A Medida Provisória do Prouni e seus efeitos perversos

15/12/2021, às 11:48 (atualizado em 14/03/2023, às 14:13) | Tempo estimado de leitura: 7 min
Por Cleo Manhas, assessora política do Inesc e doutora em Educação.
Ampliam-se os obstáculos para acesso ao Ensino Superior para população de baixa renda

O Governo Federal, em mais um de seus movimentos aporofóbicos, editou Medida Provisória modificando o Programa Universidade para Todos- Prouni, permitindo que estudantes de escolas privadas, não bolsistas, acessem o programa. Ou seja, agora os estudantes de escolas públicas vão concorrer também com estudantes de escolas privadas e a União irá arcar com os custos dessas universidades, por meio de isenções fiscais. O mais engraçado disso tudo é que defendem que as universidades públicas cobrem mensalidades, mas querem bancar universidades privadas para estudantes de famílias de rendas altas.

O Prouni foi criado em 2004 como forma complementar de ampliar o acesso ao ensino superior para estudantes de escolas públicas, de baixa renda, para além das universidades públicas, que também foram ampliadas com o programa de expansão das universidades públicas, o Reuni, que apesar de ainda constar do Portal do Ministério da Educação, já não tem recursos novos desde 2015.

Institucionalizado pela Lei no 11.096, em 13 de janeiro de 2005, o Prouni tem como finalidade conceder bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições de ensino superior privadas. Em contrapartida à oferta de vagas do Prouni nessas instituições, o governo oferece abatimentos tributários no Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), na Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e no Programa de Integração Social (PIS).

Acesso ao Ensino Superior

Entre 2002 e 2012, a taxa bruta de matrícula[1] mais que dobrou, passando de 12,04% a 28,68%, mesmo assim, muito atrás de alguns países da América Latina como Chile e Argentina, por exemplo, mas um avanço em um país cuja escolaridade só ampliou significativamente com a Constituição de 1988.

Além de contribuir para a inserção de um maior número de jovens no ensino superior, estudo do Instituto de Pesquisas Aplicadas, IPEA, de 2015, demonstra que entre estudantes de baixa renda, bolsistas integrais, que precisam obrigatoriamente ter 70% de frequência e aprovação nas disciplinas, as notas do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, Enade são superiores às dos não bolsistas, mostrando maior dedicação por parte dos estudantes de baixa renda. Tal estudo reforça que um dos principais desafios da política é focalizar cada vez mais para alunos de baixa renda que sem apoio governamental não conseguiriam alcançar o ensino superior.

O Desmonte da Política

No entanto, a despeito de estudos e avaliações, o governo atual, seguindo o padrão de desmonte das políticas públicas, abriu a possibilidade de inserção de todos os estudantes de escolas privadas se candidatarem a bolsas de estudo, o que, em realidade, acaba com o princípio de inserção dos adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade nas universidades, uma vez que o acesso às universidades públicas é ainda mais difícil.

E isso está ocorrendo em meio a uma pandemia, que agravou bastante a situação de crianças, adolescentes e jovens, que estão na educação básica. Pesquisa realizada pelo Inesc/Vox Populi e apoio do Fundo Malala, com estudantes de ensino médio, demonstrou a situação precária que vivenciaram com o ensino remoto. A maioria dos estudantes de escolas públicas só tinha celular para acompanhar as aulas; um terço não tinha espaço adequado em suas casas para estudar; meninos e meninas tiveram de assumir outras tarefas, no entanto, o peso maior recaiu sobre as meninas, que tiveram mais questões emocionais.

Racismo Estrutural

As pessoas pretas e pardas tiveram menos acesso, ou acesso mais precarizado; dentre os que tiveram de abandonar a escola, também os negros são em maior número. Em média os alunos de escolas públicas estudaram menos horas que os de escolas privadas. O cenário é bastante catastrófico. No entanto, ao invés de tentar reverter o quadro de descalabro, o Governo Federal aloca menos recursos para a educação e desmantela uma política que precisa ser focalizada para reduzir desigualdades.

E mesmo antes de tal medida, o último Exame Nacional do Ensino Médio, Enem, já deu sinais de retrocesso nas políticas de redução de desigualdades, com menor número de inscritos desde 2005, especialmente entre estudantes de escolas públicas e de baixa renda. O número de jovens em situação de vulnerabilidade social que poderia acessar o ensino superior já será drasticamente reduzido em função dos critérios de concessão de isenção para quem não compareceu no ano anterior (ano em que a pandemia estava em seu pior momento). Caso a Medida Provisória do Prouni seja aprovada ficará pior ainda.

Teremos de terminar o ano e começar o outro lutando contra as mudanças no Prouni e, principalmente, por mais recursos, para que os enormes prejuízos causados por projeto do governo contra a educação, além dos efeitos da pandemia, possam ser reduzidos e que sigamos na luta por educação de qualidade com financiamento adequado.

[1] Resultado entre número de matrículas e a população de 18 a 24 anos.

*Os textos publicados no Blog do Inesc são de responsabilidade de suas autoras e não representam, necessariamente, a opinião desta instituição. 

Categoria: Blog
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