Uma lei que protege a infância, protege a sociedade inteira

12/07/2019, às 17:10 (atualizado em 12/07/2019, às 17:16) | Tempo estimado de leitura: 7 min
Por Márcia Acioli, assessora política do Inesc
O último texto da parceria Inesc e Armandinho é sobre a importância do ECA na garantia da proteção integral para as crianças e adolescentes.
ECA
Tirinha do Armandinho cedida por Alexandre Beck para o Inesc

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 29 anos neste dia 13 de julho e muito pouco se conhece dele. Embora a sociedade se divida entre os que o defendam e os que o condenam, uma parcela ínfima da população leu este marco jurídico tão importante para o Brasil, grande referência para o mundo.

Elaborado a muitas mãos, o ECA é uma lei que nasce com uma essência democrática, levando em consideração perspectivas de especialistas de diversas áreas (direito, educação, sociologia, antropologia, psicologia…) e, fundamentalmente, contou com a participação de crianças e adolescentes de todo o Brasil. O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) também participou ativamente na mobilização da população, unindo esforços ao Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) e incidindo na redação de propostas.

Nasce com o ECA o princípio da proteção integral. A ideia é garantir que crianças e adolescentes tenham um desenvolvimento pleno e feliz, com reais chances para que suas potencialidades encontrem ecos na vida.

O Estatuto cria e estrutura o Sistema de Garantia de Direitos com o princípio da articulação entre as políticas públicas para assegurar o que está escrito na lei, prevenir as suas violações e garantir a responsabilização dos violadores. Fiscalizar o poder público torna-se uma tarefa obrigatória para quem quer garantir a efetivação do que está preconizado no ECA.

ECA sob ataques

Em tempos de recrudescimento da violência do Estado, seus efeitos são, não apenas o embotamento de talentos, mas a morte física e simbólica de humanidades. Não se trata apenas de uma afronta às pessoas, a violência do Estado é nitidamente o desprezo deliberado pela lei. Exemplos temos de sobra.

Estamos entre os países que mais mata adolescentes no mundo. Segundo o Unicef, morrem 31 crianças e adolescentes assassinados por dia no Brasil, sendo que a grande maioria das vítimas são meninos negros, moradores de periferia e que se encontram fora das escolas. Muitas destas mortes são provocadas pela ação violenta de uma polícia racista e despreparada.

O estímulo ilimitado ao porte de armas é, sem dúvida, um perigo real às vidas de populações já desprotegidas.

No campo da educação, por sua vez, ao se proibir ou inibir o trato de temas como sexualidade e identidade de gênero na escola impede-se a realização de uma das estratégias mais importantes para o enfrentamento à violência sexual, um fenômeno que tem promovido estragos irreversíveis a uma população imensa de crianças e adolescentes. A educação de gênero tem o objetivo de educar para a compreensão sobre diferenças e construir uma cultura na qual o respeito seja a tônica principal.

Ainda na área da educação, o atual governo defende disciplina e hierarquia em detrimento do livre debate como se o exercício da troca de ideias fosse doutrinação. Ledo engano. A doutrinação se dá no silenciamento das vozes e na imposição de uma verdade única.

Quanto aos adolescentes envolvidos com atos infracionais, encontramos uma realidade estarrecedora. O governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel, por exemplo, declarou que ao serem liberados da medida socioeducativa de privação de liberdade, 400 adolescentes “não poderão frequentar escolas” por serem ‘problemáticos’. Tal pronunciamento contradiz os preceitos do ECA e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo que apontam a educação como o eixo mais importante para melhorar a relação adolescente/sociedade e determina que todas as políticas públicas devem se articular para acolher os egressos do sistema. Problemático é um governo que não cumpre o seu papel e trata com descaso uma juventude abandonada várias vezes pelo poder público.

Trabalho infantil

O ECA é incisivo quanto à proteção contra o trabalho infantil, e defende a profissionalização como direito. Ignorando o Estatuto, o presidente da república afirma ser a favor do trabalho infantil, talvez uma das mais graves violações de direitos. É no trabalho precoce que crianças perdem a infância, são mutiladas, exploradas, ficam expostas a doenças laborais, muitas trabalham em condições análogas a de escravos. Mesmo o trabalho glamoroso traz estresse e prejuízos à saúde física e mental. O trabalho infantil interessa principalmente a quem lucra com ele. Crianças que trabalham perdem o tempo de brincar, de ir para a escola, praticar esportes, fazer teatro, ler, soltar pipa, fazer palavras cruzadas, correr e se relacionar com seus pares.

Uma lei que protege a infância em sua plenitude protege a sociedade inteira. Vivemos em comunidade e uma parcela não pode ser violentada sem que o conjunto sofra. Sem lei estamos entregues à barbárie, sem referências para a construção de uma sociedade ética e para a dignidade humana.

Finalizo com as palavras do Jonhatan (Itapoã, 11 anos), “o ECA veio igualar ricos e pobres, pretos e brancos e garantir que todos nós tenhamos os mesmos direitos. O ECA é uma conquista nossa!”. Lutemos por ele.

Johnatan Alves do Nascimento, 11 anos, estudante do 6º ano, fala sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em oficina no Centro de Ensino Fundamental Dra. Zilda Arns (Cef Zilda Arns) no Itapoã, Brasília.

>>> Leia os outros textos da parceria Inesc e Armandinho:

A infância não pode esperar: criança não trabalha!

Educação pública numa democracia moribunda

O Estatuto é um só, as infâncias são muitas

 

 

Categoria: Artigo
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