mil em 2019 (apesar de um valor autorizado superior a R$ 35 milhões), os gastos subiram para R$ 15 milhões em 2020 (devido a restos a pagar), voltando a cair para R$ 7,4 milhões em 2021. Em 2022, graças ao “novo Fundeb”, os valores foram de R$ 14,4 milhões, longe de ser suficientes para reduzir os efeitos da migração do ambiente físico para o ensino virtual na pandemia.
No ensino superior, os recursos caíram 18% em termos reais, passando de R$ 43,3 bilhões para R$ 35,4 bilhões, entre 2019 e 2022. A queda observada com a execução financeira da Capes é ainda maior: 39% no quadriênio, saindo de R$ 5,4 bilhões em 2019 para R$ 3,3 bilhões em 2022.
Direito à cidade
O déficit habitacional de 5,9 milhões de moradias foi agravado, não apenas pela pandemia, mas pela dificuldade de acesso da população de baixa renda ao Programa Casa Verde Amarela, que substituiu o Minha Casa Minha Vida. A execução financeira da função habitação caiu 37% em termos reais entre 2019 e 2022, passando de R$ 78,7 milhões para R$ 29,7 milhões no período.
Nos 4 anos do governo Bolsonaro, os recursos destinados para o transporte coletivo público caíram 65%, passando de R$ 1,3 bilhão em 2019 para R$ 468 milhões, em 2022.
Meio Ambiente
Em 2019, a execução financeira foi de R$ 3,3 bilhões, passando para R$ 2,7 bilhões em 2022, uma perda real de 17%.
Quem mais perdeu foi o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), com uma queda real de 32% nos quatro anos.
Na administração direta do Ministério, a execução financeira caiu 11,2% entre 2019 e 2022, passando de R$ 244 milhões para R$ 216 milhões, sem contar a destruição do Ibama, que perdeu 8% de seu precário orçamento (de R$ 1,8 bilhão para R$ 1,7 bilhão, em 2022). O desmatamento no governo Bolsonaro foi o maior no período de 15 anos.
Povos indígenas
A Funai se transformou numa verdadeira organização anti-indígena, com uma queda na execução financeira, de R$ 754 milhões para parcos R$ 640 milhões, entre 2019 e 2022, a despeito do crescimento populacional indígena no período. Se em 2010, o orçamento per capita da Funai era R$ 899/indígena, em 2022, esse valor chegou a R$ 400/indígena.
O número de servidores da Funai, para cada mil indígenas, caiu 68% no período.
Já os recursos para a Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, entre 2019 e 2022, caíram 9%, passando de R$ 1,8 bilhões para R$ 1,6 bilhões, o que explica os efeitos nefastos das epidemias, como o genocídio dos Yanomami.
Quilombolas
O racismo institucional do governo Bolsonaro excluiu quilombolas dos grupos prioritários de vacinação, sendo necessária a intervenção do STF, em 2021, para haver um plano específico de enfrentamento à pandemia nessas comunidades.
A regularização fundiária para territórios quilombolas foi desmontada, praticamente nenhum recurso foi gasto, com exceção de 2020 quando foi necessário pagar uma ação judicial.
O saneamento rural quilombola aumentou ao longo da gestão Bolsonaro (de R$ 120 milhões executados para R$ 252 milhões, em 2022), grande parte explicada pelos recursos vindos dos restos a pagar, acumulados no quadriênio – R$ 103,8 milhões em 2020, R$ 121 milhões em 2021 e R$ 217,3 milhões em 2022.
A distribuição de cestas básicas para quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais permaneceu em patamares extremamente baixos (R$ 19 milhões/ano) entre 2019 e 2021. Os gastos com cestas básicas só aumentaram em 2022, com um salto para R$ 298,4 milhões naquele ano.
Igualdade racial
Em 2019, a execução financeira da igualdade racial foi de R$ 18,2 milhões caindo para R$ 3 milhões, em 2020 até chegar a um patamar mínimo de R$ 231,1 mil em 2021. Em 2022, houve um aumento para R$ 6,9 milhões.
Mulheres
Em termos reais, os gastos voltados para as ações de enfrentamento a violência, promoção da igualdade e da autonomia das mulheres em 2019 se manteve no ano de 2022, com valores da ordem de R$ 56,6 milhões.
Além disso, no ano mais grave da pandemia de Covid-19, em 2020, o Ministério só gastou 29,45% dos recursos autorizados.
O Ligue 180 teve seus gastos diminuídos em 41% no quadriénio, e a Casa da Mulher Brasileira apresentou: zero de despesas em 2019; R$ 225,2 mil em 2020; R$ 1,2 milhão em 2021; e R$ 21,2 milhões em 2022, grande parte oriundo de restos a pagar de anos anteriores.
Crianças e adolescentes
A execução financeira para assistência a esse público (com recursos vindos do Ministério da Cidadania e do MMFDH) caiu, entre 2019 e 2022, de R$ 568 milhões para R$ 458 milhões, sendo 96% desse montante destinado ao programa Criança Feliz, que recebeu críticas tanto na concepção quanto na execução.
Apesar de o trabalho infantil acometer cerca de um milhão e oitocentas mil crianças, o governo Bolsonaro desmontou o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti): em 2019 foram gastos R$ 6,1 milhões e, desde então, nenhum centavo mais.
A “PEC da transição” criou um espaço fiscal de R$ 145 bilhões, o que permitiu principalmente a expansão do Bolsa Família. Outras áreas ganharam um “respiro” orçamentário para 2023:
Saúde
O Ministério da Saúde foi agraciado com R$ 22,7 bilhões adicionais com a Emenda Constitucional (EC), originada pela PEC da Transição, o que possibilitará a volta de programas como o Farmácia Popular, o Programa de Saúde Mental, o aumento da cobertura vacinal e a redução de filas de atendimento.
Educação
O Ministério da Educação recebeu R$ 12 bilhões com a EC, voltados às bolsas de graduação e pós-graduação, à recuperação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (sem reajuste desde 2016), à infraestrutura de creches e escolas (saindo de apenas R$ 5 milhões reservados pelo Bolsonaro para um total de R$ 356 milhões destinados por Lula à Educação Infantil. Já a ação de infraestrutura nas escolas saiu de R$ 3 milhões para R$ 917 milhões, e o EJA, de R$ 16 milhões propostos por Bolsonaro para R$ 57 milhões. Os programas de valorização da diversidade, o respeito aos direitos humanos e da inclusão, abandonados nos últimos quatro anos, receberam R$ 45 milhões com a EC.
Habitação
A EC da Transição possibilitou destinar R$ 868 milhões para o Programa Minha Casa Minha Vida em 2023.
Meio Ambiente
Na gestão de Lula, o ministério passou a se chamar “Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima”, órgão cuja dotação para 2023 alcança R$ 4,1 bilhões. O Ibama teve aumento de recursos de 65% para o combate ao desmatamento e queimadas, passando de R$ 269,5 milhões na LOA de 2023 para R$ 444,5 milhões depois da PEC da transição (EC 126).
Indígenas
O governo Lula criou o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e nomeou para chefiar os órgãos indigenistas, ativistas indígenas: Sônia Guajajara (MPI), Weibe Tapeba (Sesai) e Joênia Wapixana (Funai). Houve recomposição do orçamento da Funai e da Sesai para 2023, e a Funai viu sua dotação inicial aumentar 8%; e a Sesai de 61%.
Quilombolas
O governo Lula acrescentou R$ 68,7 milhões numa rubrica inicialmente zerada para cestas básicas.
Igualdade Racial
O ministério da Igualdade Racial (MIR) foi recriado tendo uma mulher negra como dirigente da pasta, Anielle Franco. A PLOA2023 enviada pelo presidente Bolsonaro e aprovada pelo Congresso Nacional não previu recursos para a promoção da igualdade racial, contudo, o novo governo adicionou novos recursos(R$ 4,5 milhões) para a agenda. Também foram anunciados a criação de cotas em cargos de comissão, além da elaboração de diversos programas para o enfrentamento do racismo.
Mulheres
No governo Lula, o Ministério das Mulheres foi recriado sendo liderado por uma feminista, Cida Gonçalves, com recursos adicionais aportados para ações de enfrentamento à violência contra as mulheres (R$ 6,1 milhões), de promoção dos direitos das mulheres (R$ 1,6 milhões), de incentivo à autonomia das mulheres (R$ 1 milhão).
Crianças e Adolescentes
Por ser uma área pulverizada em diferentes ministérios, ainda não está claro quais são os recursos disponíveis para 2023. Sabe-se que houve aumento de 55,2% na dotação inicial para educação infantil em 2023 em relação à 2022 (R$ 357 milhões), além de R$ 11,5 milhões para o sistema socioeducativo, aumento do valor per capita do Programa Bolsa Família (mínimo de R$ 600 por família acrescidos de R$ 150 reais por criança de 0 a 6 anos e R$ 50 por adolescente de 7 a 18 anos e por gestante). Por fim, foi nomeada equipe especializada para a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA) do Ministério dos Direitos Humanos.
O Mapa das Desigualdades do Distrito Federal é produzido pelo Inesc (instituto de Estudos Socioeconômicos), com apoio da Oxfam Brasil, a partir da última Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (IBGE/2021), analisando as questões raciais, de gênero e de classe. Na 5ª edição, o Mapa revela não apenas as discrepâncias de regiões tão próximas geograficamente, mas também aponta os caminhos para enfrentá-las.
Desigualdades sociais no DF aumentam
O Distrito Federal é um perfeito estudo de caso sobre as gritantes desigualdades no Brasil, em todos os indicadores de políticas públicas:
A maior renda per capita é 16 vezes o valor da menor renda;
As duas localidades com maior população negra (SCIA e Estrutural, 75,4%) são as que têm menor renda domiciliar – inferior a 2 salários mínimos e a maior taxa de homicídios por 100 mil habitantes – 50,8 (Gráfico 5 e 28);
Onde a renda domiciliar é superior a 20 salários mínimos (Lago Sul), a população negra representa menos de um terço do total de habitantes (Gráfico 5);
Regiões periféricas de maioria negra somam até 50% da população vivendo em insegurança alimentar nos últimos 3 meses (Gráfico 12);
Fercal, a segunda maior concentração de negros no DF (73%), tem a pior infraestrutura de todo o Distrito: menor saneamento básico (20% dos domicílios), menor abastecimento de água (61,4% dos domicílios) e maior quantidade de ruas esburacadas (acima de 70%);
O Plano Piloto (área com maioria da população branca) aparece como a região com o maior número de crimes de racismo e injúria racial (Gráficos 29 e 30);
Desigualdade de raça, gênero e classe
Os dados acima fazem parte da 5ª edição do Mapa das Desigualdades, produzido pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), com apoio da Oxfam Brasil, a partir da última Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (IBGE/2021), analisando as questões raciais, de gênero e de classe.
Com o intuito não apenas de revelar as discrepâncias de regiões tão próximas geograficamente, mas também de apontar os caminhos para enfrentá-las, o relatório propõe uma reflexão sobre as consequências da construção da capital federal, ignorando a situação socioeconômica das pessoas que ali viviam e das que chegaram, sem recursos, para a construção de Brasília.
A análise parte da situação racial no Distrito Federal, onde 57,4% da população se autodeclara negra. Das 33 Regiões Administrativas (RA) do DF, apenas 9 têm maioria branca. E são apenas esses espaços que dispõem de infraestrutura, cultura, segurança, saúde e educação adequadas. Nas regiões com maioria negra, a realidade é completamente oposta. (Veja quadros no estudo).
Orçamento do DF: falta transparência
O Inesc também avaliou a questão da falta de transparência nos dados do orçamento do Distrito Federal. “Em algumas áreas, as ações citadas nem sequer aparecem no orçamento do ano em vigor, o que sugere falta de prioridade governamental para a redução de desigualdades”, explica Cleo Manhas, assessora política do Instituto.
Na área de habitação, em 2022, houve um gasto de cerca de R$ 2,7 milhões para novas unidades e R$ 1,2 milhão para melhorias. Mas, em 2023, a continuidade dessas duas ações nem sequer aparecem no orçamento. Em relação ao saneamento, em 2023, a única ação que aparece é a regulação de serviços públicos, não havendo informações sobre ações relativas às águas pluviais e limpeza urbana.
Na área de transporte, a maior parte do recurso é destinada para a construção e manutenção da infraestrutura para carros, sem nenhuma execução de recursos para passarelas de pedestres, embora tenha sido gasto R$ 400 mil na construção de estacionamentos. “Na educação, embora haja um aporte em 2022 para novas unidades de educação infantil, a meta do Plano Nacional de Educação para a educação infantil ainda está longe de ser cumprida, especialmente com relação às creches”, completa Cleo.
Seminário discute impactos do Acordo entre a União Europeia e o Mercosul para a Amazônia
Nos dias 6 e 7 de fevereiro ocorrerá, em Brasília (DF), o Seminário Internacional “A retomada da democracia no Brasil: o papel da política externa e do comércio internacional”. Já são presenças confirmadas no evento: o deputado do Parlamento do Mercosul (Parlasul), Ricardo Canese, dos eurodeputados, Ana Cavazzini, Miguel Urban, Michèle Rivasi, além das deputadas brasileiras Fernanda Melchionna e Duda Salabert e do deputado Nilto Tatto. Representantes da sociedade civil, movimentos sociais e de organizações internacionais também estarão no evento.
O objetivo é estabelecer um diálogo democrático entre governo, parlamentares e sociedade civil sobre as ameaças do Acordo entre o Mercosul e a União Europeia, em especial para os povos da Amazônia e os sul-americanos.
Ampliação do debate com a sociedade civil
A Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA, promotora da atividade, considera o Acordo de comércio com os países europeus ultrapassado e desigual. Reforça a necessidade de ampliação do debate com a sociedade civil. “Reconhecemos a relevância do estreitamento das relações políticas, comerciais e de cooperação com a União Europeia, mas elas precisam ser pautadas em negociações legítimas, transparentes e com ampla participação da sociedade civil, além de reconhecer os desafios socioeconômicos e climáticos dos tempos atuais”, aponta Maureen Santos, coordenadora do Grupo Nacional de Assessoria da Fase (Solidariedade e Educação).
O Acordo, da forma que está, incentiva a ampliação da produção agropecuária para exportação nos países do Mercosul, acelerando a destruição ambiental e limitando as possibilidades de melhorias sociais e econômicas para pequenos agricultores(as), povos originários e outras comunidades tradicionais. “O Acordo não contém cláusula ambiental compulsória, nem estabelece qual arcabouço legal ou o espaço para litigância em caso de surgirem conflitos, tornando frágil a possibilidade de ações efetivas de reparação para violações de direitos humanos e territoriais”, observa Tatiana Oliveira, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).
Expansão do agronegócio e conflitos socioambientais
A expansão da produção de soja, milho, carnes e minérios na região nos últimos anos é responsável por graves conflitos socioambientais, os quais podem se intensificar com a redução ou eliminação de tarifas comerciais. O Acordo deve facilitar o aumento da importação de agrotóxicos da Europa que são proibidos nos seus países de origem e de carros a combustão, já produzidos no Brasil.
Do ponto de vista ambiental e climático, o Acordo contribui para o aumento das emissões de gases do efeito estufa e para a devastação da Amazônia, beneficiam de forma desproporcional as empresas transnacionais europeias e aprofundam a desindustrialização no Mercosul. “As negociações de políticas internacionais devem, também, seguir o compromisso do atual governo sobre a retomada da participação social. A Frente defende que novos modelos de comércio, que respondam às necessidades dos povos e ao contexto histórico de hoje, devem ser pautados nos princípios de solidariedade, igualdade, cooperação, sustentabilidade e democracia”, pontua Lúcia Ortiz, da Amigos da Terra Brasil.
Antecede o Seminário uma visita de três dias de campo com parlamentares e jornalistas convidados em Santarém (PA). Na oportunidade, serão realizadas visitas a áreas desmatadas pelo avanço do agronegócio, portos e infraestruturas logísticas para a exportação de commodities, seguidas de rodas de conversas com comunidades tradicionais e rurais da região.
Uma frente em defesa da democracia
A Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA foi criada em setembro de 2020 para atuar no enfrentamento aos desmontes e desmandos promovidos na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro na área de comércio internacional. No período de transição para o novo governo eleito, a Frente atuou, com propostas, nos GTs de Meio Ambiente, Participação Social e Relações Exteriores. Fazem parte da coordenação colegiada da Frente: Fase (Educação e Solidariedade, Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), Amigos da Terra Brasil, Rebrip (Rede Brasileira pela Integração dos Povos), Internacional dos Serviços Públicos (ISP), Rede Jubileu Sul e Contraf Brasil (Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar). O Seminário conta com o apoio da Misereor e HEKS.
Por uma integração latino-americana participativa
Com Lula presidente o Brasil volta para o cenário global, especialmente para promover a integração latino-americana que, espera-se, seja inclusiva e participativa, possibilitando maior protagonismo da região nas relações de poder internacionais.
No primeiro dia do ano de 2023, Lula foi empossado Presidente do Brasil pela terceira vez, feito inédito na história do país. Uma multidão vermelha tomou conta da capital Brasília, milhares de pessoas foram assistir ao evento cantando e festejando. Havia apreensão no ar, pois dias antes bolsonaristas promoveram atos terroristas violentos, explodindo bombas e incendiando carros e ônibus. Mas nada impediu a alegria do povo, ansioso por dar as boas vindas a quem tinha contribuído para tirar o fascista do Palácio do Planalto.
No mesmo dia foi confirmado o ministério do Lula, 37 integrantes do primeiro escalão, entre nordestinos, mulheres, negros e indígena, composição muito mais diversa da que estávamos acostumados nos últimos anos, majoritariamente integrado por homens brancos. O número de pastas é também sinal de que a complexidade da sociedade brasileira requer múltiplas interlocuções para a solução efetiva e criativa dos problemas econômicos, sociais, políticos, culturais e ambientais que a sociedade brasileira enfrenta.
VII Cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos
Foram anunciadas prioridades entre as quais o combate à fome e ao aquecimento global e a retomada da participação social desdenhada pela gestão Bolsonaro. Lula sinalizou ainda a importância que a integração latino-americana irá ocupar na sua agenda internacional. Com efeito, sua primeira viagem além-fronteiras é para participar da VII Cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), realizada 23 e 24 de janeiro em Buenos Aires, sob a presidência pro-tempore da Argentina. Com essa participação, o Brasil passa a reintegrar a Celac, abandonada por Bolsonaro em 2019. A mudança de postura do governo do maior país da América do Sul simboliza o retorno do Brasil à sua própria região.
Mecanismos de integração regional são relevantes, pois podem propiciar a conquista de espaços de autonomia e soberania para definição de políticas públicas e opções econômicas próprias. Isto é, uma integração que contribua para o desenvolvimento sustentável dos países e territórios bem como do exercício da soberania democrática dos povos.
Para que tal integração aconteça a participação social é necessária. Os poderes públicos dos Estados-membro precisam escutar as vozes e as demandas dos sujeitos de direito. As experiências brasileira e internacional têm demonstrado que a participação de organizações e movimentos sociais nas decisões dos governos traz muitos ganhos como o aumento da legitimidade política, o aprimoramento da governança, o melhor desempenho das políticas públicas uma vez que há maior proximidade com as necessidades dos cidadãos e a possibilidade de mediar conflitos.
Os espaços de participação permitem a incorporação de uma pluralidade de atores sociais nos processos decisórios sobre as políticas, não se restringindo apenas aos grupos com influência sobre os tomadores de decisão, aumentando consequentemente a transparência e a prestação de contas. Ademais, a participação social contribui, e muito, para evitar custos elevados decorrentes de corrupção, de paralisações de obras e de processos judiciais de grandes projetos advindos de violações de direitos de povos e territórios impactados.
Espera-se que o presidente Lula não somente crie um Conselho Nacional de Política Externa – o Itamaraty é um dos poucos ministérios que ainda não conta com mecanismo institucional de participação social – como leve para os espaços existentes de integração regional a proposta de implementação de institucionalidades de interação entre Estado e Sociedade. Em relação à Celac, por exemplo, em 2021 mais de 40 organizações da sociedade civil da América Latina e do Caribe apresentaram aos governos da região proposta para a criação da Celac Social.
Há expectativa de inúmeros atores sociais da região de que o Brasil lidere um processo de espraiamento da participação da sociedade em assuntos de interesse público. O país tem experiência e reúne evidências de que trata-se de um mecanismo em que todas as partes ganham. A participação social é necessária para assegurar uma integração regional efetivamente cidadã.
Governo de transição: Inesc contribuiu com GTs e Conselho de Participação Social
Durante o processo de transição do atual governo para o novo mandato de Lula, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) contribuiu com os trabalhos dos Grupos Técnicos (GTs) em diversas áreas, e também com o Conselho de Participação Social . Sete integrantes da Instituição, entre assessoras políticas e dirigentes, colaboraram voluntariamente com os GTs de Desenvolvimento Social, Relações Exteriores, Cidades, Povos Originários, e Igualdade Racial. Além destes, Rosali Faria, conselheira do Inesc, foi nomeada como uma das coordenadoras do GT de Mulheres.
Os Grupos Técnicos e o Conselho produziram relatórios com diagnóstico abrangente de cada área, reunindo informações sobre a gestão dos órgãos e entidades que compõem a Administração Pública Federal. Também recomendaram medidas a serem tomadas no início do novo governo. Publicação lançada em abril pelo Inesc, o relatório “A conta do desmonte – Balanço Geral do Orçamento da União 2021“, serviu de subsídio para constatar o processo de desfinanciamento de políticas públicas que, interrompidas ou prejudicadas pela má gestão de recursos, fizeram o Brasil retroceder no combate às desigualdades e na preservação dos direitos humanos.
Na tarde desta terça (13/12), o presidente eleito Lula da Silva recebeu os relatórios finais, em cerimônia que encerrou os trabalhos dos Grupos Técnicos da transição, em Brasília. Antes, reuniu-se com o Conselho de Participação Social, no qual o integrante do colegiado de gestão do Inesc, José Antônio Moroni, participou ativamente, representando a Plataforma dos Movimentos Sociais por Outro Sistema Político.
“Nossa participação nos GTs e no Conselho é também um reconhecimento do trabalho do Inesc, que, durante os últimos anos, se empenhou em denunciar o desmonte orçamentário e das políticas públicas do governo Bolsonaro e, junto a outras ONGs e movimentos sociais, incidiu para que a população tivesse acesso ao mínimo necessário, mesmo diante do enorme retrocesso de direitos”, relembrou Moroni. “Esperamos que o novo mandato de Lula siga em diálogo aberto com as organizações da sociedade civil. Só conseguiremos reconstruir esse país com a participação dos que estiveram na linha de frente contra o avanço do conservadorismo e sofrendo as consequências do desmonte ”, concluiu.
Candidaturas Coletivas nas Eleições 2022
Estudo do Inesc, em parceria com o coletivo Common Data, faz uma análise quali-quantitativa das candaturas coletivas que foram às urnas em 2022. O objetivo é auxiliar na produção de conhecimentos sobre essa alternativa à política tradicional e constituir evidências que possam embasar estudos futuros mais detalhados.
A partir da análise e tratamento dos dados fornecidos pelo TSE, pretendemos fundamentar respostas a questões como: quantos são? Em que regiões estão mais concentrados? Em que espectro político são mais expressivos? Quantos cocandidatos reúnem? Quais são os perfis das pessoas que se registram como cabeças de chapa em termos de gênero, raça/cor e faixa etária? São mandatos majoritariamente progressistas, situados no campo da “esquerda”, ou já se pulverizaram para os diferentes partidos e defendem pautas diversas? Têm o potencial de manter-se como alternativa à política tradicional ou correm o risco de ser capturados pela lógica fisiológica predominante na política?
Orçamento secreto é controlado por pequeno grupo de partidos, parlamentares e pessoas externas
O orçamento secreto movimentou entre 2020 e outubro de 2022 R$ 45 bilhões de empenhos e R$ 28 bilhões de pagamentos, considerando compromissos assumidos e pagos em cada ano somados aos pagamentos de valores empenhados desde 2020, os chamados “restos a pagar pagos”.
Tabela 1: Valores do orçamento secreto (valores correntes)
Fonte: Siga Brasil/Senado (data da extração: 24 de outubro de 2022). Elaboração: Inesc e Observatório do Clima.
Para 2023 estão previstos no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA 2023) mais R$ 19 bilhões. Isto significa, por exemplo, que a cada R$ 100 reais de recursos separados para despesas não obrigatórias – como o combate ao desmatamento, ao abuso e violência sexual contra crianças ou para saneamento urbano, entre tantas outras políticas – pelo menos R$ 15 serão distribuídos seguindo a vontade de um pequeno grupo de deputados e senadores com base em critérios políticos e partidários nada transparentes.
A apuração dos valores executados pelo orçamento secreto, incluindo os pagamentos dos restos a pagar pagos, só é possível porque os dados estão consolidados no portal Siga Brasil/Senado com uma marcação denominada RP9 (Resultado Primário 9), uma forma de classificação da despesa pública utilizada para separar a execução das despesas que tiveram como origem valores indicados pelo parlamentar relator do orçamento de outros gastos que também impactam no chamado Resultado Primário[1].
As emendas de relator estão concentradas na função saúde, que representou 57,4% dos R$ 28,79 bilhões já pagos; seguido da função urbanismo, com 11,53%; da assistência social, com 5%, e da educação com 4,68% (Siga/Senado).
Ainda que gastos mais elevados com saúde sejam de inegável urgência e relevância, os critérios políticos de destinação das emendas de relator representam um desvio inconstitucional e sem precedentes dos critérios estabelecidos para repartição dos recursos públicos destinados a esta política. Desvio semelhante ocorre com os recursos destinados à assistência social e educação. Como já alertou o Tribunal de Contas da União (TCU), estas políticas públicas se sujeitam a um regime jurídico-constitucional que exige critérios objetivos de escolha dos destinatários e repasse de recursos do orçamento da União. Assim, as emendas RP9 não são compatíveis com os princípios, diretrizes e objetivos constitucionais que norteiam o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (Suas) (TC 008.731/2022-5).
Não menos grave é a instrumentalização das demais políticas para a realização de pagamentos a prefeituras, bem como a pessoas jurídicas privadas que resultam no favorecimento de iniciativas ligadas a grupos políticos e partidários.
Exemplo sintomático é a execução da ação ligada ao Ministério da Cidadania, voltada ao desenvolvimento de atividades e apoio a projetos e eventos de esporte, educação, lazer e inclusão social, que deveria atender a todo o país. Esta ação tem sido utilizada para viabilizar a execução de emendas de relator que se concentram em poucos beneficiários e lugares. É o caso da ONG denominada Instituto Carioca de Atividades (ICA), que acumula em 2022 R$ 20 milhões empenhados e R$ 12 milhões pagos. De 2020 a 2022 a mesma ONG recebeu R$ 98 milhões em emendas, principalmente emendas de relator. O cruzamento de dados que apresentamos a seguir permitiu identificar quem indicou os recursos executados em benefício da ONG, são eles, Hugo Leal (PSD), Daniel Silveira (PTB) e Nicodemos de Carvalho Mota, este último sendo ele próprio o diretor administrativo do Instituto Carioca de Atividades, segundo página do Linkedin.
Escolhas metodológicas para o cruzamento de bases de dados
Embora classificado com o marcador RP9, o orçamento continua secreto, porque não existe hoje uma base pública de informação que relacione os valores indicados pelos deputados, senadores e usuários externos com os pagamentos efetivamente realizados. Ou seja, não é possível saber, de maneira oficial, quem indicou os valores pagos pelo Executivo federal.
A partir de 2021, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), começaram a ser publicadas no site da Comissão Mista de Orçamento (CMO) listas com os nomes dos parlamentares e suas respectivas indicações de valores e beneficiários. Em 2022, já foram publicadas 56 listas com o nome de quem indica (deputado, senador e usuário externo, “qualquer pessoa” pode indicar beneficiários), o favorecido indicado (nome e CNPJ), a partir de qual órgão será executada a despesa, e o valor indicado, entre outras informações. Mas estas listas são publicadas uma a uma, em planilhas de Excel, e sequer trazem os partidos dos quais os deputados e senadores fazem parte.
Com o propósito de demonstrar o caráter político da falta de transparência do Executivo e Legislativo, bem como do uso do recurso público, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e o Observatório do Clima elaboraram um levantamento inédito, revelando o que é possível hoje saber sobre a execução deste orçamento entre janeiro e outubro de 2022.
O cruzamento de dados teve como objetivo juntar duas bases diferentes: a lista consolidada de indicações de emendas publicada pela Comissão Mista de Orçamento (Lista CMO) e a base de dados da execução das emendas (RP9) disponibilizada na plataforma Siga Brasil do Senado federal. Os dados foram cruzados a partir dos CNPJs indicados (CMO) e beneficiados (Siga).
Foram reunidas todas as 56 listas publicadas pela CMO em uma só planilha, e foram acrescidos manualmente os partidos dos deputados e senadores que fizeram indicações de recursos para o ano de 2022.
Foi extraído do Portal Siga Brasil a execução das emendas RP9, com o filtro de CNPJs beneficiados por cada pagamento, incluindo os valores empenhados e pagos entre janeiro e outubro de 2022. Desta forma, não foram considerados os valores pagos referentes a restos a pagar pagos.
Foi feito o cruzamento de dados utilizando as duas bases a partir do CNPJ. Desta forma, foram correlacionadas as indicações para cada CNPJ com a respectiva execução orçamentária do RP9 para este mesmo CNPJ. O cruzamento utilizou a linguagem de programação (python).
Não foram considerados os valores relativos a restos a pagar pagos em 2022 (R$ 4,3 bilhões) que resultaram de indicações realizadas em anos anteriores, conforme valores apresentados na tabela 2.
No cruzamento que resulta, assim, da junção de duas bases, foram identificadas perda de dados/valores: i) de R$ 1,1 bilhões, em relação ao que foi indicado na lista da CMO; ii) de R$ 572 milhões de empenhos e R$ 129 milhões de pagamentos em relação aos valores da base de execução utilizada (Siga Brasil). As perdas de valores em função do cruzamento são registradas na tabela 2.
Tabela 2: Valores nas bases originais (CMO e Siga), valores capturados pelo cruzamento de dados e perdas de valores (dados de 2022)
Fonte: Siga (extração de dados 24 de outubro de 2022), lista CMO e cruzamento de dados. Elaboração: Inesc e Observatório do Clima.
A checagem de dados demonstrou que a perda de valores pode ser atribuída, principalmente, ao desencontro de CNPJs entre as duas bases; ou seja, não execução de valores indicados (perda de R$ 1,1 bilhão) ou execução de valores para CNPJs sem correspondente na lista de indicações (perda de R$ 572 milhões em valores empenhados e R$ 189 milhões em valores pagos).
Em relação às perdas de valores empenhados e pagos cabe citar um exemplo. Em 2022 foi feito empenho de R$ 77,35 milhões e pagamento no valor de R$ 15,36 milhões para a empresa Construmaster Construção e Locação de Máquinas LTDA (CNPJ: 12463759000190), localizada no Maranhão, para realização de serviços de pavimentação de rodovias. Esta execução (que pode ser localizada na planilha de dados, na aba “base SIGA”) não foi capturada pelo cruzamento, uma vez que o CNPJ não possui correspondente na lista da CMO, ou seja, não aparece nenhuma indicação para este beneficiário/CNPJ.
O cruzamento demonstrou grande ocorrência de casos em que mais de uma pessoa/deputado/senador de mais de um partido indica um mesmo CNPJ como beneficiário, situação que predomina na execução de recursos da saúde. Nestes casos, os valores da execução por CNPJ beneficiário só podem ser individualizados a partir da atribuição manual de valores entre parlamentares e usuários externos que realizaram a indicação.
Diante disto, que só reforça o caráter secreto do orçamento, optou-se por um tratamento manual da base a fim de atribuir, quando possível, os valores pagos às respectivas indicações, de forma individualizada. Para tanto foram adotados como critérios:
Distribuição dos valores pagos entre as indicações nos casos em que a somatória dos valores indicados é igual ou muito próxima ao valor pago e/ou quando a somatória dos valores pagos é superior aos valores indicados;
Não distribuição da execução entre indicações quando os valores pagos são inferiores aos valores indicados; onde não há correspondência de valor que permita correlacionar o pagamento a uma ou mais indicações; ou onde um valor pago é igual a um mesmo valor indicado por mais de um parlamentar e/ou usuário externo;
Atribuição preferencial de valores de execução a deputados e senadores em detrimento de indicações de usuários externos.
Desta forma, a Coluna D do cruzamento atribui linha a linha os pagamentos efetivamente realizados às respectivas indicações de parlamentares e usuários externos, quando possível. Isto significa que em muitos casos não foi possível atribuir valores, o que resultou na não atribuição de execução no valor de R$ 957 milhões.
O objetivo do presente levantamento foi o de demonstrar o caráter político da falta de transparência das emendas de relator e, também, estimular as pessoas a se apropriarem desta base de dados que, apesar de limitada no tempo, dado que abarca somente recursos pagos de janeiro a 24 de outubro de 2022, é notadamente reveladora do controle do orçamento público por partidos e pessoas.
Os resultados do cruzamento de dados:
No cruzamento foi possível atribuir individualmente emendas pagas no valor de R$ 5,88 bilhões (Coluna D). Como os valores pagos no cruzamento somaram R$ 6,8 bilhões (Coluna C), registra-se que não foi possível atribuir individualmente o valor de R$ 1 bilhão.
Dos R$ 5,88 bilhões de valores atribuídos tem-se que:
Seis partidos (PP, PL, PSD, MDB, UNIÃO E REPUBLICANOS) concentram 81% do total executado por indicação de partidos.
Usuários externos controlam sozinhos 31,3% dos recursos pagos.
O cruzamento de dados mostrou que a possibilidade de usuários externos realizar indicações de emendas, fato já amplamente noticiado pela imprensa, tem sido intensamente utilizada para mascarar a execução de elevados valores, o que seria factível caso não houvessem padrinhos – partidos e parlamentares – por trás de tais indicações. Vale notar que consta no presente levantamento as execuções atribuídas, por exemplo, a Roberto Rodrigues uma das pessoas presas na operação quebra ossos.
Tabela 3: Síntese das indicações e execuções por partido (valores indicados e pagos de janeiro a outubro de 2022)
Fonte: Siga (extração de dados 24 de outubro de 2022), lista CMO e cruzamento de dados. Elaboração: Inesc e Observatório do Clima.
Os maiores executores do orçamento secreto
A planilha que resultou do cruzamento de dados das listas da CMO com os dados orçamentários do Siga também permite a identificação de quais deputados, senadores e usuários externos tiveram os CNPJs por eles indicados beneficiados pela execução orçamentária.
No topo da lista da execução do orçamento secreto aparece o deputado Arthur Lira (PP/AL) que indicou R$ 134,52 milhões em emendas para CNPJs que tiveram uma execução de R$ 127,2 milhões.
Em segundo e quarto lugar na lista de quem mais executa o orçamento secreto estão dois usuários externos cujos nomes já foram identificados pela imprensa por terem indicados valores elevados, sem que se soubesse, contudo, quais os montantes pagos associados às indicações. São eles: Carlos Guilherme Pereira Junior e Dener Bolonha.
Tabela 4 – Os maiores executores do orçamento secreto
Fonte: Siga (extração de dados 24 de outubro de 2022), lista CMO e cruzamento de dados. Elaboração: Inesc e Observatório do Clima.
Os dados aqui revelados foram produzidos ao longo de três semanas de trabalho, exigiram a utilização de linguagem de programação e um extenso trabalho manual (Coluna D) de atribuição de valores executados às indicações, demonstrando o caráter político e inaceitável da falta de transparência e do destino de uma parcela cada vez maior do orçamento público federal sem o amparo legal.
[1] Além do chamado RP 9 existem as despesas primárias obrigatórias (RP1), as despesas primárias discricionárias (RP2), as despesas financeiras (RP0) e outras formas de emenda parlamentar: emendas individuais (RP6), emendas de bancada (RP7) e emendas de comissão (RP8).