Doe

Seminário discute impactos do Acordo entre a União Europeia e o Mercosul para a Amazônia

Nos dias 6 e 7 de fevereiro ocorrerá, em Brasília (DF), o Seminário Internacional “A retomada da democracia no Brasil: o papel da política externa e do comércio internacional”. Já são presenças confirmadas no evento: o deputado do Parlamento do Mercosul (Parlasul), Ricardo Canese, dos eurodeputados, Ana Cavazzini, Miguel Urban, Michèle Rivasi, além das deputadas brasileiras Fernanda Melchionna e Duda Salabert e do deputado Nilto Tatto. Representantes da sociedade civil, movimentos sociais e de organizações internacionais também estarão no evento.

O objetivo é estabelecer um diálogo democrático entre governo, parlamentares e sociedade civil sobre as ameaças do Acordo entre o Mercosul e a União Europeia, em especial para os povos da Amazônia e os sul-americanos.

Ampliação do debate com a sociedade civil

A Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA, promotora da atividade, considera o Acordo de comércio com os países europeus ultrapassado e desigual. Reforça a necessidade de ampliação do debate com a sociedade civil. “Reconhecemos a relevância do estreitamento das relações políticas, comerciais e de cooperação com a União Europeia, mas elas precisam ser pautadas em negociações legítimas, transparentes e com ampla participação da sociedade civil, além de reconhecer os desafios socioeconômicos e climáticos dos tempos atuais”, aponta Maureen Santos, coordenadora do Grupo Nacional de Assessoria da Fase (Solidariedade e Educação).

O Acordo, da forma que está, incentiva a ampliação da produção agropecuária para exportação nos países do Mercosul, acelerando a destruição ambiental e limitando as possibilidades de melhorias sociais e econômicas para pequenos agricultores(as), povos originários e outras comunidades tradicionais. “O Acordo não contém cláusula ambiental compulsória, nem estabelece qual arcabouço legal ou o espaço para litigância em caso de surgirem conflitos, tornando frágil a possibilidade de ações efetivas de reparação para violações de direitos humanos e territoriais”, observa Tatiana Oliveira, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

Expansão do agronegócio e conflitos socioambientais

A expansão da produção de soja, milho, carnes e minérios na região nos últimos anos é responsável por graves conflitos socioambientais, os quais podem se intensificar com a redução ou eliminação de tarifas comerciais. O Acordo deve facilitar o aumento da importação de agrotóxicos da Europa que são proibidos nos seus países de origem e de carros a combustão, já produzidos no Brasil.

Do ponto de vista ambiental e climático, o Acordo contribui para o aumento das emissões de gases do efeito estufa e para a devastação da Amazônia, beneficiam de forma desproporcional as empresas transnacionais europeias e aprofundam a desindustrialização no Mercosul. “As negociações de políticas internacionais devem, também, seguir o compromisso do atual governo sobre a retomada da participação social. A Frente defende que novos modelos de comércio, que respondam às necessidades dos povos e ao contexto histórico de hoje, devem ser pautados nos princípios de solidariedade, igualdade, cooperação, sustentabilidade e democracia”, pontua Lúcia Ortiz, da Amigos da Terra Brasil.

Antecede o Seminário uma visita de três dias de campo com parlamentares e jornalistas convidados em Santarém (PA). Na oportunidade, serão realizadas visitas a áreas desmatadas pelo avanço do agronegócio, portos e infraestruturas logísticas para a exportação de commodities, seguidas de rodas de conversas com comunidades tradicionais e rurais da região.

Uma frente em defesa da democracia

A Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA foi criada em setembro de 2020 para atuar no enfrentamento aos desmontes e desmandos promovidos na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro na área de comércio internacional. No período de transição para o novo governo eleito, a Frente atuou, com propostas, nos GTs de Meio Ambiente, Participação Social e Relações Exteriores. Fazem parte da coordenação colegiada da Frente: Fase (Educação e Solidariedade, Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), Amigos da Terra Brasil, Rebrip (Rede Brasileira pela Integração dos Povos), Internacional dos Serviços Públicos (ISP), Rede Jubileu Sul e Contraf Brasil (Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar). O Seminário conta com o apoio da Misereor e HEKS.

Por uma integração latino-americana participativa

Com Lula presidente o Brasil volta para o cenário global, especialmente para promover a integração latino-americana que, espera-se, seja inclusiva e participativa, possibilitando maior protagonismo da região nas relações de poder internacionais.

No primeiro dia do ano de 2023, Lula foi empossado Presidente do Brasil pela terceira vez, feito inédito na história do país. Uma multidão vermelha tomou conta da capital Brasília, milhares de pessoas foram assistir ao evento cantando e festejando. Havia apreensão no ar, pois dias antes bolsonaristas promoveram atos terroristas violentos, explodindo bombas e incendiando carros e ônibus. Mas nada impediu a alegria do povo, ansioso por dar as boas vindas a quem tinha contribuído para tirar o fascista do Palácio do Planalto.

No mesmo dia foi confirmado o ministério do Lula, 37 integrantes do primeiro escalão, entre nordestinos, mulheres, negros e indígena, composição muito mais diversa da que estávamos acostumados nos últimos anos, majoritariamente integrado por homens brancos. O número de pastas é também sinal de que a complexidade da
sociedade brasileira requer múltiplas interlocuções para a solução efetiva e criativa dos problemas econômicos, sociais, políticos, culturais e ambientais que a sociedade brasileira enfrenta.

VII Cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos

Foram anunciadas prioridades entre as quais o combate à fome e ao aquecimento global e a retomada da participação social desdenhada pela gestão Bolsonaro. Lula sinalizou ainda a importância que a integração latino-americana irá ocupar na sua agenda internacional. Com efeito, sua primeira viagem além-fronteiras é para participar
da VII Cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), realizada 23 e 24 de janeiro em Buenos Aires, sob a presidência pro-tempore da Argentina. Com essa participação, o Brasil passa a reintegrar a Celac, abandonada por Bolsonaro em 2019. A mudança de postura do governo do maior país da América do
Sul simboliza o retorno do Brasil à sua própria região.

Mecanismos de integração regional são relevantes, pois podem propiciar a conquista de espaços de autonomia e soberania para definição de políticas públicas e opções econômicas próprias. Isto é, uma integração que contribua para o desenvolvimento sustentável dos países e territórios bem como do exercício da soberania democrática dos povos.

Para que tal integração aconteça a participação social é necessária. Os poderes públicos dos Estados-membro precisam escutar as vozes e as demandas dos sujeitos de direito. As experiências brasileira e internacional têm demonstrado que a participação de organizações e movimentos sociais nas decisões dos governos traz muitos ganhos
como o aumento da legitimidade política, o aprimoramento da governança, o melhor desempenho das políticas públicas uma vez que há maior proximidade com as necessidades dos cidadãos e a possibilidade de mediar conflitos.

Os espaços de participação permitem a incorporação de uma pluralidade de atores sociais nos processos decisórios sobre as políticas, não se restringindo apenas aos grupos com influência sobre os tomadores de decisão, aumentando consequentemente a transparência e a prestação de contas. Ademais, a participação social contribui, e muito, para evitar custos elevados decorrentes de corrupção, de paralisações de obras e de processos judiciais de grandes projetos advindos de violações de direitos de povos e territórios impactados.

Espera-se que o presidente Lula não somente crie um Conselho Nacional de Política Externa – o Itamaraty é um dos poucos ministérios que ainda não conta com mecanismo institucional de participação social – como leve para os espaços existentes de integração regional a proposta de implementação de institucionalidades de interação entre Estado e Sociedade. Em relação à Celac, por exemplo, em 2021 mais de 40 organizações da sociedade civil da América Latina e do Caribe apresentaram aos governos da região proposta para a criação da Celac Social.

Há expectativa de inúmeros atores sociais da região de que o Brasil lidere um processo de espraiamento da participação da sociedade em assuntos de interesse público. O país tem experiência e reúne evidências de que trata-se de um mecanismo em que todas as partes ganham. A participação social é necessária para assegurar uma
integração regional efetivamente cidadã.

Governo de transição: Inesc contribuiu com GTs e Conselho de Participação Social

Durante o processo de transição do atual governo para o novo mandato de Lula, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) contribuiu com os trabalhos dos Grupos Técnicos (GTs) em diversas áreas, e também com o Conselho de Participação Social . Sete integrantes da Instituição, entre assessoras políticas e dirigentes, colaboraram voluntariamente com os GTs de Desenvolvimento Social, Relações Exteriores, Cidades, Povos Originários, e Igualdade Racial. Além destes, Rosali Faria, conselheira do Inesc, foi nomeada como uma das coordenadoras do GT de Mulheres.

Os Grupos Técnicos e o Conselho produziram relatórios com diagnóstico abrangente de cada área, reunindo informações sobre a gestão dos órgãos e entidades que compõem a Administração Pública Federal. Também recomendaram medidas a serem tomadas no início do novo governo. Publicação lançada em abril pelo Inesc, o relatório “A conta do desmonte – Balanço Geral do Orçamento da União 2021“,  serviu de subsídio para constatar o processo de desfinanciamento de políticas públicas que, interrompidas ou prejudicadas pela má gestão de recursos, fizeram o Brasil retroceder no combate às desigualdades e na preservação dos direitos humanos.

Na tarde desta terça (13/12), o presidente eleito Lula da Silva recebeu os relatórios finais, em cerimônia que encerrou os trabalhos dos Grupos Técnicos da transição, em Brasília. Antes, reuniu-se com o Conselho de Participação Social, no qual o integrante do colegiado de gestão do Inesc, José Antônio Moroni, participou ativamente, representando a Plataforma dos Movimentos Sociais por Outro Sistema Político.

“Nossa participação nos GTs e no Conselho é também um reconhecimento do trabalho do Inesc, que, durante os últimos anos, se empenhou em denunciar o desmonte orçamentário e das políticas públicas do governo Bolsonaro e, junto a outras ONGs e movimentos sociais, incidiu para que a população tivesse acesso ao mínimo necessário, mesmo diante do enorme retrocesso de direitos”, relembrou Moroni.  “Esperamos que o novo mandato de Lula siga em diálogo aberto com as organizações da sociedade civil. Só conseguiremos reconstruir esse país com a participação dos que estiveram na linha de frente contra o avanço do conservadorismo e sofrendo as consequências do desmonte ”, concluiu.

Candidaturas Coletivas nas Eleições 2022

Estudo do Inesc, em parceria com o coletivo Common Data, faz uma análise quali-quantitativa das candaturas coletivas que foram às urnas em 2022.  O objetivo é auxiliar na produção de conhecimentos sobre essa alternativa à
política tradicional e constituir evidências que possam embasar estudos futuros mais detalhados.

A partir da análise e tratamento dos dados fornecidos pelo TSE,  pretendemos fundamentar respostas a questões como: quantos são? Em que regiões estão mais concentrados? Em que espectro político são mais expressivos? Quantos cocandidatos reúnem? Quais são os perfis das pessoas que se registram como cabeças de chapa em termos de gênero, raça/cor e faixa etária? São mandatos majoritariamente progressistas, situados no campo da “esquerda”, ou já se pulverizaram para os diferentes partidos e defendem pautas diversas? Têm o potencial de manter-se como alternativa à política tradicional ou correm o risco de ser capturados pela lógica fisiológica predominante na política?

Orçamento secreto é controlado por pequeno grupo de partidos, parlamentares e pessoas externas

O orçamento secreto movimentou entre 2020 e outubro de 2022 R$ 45 bilhões de empenhos e R$ 28 bilhões de pagamentos, considerando compromissos assumidos e pagos em cada ano somados aos pagamentos de valores empenhados desde 2020, os chamados “restos a pagar pagos”.

Tabela 1: Valores do orçamento secreto (valores correntes)

Fonte: Siga Brasil/Senado  (data da extração: 24 de outubro de 2022).
Elaboração: Inesc e Observatório do Clima.

Para 2023 estão previstos no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA 2023) mais R$ 19 bilhões. Isto significa, por exemplo, que a cada R$ 100 reais de recursos separados para despesas não obrigatórias – como o combate ao desmatamento, ao abuso e violência sexual contra crianças ou para saneamento urbano, entre tantas outras políticas – pelo menos R$ 15 serão distribuídos seguindo a vontade de um pequeno grupo de deputados e senadores com base em critérios políticos e partidários nada transparentes.

A apuração dos valores executados pelo orçamento secreto, incluindo os pagamentos dos restos a pagar pagos, só é possível porque os dados estão consolidados no portal Siga Brasil/Senado com uma marcação denominada RP9 (Resultado Primário 9), uma forma de classificação da despesa pública utilizada para separar a execução das despesas que tiveram como origem valores indicados pelo parlamentar relator do orçamento de outros gastos que também impactam no chamado Resultado Primário[1].

As emendas de relator estão concentradas na função saúde, que representou 57,4% dos R$ 28,79 bilhões já pagos; seguido da função urbanismo, com 11,53%; da assistência social, com 5%, e da educação com 4,68% (Siga/Senado).

Ainda que gastos mais elevados com saúde sejam de inegável urgência e relevância, os critérios políticos de destinação das emendas de relator representam um desvio inconstitucional e sem precedentes dos critérios estabelecidos para repartição dos recursos públicos destinados a esta política. Desvio semelhante ocorre com os recursos destinados à assistência social e educação. Como já alertou o Tribunal de Contas da União (TCU), estas políticas públicas se sujeitam a um regime jurídico-constitucional que exige critérios objetivos de escolha dos destinatários e repasse de recursos do orçamento da União. Assim, as emendas RP9 não são compatíveis com os princípios, diretrizes e objetivos constitucionais que norteiam o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (Suas) (TC 008.731/2022-5).

Não menos grave é a instrumentalização das demais políticas para a realização de pagamentos a prefeituras, bem como a pessoas jurídicas privadas que resultam no favorecimento de iniciativas ligadas a grupos políticos e partidários.

Exemplo sintomático é a execução da ação ligada ao Ministério da Cidadania, voltada ao desenvolvimento de atividades e apoio a projetos e eventos de esporte, educação, lazer e inclusão social, que deveria atender a todo o país. Esta ação tem sido utilizada para viabilizar a execução de emendas de relator que se concentram em poucos beneficiários e lugares. É o caso da ONG denominada Instituto Carioca de Atividades (ICA), que acumula em 2022 R$ 20 milhões empenhados e R$ 12 milhões pagos. De 2020 a 2022 a mesma ONG recebeu R$ 98 milhões em emendas, principalmente emendas de relator. O cruzamento de dados que apresentamos a seguir permitiu identificar quem indicou os recursos executados em benefício da ONG, são eles, Hugo Leal (PSD), Daniel Silveira (PTB) e Nicodemos de Carvalho Mota, este último sendo ele próprio o diretor administrativo do Instituto Carioca de Atividades, segundo página do Linkedin.

Escolhas metodológicas para o cruzamento de bases de dados

Embora classificado com o marcador RP9, o orçamento continua secreto, porque não existe hoje uma base pública de informação que relacione os valores indicados pelos deputados, senadores e usuários externos com os pagamentos efetivamente realizados. Ou seja, não é possível saber, de maneira oficial, quem indicou os valores pagos pelo Executivo federal.

A partir de 2021, por decisão do Supremo Tribunal Federal  (STF), começaram a ser publicadas no site da Comissão Mista de Orçamento (CMO) listas com os nomes dos parlamentares e suas respectivas indicações  de valores e beneficiários. Em 2022, já foram publicadas 56 listas com o nome de quem indica (deputado, senador e usuário externo, “qualquer pessoa” pode indicar beneficiários), o favorecido indicado (nome e CNPJ), a partir de qual órgão será executada a despesa, e o valor indicado, entre outras informações. Mas estas listas são publicadas uma a uma, em planilhas de Excel, e sequer trazem os partidos dos quais os deputados e senadores fazem parte.

Com o propósito de demonstrar o caráter político da falta de transparência do Executivo e Legislativo, bem como do uso do recurso público, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e o Observatório do Clima elaboraram um levantamento inédito, revelando o que é possível hoje saber sobre a execução deste orçamento entre janeiro e outubro de 2022.

O cruzamento de dados teve como objetivo juntar duas bases diferentes: a lista consolidada de indicações de emendas publicada pela Comissão Mista de Orçamento (Lista CMO) e a base de dados da execução das emendas (RP9) disponibilizada na plataforma Siga Brasil do Senado federal. Os dados foram cruzados a partir dos CNPJs indicados (CMO) e beneficiados (Siga).

>>> Acesse a planilha com as bases e o cruzamento de dados >>>

O levantamento seguiu os seguintes passos:

  • Foram reunidas todas as 56 listas publicadas pela CMO em uma só planilha, e foram acrescidos manualmente os partidos dos deputados e senadores que fizeram indicações de recursos para o ano de 2022.
  • Foi extraído do Portal Siga Brasil a execução das emendas RP9, com o filtro de CNPJs beneficiados por cada pagamento, incluindo os valores empenhados e pagos entre janeiro e outubro de 2022. Desta forma, não foram considerados os valores pagos referentes a restos a pagar pagos.
  • Foi feito o cruzamento de dados utilizando as duas bases a partir do CNPJ. Desta forma, foram correlacionadas as indicações para cada CNPJ com a respectiva execução orçamentária do RP9 para este mesmo CNPJ. O cruzamento utilizou a linguagem de programação (python).

Não foram considerados os valores relativos a restos a pagar pagos em 2022 (R$ 4,3 bilhões) que resultaram de indicações realizadas em anos anteriores, conforme valores apresentados na tabela 2.

No cruzamento que resulta, assim, da junção de duas bases, foram identificadas perda de dados/valores: i) de R$ 1,1 bilhões, em relação ao que foi indicado na lista da CMO; ii) de R$ 572 milhões de empenhos e R$ 129 milhões de pagamentos em relação aos valores da base de execução utilizada (Siga Brasil). As perdas de valores em função do cruzamento são registradas na tabela 2.

Tabela 2: Valores nas bases originais (CMO e Siga), valores capturados pelo cruzamento de dados e perdas de valores (dados de 2022)

Fonte: Siga (extração de dados 24 de outubro de 2022), lista CMO e cruzamento de dados.
Elaboração: Inesc e Observatório do Clima.

A checagem de dados demonstrou que a perda de valores pode ser atribuída, principalmente, ao desencontro de CNPJs entre as duas bases; ou seja, não execução de valores indicados (perda de R$ 1,1 bilhão) ou execução de valores para CNPJs sem correspondente na lista de indicações (perda de R$ 572 milhões em valores empenhados e R$ 189 milhões em valores pagos).

Em relação às perdas de valores empenhados e pagos cabe citar um exemplo. Em 2022 foi feito empenho de R$ 77,35 milhões e pagamento no valor de R$ 15,36 milhões para a empresa Construmaster Construção e Locação de Máquinas LTDA (CNPJ: 12463759000190), localizada no Maranhão, para realização de serviços de pavimentação de rodovias. Esta execução (que pode ser localizada na planilha de dados, na aba “base SIGA”) não foi capturada pelo cruzamento, uma vez que o CNPJ não possui correspondente na lista da CMO, ou seja, não aparece nenhuma indicação para este beneficiário/CNPJ.

O cruzamento demonstrou grande ocorrência de casos em que mais de uma pessoa/deputado/senador de mais de um partido indica um mesmo CNPJ como beneficiário, situação que predomina na execução de recursos da saúde. Nestes casos, os valores da execução por CNPJ beneficiário só podem ser individualizados a partir da atribuição manual de valores entre parlamentares e usuários externos que realizaram a indicação.

Diante disto, que só reforça o caráter secreto do orçamento, optou-se por um tratamento manual da base a fim de atribuir, quando possível, os valores pagos às respectivas indicações, de forma individualizada. Para tanto foram adotados como critérios:

  • Distribuição dos valores pagos entre as indicações nos casos em que a somatória dos valores indicados é igual ou muito próxima ao valor pago e/ou quando a somatória dos valores pagos é superior aos valores indicados;
  • Não distribuição da execução entre indicações quando os valores pagos são inferiores aos valores indicados; onde não há correspondência de valor que permita correlacionar o pagamento a uma ou mais indicações; ou onde um valor pago é igual a um mesmo valor indicado por mais de um parlamentar e/ou usuário externo;
  • Atribuição preferencial de valores de execução a deputados e senadores em detrimento de indicações de usuários externos.

Desta forma, a Coluna D do cruzamento atribui linha a linha os pagamentos efetivamente realizados às respectivas indicações de parlamentares e usuários externos, quando possível. Isto significa que em muitos casos não foi possível atribuir valores, o que resultou na não atribuição de execução no valor de R$ 957 milhões.

O objetivo do presente levantamento foi o de demonstrar o caráter político da falta de transparência das emendas de relator e, também, estimular as pessoas a se apropriarem desta base de dados que, apesar de limitada no tempo, dado que abarca somente recursos pagos de janeiro a 24 de outubro de 2022, é notadamente reveladora do controle do orçamento público por partidos e pessoas.

Os resultados do cruzamento de dados:

No cruzamento foi possível atribuir individualmente emendas pagas no valor de R$ 5,88 bilhões (Coluna D). Como os valores pagos no cruzamento somaram R$ 6,8 bilhões (Coluna C), registra-se que não foi possível atribuir individualmente o valor de R$ 1 bilhão.

Dos R$ 5,88 bilhões de valores atribuídos tem-se que:

  • Seis partidos (PP, PL, PSD, MDB, UNIÃO E REPUBLICANOS) concentram 81% do total executado por indicação de partidos.
  • Usuários externos controlam sozinhos 31,3% dos recursos pagos.

O cruzamento de dados mostrou que a possibilidade de usuários externos realizar indicações de emendas, fato já amplamente noticiado pela imprensa, tem sido intensamente utilizada para mascarar a execução de elevados valores, o que seria factível caso não houvessem padrinhos – partidos e parlamentares – por trás de tais indicações.  Vale notar que consta no presente levantamento as execuções atribuídas, por exemplo, a Roberto Rodrigues uma das pessoas presas na operação quebra ossos.

Tabela 3: Síntese das indicações e execuções por partido (valores indicados e pagos de janeiro a outubro de 2022)

Fonte: Siga (extração de dados 24 de outubro de 2022), lista CMO e cruzamento de dados.
Elaboração: Inesc e Observatório do Clima.

Os maiores executores do orçamento secreto

A planilha que resultou do cruzamento de dados das listas da CMO com os dados orçamentários do Siga também permite a identificação de quais deputados, senadores e usuários externos tiveram os CNPJs por eles indicados beneficiados pela execução orçamentária.

No topo da lista da execução do orçamento secreto aparece o deputado Arthur Lira (PP/AL) que indicou R$ 134,52 milhões em emendas para CNPJs que tiveram uma execução de R$ 127,2 milhões.

Em segundo e quarto lugar na lista de quem mais executa o orçamento secreto estão dois usuários externos cujos nomes já foram identificados pela imprensa por terem indicados valores elevados, sem que se soubesse, contudo, quais os montantes pagos associados às indicações. São eles: Carlos Guilherme Pereira Junior e Dener Bolonha.

Tabela 4 – Os maiores executores do orçamento secreto

Fonte: Siga (extração de dados 24 de outubro de 2022), lista CMO e cruzamento de dados.
Elaboração: Inesc e Observatório do Clima.

Os dados aqui revelados foram produzidos ao longo de três semanas de trabalho, exigiram a utilização de linguagem de programação e um extenso trabalho manual (Coluna D) de atribuição de valores executados às indicações, demonstrando o caráter político e inaceitável da falta de transparência e do destino de uma parcela cada vez maior do orçamento público federal sem o amparo legal.

 

[1] Além do chamado RP 9 existem as despesas primárias obrigatórias (RP1), as despesas primárias discricionárias (RP2), as despesas financeiras (RP0) e outras formas de emenda parlamentar: emendas individuais (RP6), emendas de bancada (RP7) e emendas de comissão (RP8).

 

 

 

Perfil dos eleitos nas Eleições de 2022

Pesquisa realizada pelo Inesc, em parceria com o coletivo Common Data, revela o perfil dos eleitos nas eleições nacionais, estaduais e distritais de 2022, a partir do cruzamento de dados sobre gênero, raça/cor, patrimônio e posição ideológica.  O estudo também quantificou os eleitos que utilizaram nomes de urna com menção a cargos militares, de
 forças de segurança ou religiosos.

 

Access to Medicines Thematic Budget (OTMED 2021)

Desculpe-nos, mas este texto está apenas disponível em Inglês Americano.

Orçamento Temático de Acesso a Medicamentos (OTMED 2021)

O Orçamento Temático de Acesso a Medicamentos (OTMED) analisa as despesas com a Assistência Farmacêutica efetuadas pelo Governo Federal. Em 2021, seu gasto cresceu 33% quando comparado com o do ano anterior – aumento impulsionado pela compra de vacinas para o enfrentamento da Covid-19. Contudo, apesar do agravamento da pandemia naquele ano, ao analisarmos o Orçamento da Saúde como um todo, seja considerando a Função Saúde ou o Orçamento do Ministério da Saúde, vemos que o volume de recursos investidos em 2021 foi similar ao de 2020.

 

Novo estudo mapeia origem do dinheiro do Orçamento Secreto em 2023

Pouco conhecida da opinião pública, a Reserva de Contingência é um mecanismo do orçamento da União que existe desde a década de 60 no Brasil e deveria funcionar como um “fundo de reserva” para resguardar os cofres públicos de eventuais situações inesperadas.

Contudo, nos últimos anos, a Reserva de Contingência se transformou em uma ferramenta de captura de recursos de órgãos e Fundos públicos e, mais recentemente, tem favorecido o crescimento do orçamento secreto, responsável pelo desempenho favorável de muitos partidos para garantir uma vaga nessas eleições para a Câmara e o Senado Federal.

R$ 19 bilhões para o orçamento secreto

Só no ano de 2022, o total de recursos alocados para Reserva de Contingência foi de R$ 58,5 bilhões, cifra que pulou para R$ 80,4 bilhões em 2023, segundo o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) enviado ao Congresso pelo governo do presidente Jair Bolsonaro. Desse total, R$ 19 bilhões já estão reservados para o orçamento secreto, valor que está dentro dos R$ 38,8 bilhões previstos pelo PLOA para todas as emendas de parlamentares (deputados, senadores e relator). Outros R$ 41 bilhões estão aprisionados como reserva financeira, basicamente para garantir o cumprimento do Teto dos Gastos.

Originalmente, a Reserva de Contingência deveria ter um valor mínimo fixado em 0,2% da Receita Corrente Líquida da União, para que o Poder Executivo pudesse abrir créditos suplementares, ao longo do ano, diante da necessidade de gastos não previamente conhecidos e autorizados nas Leis Orçamentárias Anuais. Porém, esse percentual já chega a 7%, funcionando como um verdadeiro cheque em branco do governo federal, que vai sendo “sacado” ao sabor de critérios e prioridades pouco transparentes.

“O orçamento para políticas públicas essenciais para enfrentar problemas sociais, ambientais, urbanos, de segurança pública entre tantos outros será inviabilizado com esta sobreposição dos efeitos do Teto dos Gastos e da Reserva de Contingência capturada pelas emendas de relator”, explica Alessandra Cardoso, assessora política da organização responsável pelo levantamento, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

De cada R$ 100,  R$ 15 serão gastos pelos que controlam o orçamento secreto

Segundo o estudo, os R$ 19 bilhões destinados às emendas de relator representam nada menos do que 15% de todas as despesas discricionárias da União em 2023 que somam R$ 132,2 bilhões. Ou seja, de cada R$ 100 reais gastos pela União em todo o Brasil e para todas as políticas públicas, pelo menos R$ 15 serão gastos a partir de indicação política do relator do orçamento, juntamente com partidos que controlam o orçamento secreto (PP, PL, PSD, União Brasil e Republicanos).

Ao inflar os números da Reserva de Contingência, o Governo Federal, além de incentivar a falta de transparência no Orçamento da União, também provoca a redução de verbas em áreas de onde esse dinheiro está sendo retirado.

De acordo com o Inesc, desde 2019, diversos fundos especiais públicos, como o Fundo Nacional do Meio Ambiente, estão sendo desmontados da sua essência, que era a de garantir receitas para setores estratégicos para financiar o combate às desigualdades no Brasil. Dos R$ 36 milhões que iriam para o Fundo Nacional do Meio Ambiente, R$ 33 bilhões foram capturados para a tal Reserva. Também não foi poupada uma fonte de recursos criada por uma legislação (Lei nº 7.347/85) voltada à reparação de danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos. Dos R$ 498,8 milhões previstos no PLOA 2023 para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, R$ 429 milhões (86%) ficaram aprisionados na Reserva de Contingência.

“É uma sentença de morte para estes Fundos Públicos que nasceram para assegurar recursos para políticas essenciais, mas com baixo poder de disputa dentro do orçamento geral da União”, afirma a assessora política do Inesc, Alessandra Cardoso.

Ela lembra que, apesar de as emendas do relator terem sido explicitamente institucionalizadas no PLOA de 2023, sua constitucionalidade é objeto de três Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs Nº 850, 851 e 854), que tramitam em conjunto no STF. A prática também é alvo do Tribunal de Contas da União (TCU), que enxergou “a falta de critérios de equidade na distribuição de emendas entre os parlamentares têm o potencial de afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais” (TC 008.731/2022-5).

“A LDO e o PLOA 2023 tornaram mais evidente uma relação até então nebulosa entre a Reserva de Contingência e as emendas de relator (RP 9), ao criarem uma reserva específica para atender a tais emendas autorizativas, mas não impositivas, como as emendas individual e de bancada”, frisa o documento do Instituto.

Se até o ano passado, era difícil separar o uso dos recursos para o orçamento secreto, neste Projeto de Lei Orçamentária de 2023, o governo federal foi obrigado a  realizar o detalhamento de cada reserva específica para atender às emendas individuais, às emendas de bancada de execução obrigatória e às emendas de relator (RP9) – o que foi feito por meio dos códigos e títulos: 0Z04, 0Z05, 0Z06, 0Z07, 0Z08. Emendas de relator ganharam o apelido de “Orçamento Secreto”, pelo fato de o autor do texto não precisar se identificar quando autoriza a destinação de um recurso público.

Desta maneira, foi possível identificar, por exemplo, que, além de concentrarem quase a totalidade dos recursos da seguridade social (R$ 21,4 bilhões), as emendas para 2023 também vão se apropriar de recursos de fontes diversas, mas com uma forte concentração, inclusive, de recursos da Educação Básica (no valor de R$ 884 milhões).

Seguridade social em risco

No PLOA 2023, a Reserva específica para todas as emendas parlamentares se apropria de nada menos do que 98% de todo o recurso capturado da Seguridade Social pela Reserva de Contingência. Na prática isto significa tirar da Seguridade Social R$ 21,45 bilhões e colocá-lo a serviço das emendas parlamentares e de relator, seguindo escolhas políticas e prioridades que não dialogam e não respeitam a estrutura de financiamento e execução da política de seguridade social. E, no caso das emendas de relator, já é sabido que estes recursos serão aplicados sem respeitar a Constituição, com evidentes problemas de corrupção e com fortes interesses eleitoreiros.

“É fundamental acompanhar a tramitação do PLOA 2023, dado que a proposta enviada pelo governo ao Congresso Nacional retira expressivos recursos de políticas públicas e contribui para fragilizar fundos setoriais estratégicos,  que vêm tendo, por sucessivos anos, quase todos os seus recursos capturados pela Reserva de Contingência”, finaliza a assessora.

>>> Acesse o levantamento sobre a origem do orçamento secreto em 2023 <<<

Reserva de Contingência: sua ação silenciosa e suas conexões com o “orçamento secreto”

Estudo mapeia origem do dinheiro do Orçamento Secreto em 2023: dinheiro vem de fundos estratégicos para o combate às desigualdades no Brasil, capturados por um mecanismo chamado Reserva de Contingência.

Análise sobre a presença de militares e religiosos na urna

Esta nota do Inesc, em parceria com o coletivo CommonData, traz uma análise sobre candidaturas que usam cargos militares, de forças de segurança e religiosos no nome de urna – ferramenta utilizada para identificação e criação de vínculo com eleitores. Foram analisadas as 27.958 candidaturas registradas e consideradas aptas até o dia 15/08/2022 – data definida como limite pelo TSE para o registro de candidaturas.

 

Maioria entre candidatos com nomes de cargos militares e religiosos na urna é homem e de direita

Seja para atrair um grupo de eleitores ou para demonstrar um vínculo com certos valores políticos, algumas candidatas e  candidatos costumam definir o nome que vai para a urna pelo cargo que denota sua profissão. Nas Eleições 2022 não está sendo diferente. 

Pelo menos 2,1 mil postulantes mencionaram nomes de cargos militares e religiosos para definirem suas candidaturas. Candidatos homens e de partido de direita foram maioria entre aqueles que exploraram esses cargos para angariar votos. Entre os cristãos evangélicos, houve destaque para o grupo de “pastores” que se definiram assim. Mais detalhes fazem parte do estudo “Análise sobre a presença de militares e religiosos na urna”, mais um da série do Inesc em parceria com a Commom Data, Perfil do Poder nas Eleições 2022

Militares

Militares, ou de Forças de Segurança, são autorizados pela Lei Eleitoral a concorrer por cargos eletivos. Contudo, a maioria dessas candidaturas que se utilizam do cargo no nome de urna contam com propostas conservadoras para o modelo de segurança brasileiro. Entre os 1359 candidatos militares que usaram seus cargos em nomes de urna, pelo menos 75% fazem parte de partidos de direita e 86% são homens. Ao menos 55,26% disputam para ser deputados estaduais. A média de idade dos candidatos é de 50 anos.  

“Em nome de Deus”

O Estado é laico, mas candidatas e candidatos religiosos usam suas denominações nas igrejas onde pregam ou frequentam para se identificarem com a base eleitoral. É o pensamento de pelo menos 752 candidatas e candidatos que fazem menção a alguma filiação religiosa. 

A maior parte desses postulantes são de partidos de direita (67,95%), 72,47% são homens e 62,77% usam o nome “pastores”. Outras denominações cristãs também são usadas para os nomes da urna: irmãos e irmãs (12,5%) e missionários (9,84%).

 

Quer saber mais? Leia o estudo completo aqui: Análise sobre a presença de militares e religiosos na urna

Renovação na política: o que diz a distribuição dos recursos?

Mais mulheres no poder, mais pessoas negras, indígenas, LGBTQIAP+ ocupando a política! Seja nos partidos do espectro da direita, do centro ou da esquerda, todos têm se utilizado de algumas ou todas essas e outras bandeiras sociais que reivindicam maior pluralidade e diversidade na política brasileira. Cotas de candidaturas de mulheres e porcentagem de recursos, também para pessoas autodeclaradas negras com prazo definido para repasse do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), são algumas das normativas criadas para que os partidos não só respeitem as regras de distribuição equitativa do Fundo, mas demonstrem vontade política nessa distribuição. Assim como em 2018, faltando tão poucos dias para a decisão das eleições de 2022, tanto candidaturas femininas quando de pessoas negras denunciam que os repasses não foram integralmente repassados pelos partidos. Assistiremos a mais uma anistia?

A distribuição dos recursos públicos dos partidos, bem como as doações, que poderíamos destacar como apoio da sociedade civil, uma vez que só podem ser feitas por pessoas físicas, traduzem essa “vontade política” por mais diversidade e representatividade no poder? Renovação no poder poderia ser definida pela entrada e permanência de pessoas que, historicamente, não atuavam na política institucional até os últimos anos? O que seria elemento fundamental para que a pluralidade das candidaturas refletisse a pluralidade de pessoas efetivamente eleitas e eleitos? Podemos concordar que recurso financeiro é um investimento político importante para que essa realidade se materialize?

Vamos aos recursos!

Há 5 dias das eleições, das 29.555 candidaturas registradas, 7.067, ou 24%, não declararam recebimento de nenhum recurso financeiro público (FEFC) para suas campanhas. No que se refere às doações às campanhas, dos quase de R$ 680 milhões doados por pessoas físicas, apenas 13% ou aproximadamente R$ 89 milhões foram destinados a candidaturas de mulheres, e 4% ou pouco mais de R$ 26 milhões foram destinados a candidaturas pretas. Esse dado só reforça a importância da existência de um fundo público que busque garantir a distribuição mais equitativa dos recursos, também construindo regramentos que incidam no repasse feito pelos partidos políticos.

Alguns números nos ajudam a debater sobre a distância entre o discurso da renovação e a distribuição de recursos financeiros. De acordo com o levantamento da Plataforma 72horas, até 27 de setembro de 2022, enquanto 10.612 candidaturas que pleiteiam a cadeira de deputada(o) estadual declararam o recebimento de pouco mais de R$1 bilhão, as 10.648 candidaturas que disputam as 513 cadeiras da Câmara Federal declararam aproximadamente R$2,5 bilhões.

Considerando então o investimento maior dos partidos nas candidaturas a deputado(a) federal, como a divisão dos recursos vem sendo realizada e como podemos utilizá-la como lente para pensarmos sobre renovação ou manutenção de espaços do poder institucional?

Ainda de acordo com a Plataforma 72 horas, das 10. 628 candidaturas que estão na disputa pela Câmara Federal, 448 disputam a reeleição pelas 513 cadeiras. Ou seja, 4,2% do total de candidaturas são para reeleição, e correspondem a 87,3% das cadeiras. Quando analisamos a distribuição de recursos, as candidaturas a reeleição declararam até o momento o recebimento de R$747.417.252, sendo 61 candidatas e 367 candidatos, que somados às 2 candidatas e 18 candidatos que não declararam recebimento do Fundo Especial, totalizam 448 candidaturas. Numa conta simples, que sabemos não ser assim, significa dizer que cada candidata e candidato à reeleição para a Câmara Federal recebeu em média, até o momento e subtraídas as 20 candidaturas que declararam não terem recebido nada, R$1,7milhão.

Já às candidaturas que não concorrem à reeleição, que totalizam 7.207 dividem o recurso de R$ 1,7 bilhão, o que significaria, também utilizando a divisão igualitária, caso o fosse, uma média de R$ 239 mil.

Consideremos então as candidaturas à reeleição. Antes, é importante destacar que a lente a ser utilizada nesta leitura não pode ser a da igualdade, pois como bem sabemos, a desigualdade estrutural da sociedade brasileira nos convoca a agir de maneira equitativa, quando consideramos a correlação desigual de forças que resultam na permanente ocupação dos lugares sociais e políticos de poder por uma

parcela masculina, branca e cisheteronormativa da sociedade. Sendo assim, quando nos referimos à reeleição, é preciso destacar que a recente história de ocupação de mulheres, pessoas negras, indígenas, LGBTQIAP+ na política institucional não pode, nem de longe, ser considerada “manutenção de poder”, visto que são grupos recém-chegados nesses espaços.

Dito isso, vamos verificar o que os dados nos dizem. Das candidaturas à reeleição, no que se refere à raça/cor, 312 das 428, ou 72,89% das pessoas que receberam recursos, são brancas, 114, ou 26,63%, são  pessoas negras, 01 ou 0,23%, é indígena e 01 ou 0,23% é amarela. No que se refere ao gênero, são 367 homens, ou 86%, e 67 mulheres, ou 14%.

Infelizmente, a luta por maior representatividade na política, ainda se restringe às cotas das candidaturas e não efetivamente ocupação de cadeiras, o que seria um passo fundamental para começarmos a falar de um impacto real rumo a equidade e reparação histórica da sociedade brasileira com os povos originários, com a população negra e com as mulheres no Brasil.

O escandaloso racismo institucional nas Eleições de 2022

“O escandaloso racismo institucional nas Eleições de 2022” foi um texto publicado originalmente no dia 21 de setembro, no Le Monde Diplomatique.

 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que, nas Eleições de 2022, os partidos seriam obrigados a repassar, até o dia 13 de setembro, 100% do recurso da cota de gênero e raça/cor às candidaturas de mulheres e pessoas negras, o que corresponde a 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). A determinação do TSE ocorreu porque nas Eleições de 2020, o atraso no repasse prejudicou as candidaturas desses grupos sociais.

A regra determina que a prestação de contas parcial deve ser feita ao Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE) em até 72 horas a partir do recebimento do recurso[1]. Considerando o prazo, o cenário ficou da seguinte forma: foi repassado um montante de R$ 4,7 bilhões a todas as candidaturas, sendo R$ 4 bilhões do FEFC, R$ 236,9 milhões do Fundo Partidário e R$ 448,3 milhões de doações. Dos R$ 4 bilhões do FEFC, 30,6% foi repassado a mulheres e 69,4% para homens, e em relação ao recorte racial, o repasse foi de 36% para negros/as (pretos/as + pardos/as) e 62,7% para brancos/as. A determinação do TSE foi, portanto, cumprida.

No entanto, as desigualdades na distribuição dos recursos de campanha ainda são gritantes, revelando o persistente racismo institucional partidário, conforme pudemos checar na Plataforma 72Horas. Avaliando todas as fontes de recursos, as mulheres brancas, pardas e amarelas ficam muito atrás dos homens dentro do seu grupo racial. Às mulheres brancas foi destinado 35,6% do valor recebido por homens da mesma cor, ou seja, enquanto eles foram beneficiados com R$ 2,2 bilhões, elas ficaram com R$ 800,6 milhões. As mulheres pardas receberam R$ 384,3 milhões (52% a menos do que as mulheres brancas) e os homens pardos R$ 866,5 milhões (61,5% a menos que os homens brancos).

Nas candidaturas indígenas, onde há proporção mais equânime de número de candidaturas (94 homens e 77 mulheres), a distribuição do recurso foi mais equitativa: dos R$ 28,7 milhões distribuídos para 133 candidaturas, as mulheres ficaram com R$ 12,9 milhões e os homens com R$ 16,5 milhões. Atenção ao fato de que não foi destinado nenhum recurso para 38 candidaturas indígenas. Faltando duas semanas para o 1º turno das eleições, tal ocorrência pode indicar uma escolha dos partidos em não viabilizar indígenas, de fato, no pleito. No grupo de autodeclarados pretos e pretas, que na distribuição de candidaturas ficou em 55,7% e 44,3% respectivamente, a distribuição do recurso também se deu, até o momento, com maior equidade: a mulheres pretas foram destinados R$ 190,7 milhões (1.361 candidatas) e aos homens pretos R$ 202,7 milhões (1.529 candidatos). Considerando o grupo de candidaturas pretas, 616 homens e 316 mulheres não receberam recurso algum.

 

 

Homens brancos receberam 10 vezes mais do que homens pretos

Comparando os homens brancos com os homens pretos, a diferença é enorme. Os primeiros acessaram mais de R$ 2,2 bilhões e os segundos apenas 9% disso, ou R$ 202,7 milhões. Já entre as mulheres, as brancas somaram R$ 880,6 milhões, enquanto as pretas, apenas, R$ 190,7 milhões. Nas candidaturas, para cada preto, existem 4,2 candidatos brancos. Mas, para cada R$ 1,00 do candidato preto, o branco recebe R$ 10,00.

Entre os presidenciáveis, que totalizam 11 candidaturas, os únicos dois que se declaram pretos – Leonardo Péricles (UP) e Vera Lúcia Salgado (PSTU) –, receberam, apenas, R$ 1,2 milhão e R$ 825 mil, respectivamente. Os valores representam 1% do recurso alocado em campanhas presidenciais, que somam R$ 207,6 milhões. Lula, Ciro e Tebet foram beneficiados com R$ 89,8 milhões, R$ 26 milhões e R$ 36,7 milhões, respectivamente. Jair Bolsonaro, publicamente avesso ao fundo público – ainda que esteja enfrentando denúncias de uso de recursos públicos de forma ilegal para sua campanha–, recebeu R$ 25,7 milhões, sendo R$ 846 mil reais do FFEC, R$ 13 milhões do Fundo Partidário e R$ 11 milhões de doações. Os brancos representam 63,6% das candidaturas ao cargo.

Espectro político

Em consideração ao espectro político, o centro (MDB, Solidariedade, PSDB, Avante e PROS) repassou R$ 832,7 milhões para 3.711 candidaturas, sendo R$ 282,6 milhões para 1.304 mulheres e R$ 550 milhões para 2.407 homens, sendo a coligação mais equânime com 35% de candidatas e 34% dos recursos a elas distribuídos. O grupo de partidos formado pela esquerda se saiu bem na cota de candidatas, com 37% de mulheres. Todavia, distribuiu somente 28% do recurso para elas. Dos R$ 1,2 bilhão para 5.898 candidaturas, foram R$ 349,9 milhões para 2.171 mulheres e R$ 877,3 milhões para 3.727 homens (PSOL, PCdoB, PSTU, PT, PCO, PCB, PDT, PSB, UP, PMN, Cidadania, Rede e PV). A direita também apresenta uma injusta distribuição, uma vez que as mulheres receberam somente 27% dos recursos quando são um terço das candidatas. Entre os partidos de direita, dos R$ 1,9 bilhão repassados a 9.197 candidaturas, R$ 531,7 milhões foram repassados a 3.003 mulheres candidatas e R$ 1,4 bilhão para 6.094 homens (PL, União, DEM, PSL, DC, PMB, PRTB, Novo, PP, AGIR, PTB, Podemos, PSC e Patriotas).

Candidaturas a governo do estado também distribuíram mal

Um dos piores dados do processo das Eleições de 2022 foi o de que oito estados, dos 27 da Federação, não lançaram candidatas mulheres para o cargo de governadora. São eles: Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Rondônia e Santa Catarina. De um total de 206 candidaturas a governador, 83,5% são de homens e 16,3% de mulheres. Os candidatos homens, que somam 170 pessoas, receberam R$ 484,8 milhões, e as 36 candidatas a governadora receberam, juntas, R$ 51,3 milhões. Para as pessoas brancas que pleiteiam esse cargo, o repasse foi de R$ 385,7 milhões, enquanto que para os pardos foi de R$ 130,3 milhões. Já para os pretos, foi de apenas R$ 15,3 milhões. Os dois candidatos que se declararam indígenas receberam R$ 4,6 milhões. Não há candidaturas de autodeclarados amarelos

[1] Acesso 16 de setembro, 12:00, fonte: Plataforma 72 horas. Isso porque (1) os partidos tiveram 72 horas para prestar contas do que gastaram até dia 13/09, e (2) ao mesmo tempo, podem ter prestado contas de gastos dos dias 14 e 15/09.

Projeto Onda é reconhecido pelo CNJ com Prêmio Prioridade Absoluta

O Projeto Onda: Adolescentes em Movimento pelos Direitos, uma iniciativa do Inesc com atuação no Distrito Federal (DF), recebeu mais um prêmio no último dia 31 de agosto por meio da ação Vozes da Cidadania que atua por meio de formação e reflexão com adolescentes em privação de liberdade. O reconhecimento dessa vez veio pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a partir da 22ª edição do Prêmio Prioridade Absoluta.

Vencedor na categoria Empresas e Sociedade Civil Organizada, o Vozes da Cidadania é um espaço de formação em Direitos Humanos, Cidadania e Orçamento Público a jovens em Unidades de Internação, ao mesmo tempo que eles refletem sobre suas rotinas e o sistema socioeducativo ao qual estão submetidos. Pessoas impactadas pelo projeto, como os jovens D.M e MC Favelinha, fizeram um resumo de suas vidas que podem ser lidas nesse site.

 

Confira abaixo como foi a premiação:

 

“O Prêmio representa a possibilidade de compartilhar uma experiência que, em certa medida, é inovadora e tenta romper com a cultura prisional, além de construir com os adolescentes novas consciências, atitudes, e uma relação mais crítica e sensível com a sociedade”, comentou Márcia Acioli, assessora política do Inesc e coordenadora do Projeto Onda.

O Projeto Onda também já foi reconhecido em outras ocasiões, a exemplo da 13ª edição Prêmio Itaú-Unicef na categoria Parceria em Ação e o terceiro lugar no Concurso da 9º Bienal Internacional do Rádio, que aconteceu no México.

Carta Compromisso pela Educação de qualidade recebe 130 assinaturas em todo o Brasil

Pelo menos 130 candidatas e candidatos a cargos majoritários e proporcionais nas Eleições 2022 se comprometeram a lutar por uma Educação de qualidade no Brasil. Eles assinaram a Carta Compromisso pelo Direito à Educação nas Eleições de 2022 (ouça a Carta) que, até o dia 02 de outubro, está passando de mãos em mãos para mobilizar o maior número de postulantes antes dos brasileiros irem às urnas. A Carta reúne 40 estratégias diferentes, para garantir um financiamento adequado à educação pública e fortalecer os sistemas educacionais.

Entre as estratégias estão a educação de qualidade com financiamento adequado, a revogação do teto de gastos (Emenda Constitucional 95/2016), promoção de uma educação antirracista e antissexista, e melhoria nas ofertas de educação profissional técnica de nível médio. A chamada é realizada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, por meio do seu Comitê Diretivo, e em parceria com a Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil. O Inesc participa das atividades de ambas as organizações.

Se a/o sua/seu candidata/o defende a educação pública, marque ela/ele nas redes sociais e peça pela assinatura da nossa Carta Compromisso! Candidatas e candidatos podem tirar uma foto do ato de assinatura do documento e enviar para mobilizacao@campanhaeducacao.org.br.

 

 

Meninas decidem

A Carta Compromisso compartilha dos mesmos valores e princípios do Manifesto Meninas Decidem. Iniciativa foi fruto do encontro de 21 garotas que, a partir de formação em Direitos Humanos e Orçamento promovido pelo Inesc junto com a Rede Malala, também criaram um documento para indicar as prioridades na melhoraria o sistema público de educação no país.

Ao todo, 21 mulheres de diversas partes do Brasil participaram da elaboração do documento, entre negras, quilombolas, indígenas, trans, travestis e com deficiência. O manifesto foi apresentado ao público geral no último dia 16, durante lançamento que ocorreu no auditório da Defensoria Pública da União (DPU), no Recife (PE).

Análise do orçamento estadual para o Ensino Médio 2019-2022

Nota Técnica do Inesc sobre o orçamento destinado ao Ensino Médio entre 2019 e 2022. O que mais chama atenção nos dados analisados é o desfinanciamento gradual dessa fase do ensino nos últimos 4 anos, em todos os estados da federação.

 

Orçamento para o Ensino Médio despenca em 4 anos

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) divulga esta semana uma Nota Técnica sobre o orçamento destinado ao Ensino Médio entre 2019 e 2022. O que mais chamou atenção nos dados analisados foi o desfinanciamento gradual dessa fase do ensino nos últimos 4 anos, em todos os Estados da federação.

>>> Acesse a íntegra da Nota Técnica

No âmbito das ações orçamentárias federais, o programa voltado à Infraestrutura para Educação Básica, essencial para o retorno às aulas, também perdeu recursos. “Seriam necessárias novas salas e reformas na volta às aulas presenciais em 2021, devido ao fato de a vacinação para crianças e adolescentes ainda não ter atingido todo o ensino público, mas não foi isso que aconteceu”, explica a assessora política o Inesc, Cleo Manhas.

Lei de acesso à informação não é respeitada

Outro ponto preocupante está na falha dos dispositivos da Lei de Acesso à Informação (LAI), que não vêm sendo respeitados, visto que vários portais não possuem dados completos. “Na maioria das vezes, nem sequer recebemos respostas das administrações públicas, ou, se elas chegam, são muitas vezes contraditórias, como os casos de Rondônia, Amapá e Mato Grosso, que enviaram números completamente discrepantes daqueles que estavam disponibilizados no Portal”, afirma o relatório do Inesc.

No primeiro trimestre, uma pesquisa Inesc/Vox Populi, mostrou o quão grave foi o impacto da pandemia para a rede pública do ensino médio em todo país. Cerca de 50% dos estudantes do sistema público só tiveram celular para acessar as aulas remotas, aproximadamente 25% tinham um pacote de dados restritos, que não duravam o mês inteiro, além de menos horas de aula por dia do que os alunos da rede privada. As meninas negras foram as mais afetadas com o estudo remoto, tendo mais atividades domésticas, menos tempo de estudo e condições precárias.

Para o ano de 2023, o cenário de descaso do governo federal com a Educação permanece. Está previsto um corte de R$ 1,096 bilhão no programa “Educação básica de qualidade”, se comparado o valor com o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2022 – de R$ 10,849 bilhões para R$ 9,753 bilhões – segundo dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP), do Ministério da Economia.

Em relação ao Produto Interno Bruto, o gasto com a Função Educação que, em 2016, equivalia a 1,7% do PIB, em 2021, caiu para 1,2%.

Análise por região

Norte

A queda no investimento é grande. No Amazonas, em 2019, foram pagos R$ 495 milhões de reais para o ensino médio, já em 2020, primeiro ano da pandemia, o valor cai para R$ 15 milhões.

A diferença entre o recurso autorizado e o valor utilizado demonstra uma execução sempre menor ano a ano. No Acre, por exemplo, o recurso autorizado é um pouco maior a cada ano, mas a execução é decrescente (veja no gráfico).

No Amapá, não foi possível realizar o comparativo, por falta de informações no portal da transparência, que só apresenta o orçamento autorizado, faltando informar o que foi executado.

Nordeste

O aporte de recursos também está em queda de um ano para outro. Na Paraíba, de 2021 para 2022, a redução no orçamento autorizado foi de 300 milhões de reais.

No Ceará, o primeiro ano de pandemia foi o que apresentou maior diferença entre o valor autorizado e o executado, aproximadamente R$ 300 milhões deixaram de ser utilizados.

Centro-Oeste

Divergências nas informações chamam a atenção nesta região. No Mato Grosso, em um dos anos da pesquisa, o orçamento autorizado informado no portal da transparência foi de R$ 3 bilhões, já em resposta à consulta por meio da Lei de Acesso à Informação, o estado informa orçamento de R$ 30 bilhões.

No Distrito Federal, também houve queda no valor autorizado ano após ano. Em 2022, o orçamento autorizado ficou meio bilhão abaixo do orçamento executado no ano de 2021.

Sudeste

A queda de recursos autorizados ocorre em todos os estados com exceção do Espírito Santo. Em Minas Gerais, no primeiro ano de pandemia, a queda no orçamento foi de meio bilhão. A diferença entre orçamento autorizado e executado também é significativa, ficou cerca de R$ 4 bilhões abaixo do valor destinado (veja o gráfico).

No Rio de Janeiro, o valor executado também é sempre menor que o valor autorizado. A diferença maior no orçamento ocorre no primeiro ano da pandemia. De mais de 8 bilhões de reais de recursos autorizados, o estado executou cerca de 6 bilhões.

Sul

A queda no investimento à educação é maior na pandemia. No Paraná, o valor caiu de 5 milhões em 2019 para 154 mil em 2020. Já no Rio Grande do Sul, o que chama a atenção é a grande diferença entre o recurso autorizado e o executado. Em 2019, o valor executado ficou 1 bilhão abaixo do autorizado.

Fatores agravantes

Durante a pandemia, os estados foram afetados por uma forte crise na arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), principal imposto que alimenta o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), cada vez mais dependente de complemento do Governo Federal, que não tem praticado ajuste do investimento de acordo com a inflação.

Outro fator que influencia a queda de orçamento foi a aprovação da emenda constitucional de abril deste ano, anistiando estados e municípios que não aplicaram o orçamento mínimo para a educação.

 

 

PLOA 2023: continuidade do desmonte das políticas sociais

O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2023 encaminhado pelo Executivo ao Legislativo na última quarta-feira (31/08), apresenta, mais uma vez, expressivos cortes nas políticas sociais em detrimento da garantia de direitos e dos investimentos necessários para nos tirar da atual crise econômica e social. O Projeto de Lei também evidencia o pacto do governo de Jair Bolsonaro com o “centrão”, já que não faltam recursos para as emendas do orçamento secreto.

Algumas questões preocupantes que destacamos deste PLOA são: a redução das despesas discricionárias; o aumento dos recursos para emendas parlamentares, em especial as emendas de relator, que ficaram conhecidas como “orçamento secreto”; o incremento das desonerações tributárias; a frustração da promessa de um Auxílio Brasil mais robusto; e os cortes em políticas garantidoras de direitos.

O desmonte generalizado das políticas sociais constatado em nosso  Balanço Geral do Orçamento da União (2019-2021) continuará em 2023, caso o PLOA seja aprovado como está pelo Congresso Nacional. O próximo governo terá um enorme desafio para conseguir combater as desigualdades sociais que se aprofundaram nos últimos anos e garantir os direitos humanos. Veja, a seguir, a análise do PLOA 2023 por área:

PANORAMA GERAL E ECONÔMICO

Parte expressiva dos recursos destinados às políticas sociais e ambientais é discricionária, isto é, aquelas que não são obrigatórias e estão sujeitas aos cortes. O Teto de Gastos segue sendo a maior ferramenta para a redução de despesas do governo federal, afetando, principalmente, as discricionárias. Elas representarão apenas 6,3% das despesas primárias, ante 8,4% em 2022. Em termos absolutos, isso significa somente R$ 98,98 bilhões de um total de R$ 2,3 trilhões de despesas primárias.

Os investimentos públicos também são financiados com recursos discricionários e, novamente, receberão menos verba. A proposta orçamentária de 2023 do governo de Jair Bolsonaro reduz em 50,4% os investimentos em relação à 2022, chegando a apenas R$ 22,48 bilhões.

O Teto de Gastos é anualmente corrigido pela inflação, contudo, antes da PEC dos Precatórios, transformada em Emenda Constitucional 113/2021, o Teto era calculado levando em conta a inflação de junho a junho.  A PEC alterou a base de cálculo para janeiro a dezembro do ano de elaboração da lei orçamentária. Se o cálculo anterior à PEC resultaria em um aumento de 11,89% (IPCA de 12 meses a contar de junho de 2022), o reajuste do Teto este ano é de apenas 7,2%. Em termos absolutos, a alteração da metodologia de cálculo do Teto significou uma redução de R$ 80,6 bilhões das despesas dentro do Teto de Gastos para 2023.

Em outras palavras, a correção dos gastos para 2023 resulta em menor disponibilidade de recursos dentro do Teto para o pagamento de despesas discricionárias.  A “folga” do Teto será utilizada, principalmente, para o pagamento de despesas obrigatórias, e inclui reajuste de R$ 14,4 bilhões para servidores públicos.

O prometido Auxílio Brasil a R$ 600 ficou de fora do orçamento, mantendo-se o valor de R$ 405. A mensagem presidencial apenas promete dialogar com o Congresso Nacional para alcançar em 2023 o valor mensal de  R$ 600. Se esse aumento for aprovado pelos parlamentares, o custo adicional seria de R$ 53,14 bilhões.

Orçamento Secreto Institucionalizado

Se as despesas discricionárias já estão espremidas pelo Teto de Gastos, a chegada do orçamento secreto foi o golpe final ao planejamento adequado desses parcos recursos. Dos R$ 98,98 bilhões previstos para despesas não-obrigatórias, R$ 19,4 bilhões destinam-se às emendas do relator-geral (RP-9), e valor equivalente às emendas individuais e de bancada.  Isso significa que 39,2% das despesas discricionárias, ou R$ 38,8 bilhões, estarão comprometidas com emendas parlamentares para 2023, valor bem mais alto do que os 19,2% autorizados em 2022. Em suma, o Congresso Nacional caminha a passos largos para o controle do orçamento público.

As emendas parlamentares são recursos decididos pelos parlamentares para seus redutos eleitorais, sem maiores relações com o planejamento das políticas públicas setoriais. As emendas de relator, por sua vez, são muito mais problemáticas, pois elas são uma manobra orçamentária que permite a barganha entre o Planalto e setores do Congresso Nacional às custas do dinheiro público, conforme analisado em estudo do Inesc. Devido à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente, elas tem como teto a soma das emendas individuais e de bancada, ou seja, o total dos valores distribuídos a 513 deputados federais e 81 senadores. A falta de critérios de distribuição significa valores bilionários distribuídos para as bases do governo e para o centrão.

A grande novidade do orçamento secreto no PLOA 2023 é que ele não seria mais secreto, pois estão sendo adotadas medidas de transparência. Entretanto, uma análise simples das informações disponibilizadas demonstra como estamos longe de saber quem está recebendo esses recursos. Na Lista dos endereços dos sítios eletrônicos dos Ministérios que contêm as solicitações que justificaram as emendas do relator-geral do PLOA  não existe um mecanismo que aglutine e organize os dados.  Enquanto a lista do Ministério da Economia se resume a um link sem destino, na Educação, trata-se de uma planilha vazia, e nos ministérios da Infraestrutura e da Cidadania foi publicada uma lista de ofícios. Apesar da pressão do STF em 2021 pela transparência das RP-9, o que temos atualmente  é um orçamento secreto institucionalizado, bagunçado e bilionário, ou seja, uma via aberta para a corrupção. Denúncias como as das fraudes no SUS revelam apenas a ponta do iceberg.

Não há Teto quando o assunto é desoneração tributária

Enquanto os gastos orçamentários diretos sofrem com a austeridade fiscal, as desonerações tributárias, que também penalizam as metas fiscais, seguem sua trajetória histórica de aumentos consecutivos e sem freios: são mais de R$ 300 bilhões anuais. O PLOA 2023 prevê um incremento de R$ 80,2 bilhões neste valor, divididos em R$ 52,9 bilhões para mitigar os efeitos do choque de preços dos combustíveis e R$ 27,2 bilhões para outras desonerações de “ganhos de eficiência econômica”, que incluem a extinção do Condecine e a redução da alíquota do PIS/COFINS sobre a receita financeira.

Mesmo que a redução do preço dos combustíveis tenha efeito positivo na inflação, não deixa de ser uma medida regressiva, pois atende especialmente a classe média e aos ricos, que transitam mais pelas cidades com automóveis individuais motorizados. A queda não incidiu da mesma forma sobre o diesel, combustível responsável pelo transporte de cargas e transporte público.

Além disso, é importante sinalizar outros efeitos dessa medida e entender que a estratégia de desoneração não era a única que poderia ter sido utilizada. Primeiro, as desonerações afetarão principalmente o PIS/COFINS, tributos que financiam a Previdência Social, sempre dita como muito cara e deficitária. Segundo, a estratégia de aumentos dos incentivos fiscais sem medidas de compensação vai contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e aumenta o déficit fiscal, o que implica mais cortes em despesas no futuro. Além disso, os incentivos fiscais não possuem o mesmo monitoramento dos gastos diretos, pois a maioria das desonerações que temos hoje possuem prazos indeterminados e nenhum processo de revisão, enquanto os gastos orçamentários são revisados anualmente na LOA.

Por fim, é importante ressaltar que o setor de combustíveis fósseis já é altamente subsidiado no Brasil e outras políticas de controle de preços são possíveis. Além disso, o valor dos recursos desonerados para aliviar o choque de combustíveis é praticamente igual aos recursos necessários para os 600 reais do Auxílio Brasil (R$ 52,9 bi contra R$ 53,14 bi). Como toda escolha no orçamento público, trata-se de uma opção política: privilegiou-se os dividendos das empresas petrolíferas, os caminhoneiros, e os usuários de transportes individuais à população mais vulnerabilizada pelos últimos anos de crise econômica.

SAÚDE

O PLOA 2023 reserva R$ 132 bilhões para a função saúde. Este valor significa uma perda de R$ 21 bilhões em relação à dotação orçamentária atual de 2022. Para além de um desfinanciamento crônico, nos últimos anos, a saúde vem sofrendo com um mau planejamento, o que prejudica a organização dos serviços do SUS e deixa os recursos da saúde à mercê de acordos no Legislativo. Por exemplo, R$ 10,4 bilhões estão reservados para emendas de relator, o que equivale a 8% do orçamento do Ministério da Saúde, sem considerar os outros tipos de emendas, como individuais e de bancada. Como já alertamos no Balanço do Orçamento Geral de 2022, as emendas atendem mais a interesses políticos do que às reais necessidades do SUS, além de não ter transparência na sua alocação.

EDUCAÇÃO

Com relação à educação, o ciclo de desmonte do governo Bolsonaro continua, com queda nos recursos para todos os níveis, em especial o ensino superior, de responsabilidade da União, deixando as universidades na penúria.

O recurso para a subfunção Ensino Superior para 2023, que em governos anteriores já foi da ordem de R$ 40 bilhões, é de R$ 34,3 bilhões, o mesmo valor nominal de 2022. Se este orçamento fosse atualizado pela inflação de junho de 2021 até junho de 2022 (índice de 11,89%), o recurso deveria ser de R$ 38,8 bilhões, ou R$ 4,4 bilhões a mais do que foi proposto. No entanto, com a mudança da regra de cálculo estabelecida na PEC dos precatórios, o índice inflacionário ficou subestimado em 7,2%.

Para a educação básica, o único aporte a mais foi a complementação do Fundeb, que é obrigatório por lei. De acordo com o novo Fundeb, a complementação da União deverá ir de 10% do valor do Fundo para 23% até 2026. Para 2023, terá de ser da ordem de 19%, portanto, 4% a mais que em 2022. As demais ações, em geral, se mantiveram ou caíram. E mesmo as que se mantiveram também estão em queda, se considerarmos a inflação.

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), por exemplo, veio com o mesmo recurso do ano anterior, de R$ 3,9 bilhões, não foi sequer considerada a nova regra de cálculo da inflação do período, que ficaria em 7,2% e,  neste caso, o valor do PNAE teria de ser de R$ 4,2 bilhões.

Ainda sobre o  PNAE, mesmo que estejamos vivenciando uma situação de insegurança alimentar, com 33 milhões de pessoas passando fome, sabendo que a alimentação escolar para muitas crianças e adolescentes é a única refeição do dia, não há aportes novos, ao contrário, o governo federal vetou aumento previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias, (LDO).

A ação para infraestrutura das escolas segue em queda. E como já reforçamos em relatórios anteriores, é muito preocupante, visto que a pandemia exigiu que as escolas fossem ampliadas, para se ter menos estudantes por sala, que deveriam ser arejadas. No entanto, o recurso foi de R$ 500 milhões em 2019, para a previsão de apenas R$ 3 milhões em 2023, ou nada, frente ao enorme desafio de reestruturar escolas, especialmente rurais e periféricas.

Com a falta de recursos federais para infraestrutura, às escolas ficou a responsabilidade de se resolverem com os recursos do Programa Dinheiro Direto nas Escolas, PDDE. Porém, esses recursos também minguaram, em 2023 foram previstos no PLOA exatamente o mesmo valor proposto em 2022, ou R$ 2 bilhões, sem considerar a inflação do período.

A ação Bolsa Permanência, que atende estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, indígenas, quilombolas e estudantes do campo, também segue com poucos recursos e em queda. Em 2022 foram previstos R$ 179,4 milhões e, para 2023, R$ 163,6. Além de não considerarem a inflação, houve corte de recursos. Não basta criar políticas para acesso, como as cotas, e não se ter políticas de permanência, aumentando a evasão no ensino superior.

DIREITO À CIDADE

As ações voltadas para políticas públicas ligadas às cidades sofreram quedas bruscas. Praticamente não se tem recursos para algumas ações importantes para a concretização do direito à cidade- o que parece não preocupar o atual governo.

Destacaremos algumas ações que compõem a Função Urbanismo. A saber, apoio a transporte não motorizado, a planos de mobilidade urbana, à urbanização de assentamentos precários e ao transporte público coletivo urbano. Todas já contavam com baixo investimento, mas para 2023 o cenário é de total descaso. Vejamos a tabela 1.

 

Tabela 1- Comparação entre 2022 e 2023 para algumas ações da função Urbanismo

AçãoSubfunçãoProjeto de Lei-2022Projeto de Lei-2023
00SZ – Apoio ao Transporte Não Motorizado451 – Infraestrutura UrbanaR$ 282.327,00R$ 10.000,00
00T0 – Apoio a Planos de Mobilidade Urbana Locais451 – Infraestrutura UrbanaR$ 282.327,00R$ 10.000,00
00T2 – Apoio à Urbanização de Assentamentos Precários451 – Infraestrutura UrbanaR$ 90.000.000,00R$ 3.500.000,00
00T3 – Apoio a Sistemas de Transporte Público Coletivo Urbano453 – Transportes Coletivos UrbanosR$ 100.109.138,00R$ 3.450.000,00

Fonte: SIOP
Elaboração: Inesc

Comparando apenas os anos de 2022 e 2023, percebemos que as quatro ações em destaque estão praticamente inviabilizadas, pois os recursos são tão baixos, especialmente transporte não motorizado e apoio a planos de mobilidade, que certamente não enfrentará os sérios problemas de mobilidade urbana que temos.

Habitação

Tabela 2- Comparação entre 2022 e 2023 para ações da Função Habitação

AçãoSubfunçãoProjeto de lei 2022Projeto de lei 2023
00TH – Apoio à Urbanização de Assentamentos Precários por meio do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social451 – Infra-Estrutura UrbanaR$ 5.400.000R$ 250.000
00TI – Apoio à Produção Habitacional de Interesse Social482 – Habitação UrbanaR$ 100.000R$ 15.000
00TJ – Apoio à Melhoria Habitacional482 – Habitação UrbanaR$ 100.000R$ 5.000
8873 – Apoio ao Fortalecimento Institucional dos Agentes Integrantes do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS482 – Habitação UrbanaR$ 2.500.000R$ 632.975

Fonte: SIOP
Elaboração: Inesc

A tabela 2 traz as ações da função Habitação, que são praticamente desconsideradas pelo orçamento público com tão poucos recursos. É um escárnio o que vem acontecendo com as políticas urbanas e com a habitação em particular. Especialmente as ações para urbanização de assentamentos precários e habitação de interesse social.

MEIO AMBIENTE

A previsão de recursos para o meio ambiente em 2023 foi apresentada pelo governo (no PLOA 2023) um dia antes do anúncio de novos recordes de queimadas na Amazônia. Nenhum dos anúncios surpreende, infelizmente.

O descontrole das queimadas e do desmatamento é expressão do desmonte da política de fiscalização ambiental do atual governo, sendo o desmonte do orçamento uma peça importante, mas não única.

A redução do orçamento para o Meio Ambiente expressa a absoluta falta de prioridade dada a essa política. Se comparado ao PLOA 2022, o meio ambiente perde R$ 164 milhões no PLOA 2023. No total estão previstos R$ 2,96 bilhões para todas as Unidades Orçamentárias que compõem a pasta Meio Ambiente (MMA/Administração Direta, Ibama, ICMBio, Instituto Jardim Botânico, Fundo Nacional de Meio Ambiente e Fundo Clima). É o pior orçamento em dez anos.

Comparados os PLOAs 2022 e 2023, o prejuízo é muito maior:

  • no Ibama foram retirados R$ 12 milhões da ação de “Prevenção e Controle de Incêndios Florestais nas Áreas Federais Prioritárias”;
  • o Icmbio perde R$ 27 milhões, dos quais R$ 10 milhões foram retirados da ação de “Fiscalização Ambiental e Prevenção e Combate a Incêndios Florestais”.

O quadro é ainda mais grave quando se olha o “sacrifício fiscal” atribuído ao meio ambiente. A reserva de contingência prevista é de R$ 366 milhões, distribuídos entre Ibama, Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA) e Administração direta.

Reserva de Contingência é a parcela do orçamento em cada órgão que não pode ser gasta e que se destina ao cumprimento do Teto dos Gastos. Essa Reserva tem consumido silenciosamente o orçamento para o meio ambiente e para todas as despesas discricionárias em todos os órgãos.

O mecanismo que passa muitas vezes despercebido no debate público é responsável, por exemplo, pela morte do Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA), que tem, hoje, quase todo  recurso destinado ao sacrifício fiscal, ao passo em que os problemas associados à destruição ambiental só crescem no Brasil. O FNMA tem previsto no PLOA 2023 apenas R$ 36 milhões dos quais R$ 33 milhões, ou seja, 90% estão aprisionados na Reserva de Contingência.

Vale lembrar que esse Fundo foi criado em 1989 com a missão de contribuir com o financiamento da implementação da Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA (Lei Nº 6.938/81). O FNMA é destinado para todos os biomas brasileiros e para o fortalecimento da política ambiental de estados e municípios. A escala nacional e flexibilidade para apoiar diferentes agendas o tornam  potencialmente relevante como instrumento de financiamento da Política Nacional de Meio Ambiente.

CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Na rubrica orçamentária intitulada Assistência à Criança e ao Adolescente (subfunção) permaneceu apenas a ação 217M Desenvolvimento Integral na Primeira Infância – Criança Feliz). Apesar dos questionamentos que fazemos à forma de funcionamento do programa – executado nos últimos anos pela área de assistência -, é o único com recursos específicos para esse grupo. Apesar disso, o Projeto de Lei reduziu em 50% a previsão de recursos para a ação, tanto em comparação com o PLOA 2022 quanto com o autorizado para 2022.

Ainda na assistência, foram previstos R$ 450 mil para o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, com recursos do Fundo Nacional de Assistência Social. No entanto, se avaliarmos a execução deste ano, de R$ 9 milhões autorizados, nenhum centavo foi executado até o momento.

Para apoio e manutenção da educação infantil, recursos para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), estão previstos míseros R$ 5 milhões, 96% a menos que o previsto e executado até setembro de 2022. O menor aporte de recursos em mais de dez anos. Para o sistema socioeducativo, há previsão de R$ 1,5 milhão, 25% a menos que o previsto em 2022.

Para o Fundo Nacional da Criança e do Adolescente (FNCA), foram previstos R$ 15,7 milhões, recursos que hoje são geridos pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Contudo, esse aporte não significa avanço, uma vez que para 2022, dos R$ 10,4 milhões previstos, até agora, não houve nenhuma execução orçamentária.

Vale destacar ainda o alerta de que as peças orçamentárias não discriminam com maior detalhamento para que tipo de gastos esses valores estão previstos. Estão dentro de uma ação mais ampla, a 21AR – Promoção e Defesa de Direitos para Todos.

MULHERES

No âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos nenhum recurso foi destinado à Ação 218B – Políticas de Igualdade e Enfrentamento a Violência contra as Mulheres. Para a Casa da Mulher Brasileira (CMB), estão previstos R$ 13 milhões (Ação 00SN). Isso significa que só saberemos se algum recurso será alocado para o tema, além da CMB, quando iniciar a gestão de 2023, pois é possível, por meio de Planos Orçamentários (instrumento de gestão/classificação orçamentária não previsto na LOA), alocar recursos em ações orçamentárias genéricas, como 21AR – Promoção e Defesa de Direitos Humanos para todos (que tem previsão de R$ 37,9 milhões) e 21AS – Fortalecimento da Família ( com previsão de R$ 4,7 milhões).

Também não é possível identificar os recursos que serão destinados ao Ligue 180, pois este deixou de ser uma ação orçamentária, mesmo tendo, em 2022, os recursos alocados no  Plano Orçamentário da Ação 21AU – Operacionalização e Aperfeiçoamento do Sistema Integrado Nacional de Direitos Humanos. ( com previsão de 33 milhões).

IGUALDADE RACIAL

Não foi alocado nenhum recurso para promoção da igualdade racial, política pública de responsabilidade do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

QUILOMBOLAS

Também não foi alocado nenhum recurso para quilombolas no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, principal órgão responsável pelas políticas destinadas a este público. Contudo, fora do Ministério, foi previsto o valor ínfimo de R$ 405 mil  para a Ação 210Z – Reconhecimento e Indenização de Territórios Quilombolas, a ser executado pelo Incra. Para a Ação 21C9 – Implantação, Ampliação ou Melhoria de Ações e Serviços Sustentáveis de Saneamento Básico em Pequenas Comunidades Rurais (Localidades de Pequeno Porte) foram previstos R$ 82,4 milhões, a serem executados pela Funasa.

A Ação 2792 – Distribuição de Alimentos a Grupos Populacionais Tradicionais e Específicos e a Famílias em Situação de Insegurança Alimentar e Nutricional Temporária, com previsão de R$ 18,3 milhões, também poderá contemplar quilombolas. Essa é a ação que realiza a compra de cestas básicas para povos e comunidades tradicionais em situação de insegurança alimentar.

INDÍGENAS

No que tange às políticas públicas voltadas para os povos originários, o PLOA 2023 aprofunda a diretriz anti-indígena adotada ao longo da gestão Bolsonaro e analisada em nosso dossiê “Fundação Anti-indígena: um retrato da Funai sob o Governo Bolsonaro”. O orçamento proposto para 2023 é R$34 milhões mais baixo do que o proposto no PLOA 2022.

Ainda que a queda possa ser considerada pequena em relação ao ano em curso, é preciso levar em conta o aprofundado estrangulamento orçamentário vivenciado pelo órgão, que impacta tanto no quadro de funcionários como na própria efetivação das políticas sob sua responsabilidade. Destaca-se que, como constatado no dossiê, em 2022 havia mais cargos vagos do que ocupados na Funai e o PLOA 2023 não indica qualquer melhora nesta situação. Ao contrário, se o PLOA 2022 previa gastos de R$4120 milhões para custeio de pessoal e encargos sociais, o PLOA 2023 prevê uma redução de R$16 milhões neste grupo de despesa, deixando ainda mais incerta a capacidade executiva da autarquia.

No que se trata do programa finalístico, ou seja, aqueles que chegam mais diretamente nas comunidades indígenas, também há cortes. O PLOA 2023 prevê gastos de até R$80,6 milhões para a execução do programa “Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas”. No PLOA anterior, estavam previstos gastos de até R$94,5 milhões, o que significa uma queda de 14% nos valores propostos.

Chama especial atenção a queda de R$7 milhões na ação destinada a regularizar, demarcar e fiscalizar as terras indígenas, além de proteger povos indígenas isolados e de recente contato (ação orçamentária 20UF). Este caso torna-se temerário não apenas pela violência e invasões crescentes às TIs, estimuladas pela atual gestão e constatada em relatórios como o elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário, mas também por conta da paralisia adotada pelo órgão nos processos de demarcação de terras. Como apontamos anteriormente, além de retroceder processos já avançados de regularização de TIs,  ao longo da gestão atual do órgão, apenas Grupos Técnicos determinados judicialmente foram instituídos, sendo esta a primeira etapa do processo demarcatório. Assim, pode-se supor que o orçamento previsto para 2023 não dê conta sequer de atender a atual diretriz do órgão, qual seja, prosseguir com as demarcações apenas com determinação da justiça.

Assim, caso o PLOA 2023 seja aprovada como está, a retomada da política indigenista enfrentará sérios desafios, independente de quem seja o mandatário do país no próximo período. A necessária reestruturação e redirecionamento do órgão esbarrará no quadro de servidores desfalcado, sem plano de carreiras e proteção adequados para executar sua missão, além de um orçamento exíguo e ainda mais apertado do que o deste ano.

Candidaturas indígenas: uma oportunidade para diversificar o sistema político no Brasil?

Pesquisa do Inesc realizada em parceria com a Common Data traz um panorama das candidaturas autodeclaradas indígenas para as Eleições de 2022 com base nos dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Segundo estudo, o número de candidaturas autodeclaradas indígenas neste ano aumentou 32%  em relação ao pleito de 2018. Enquanto naquele ano 130 candidatos dessa população se dispuseram a disputar as eleições para os cargos do legislativo estadual e federal, o número de candidaturas indígenas em 2022 chegou a 172 nomes.

Resta saber agora se a representatividade dos indígenas nas candidaturas vai se repetir na eleição desses povos na política.