Para meninas marielles, educação e feminismo

08/03/2019, às 10:38 (atualizado em 16/03/2019, às 22:58) | Tempo estimado de leitura: 6 min
Por Cleo Manhas
O desfile da Mangueira nos fortalece e apresenta às várias meninas marielles que a batalha está aí para ser continuada, a escola para ser revolucionada e a rua para ser conquistada.

E vamos lá falar sobre educação e feminismo em mais um 8M. E por que não falar do desfile da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira e sua aula de história a céu aberto? Em tempos de fundamentalismos rondando as escolas, de militarização, de criminalização dos estudos de gênero, com a famigerada “ideologia de gênero”, que não se explica, nada melhor do que mostrar uma história nua e crua, com seus personagens invisibilizados pelo colonialismo que graça entre nós até hoje.

A Comissão de frente trazendo uma menina negra abrindo um livro para dizer que está presente Marielle Franco e tudo o que ela representa, a luta das mulheres negras pela sobrevivência em um país do “cordialismo”, que as mata e as violenta todos os dias, com o aval de parte da população que insiste em não perceber que vivemos em um dos lugares mais violentos do mundo. E ano a ano os registros apontam aumento do número de agressões e feminicídios, vários com denúncias prévias e sem que providencias fossem tomadas para coibi-los, o que pode ser constatado pela informação constante do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, indicando que menos de 10% dos municípios brasileiros possuem delegacias especializadas.

Foto: Rodrigo Gorosito/G1

E a despeito dessa realidade, há um movimento intitulado “Escola sem Partido”, que há tempos tenta interditar a discussão sobre a promoção da igualdade de gênero, constante dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o de número 5, propondo “Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”.

O mais grave é que agora esse movimento está incrustrado no Ministério da Educação e no atual Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, pregando velhos preceitos, contribuindo para perpetuar a cultura patriarcal e machista entre nós, geradora do ciclo de violência que mata cerca de 4,5 mil mulheres ao ano, sendo que desse número, dois terços são mulheres negras. Quando se fala em feminicídio, pois somemos a isso o enorme contingente de mulheres vítimas de violências todos os dias.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios contínua (PNAD/IBGE), em 2018, os dados da educação mostravam que enquanto 13% de homens com mais de 25 anos concluíram ensino superior, entre as mulheres o percentual sobe para 17%, acima da média nacional que é de 15%. No entanto, quando o mesmo IBGE divulga dados sobre população desempregada, 52% são mulheres contra 47% de homens. E pior, quando analisamos dados sobre salários, homens recebem em média R$ 2.568,00, contra R$ 2007,00 para mulheres.

Outro dado relevante a ser destacado, diz respeito aos motivos que levam ao abandono escolar. Enquanto os homens abandonam por trabalho ou desinteresse, as mulheres abandonam por gravidez na adolescência, obrigações domésticas de criar irmãos menores ou cuidar de idosos, dificuldade de recursos para transporte. Isso se dá tanto no ensino médio, quanto no acesso ao superior, reforçando a realidade de que às mulheres cabe o espaço privado, os cuidados domésticos, a exclusividade em cuidar das crianças, desde a adolescência. Contudo, mesmo diante desta realidade, elas estão na batalha na esfera pública e alcançam maior sucesso escolar, apesar de não se dar o mesmo no mundo do trabalho.

Apesar desse quadro horrendo, precisamos destacar que hoje há mais mulheres dentre as pessoas que conseguem concluir uma graduação, mesmo com todas as dificuldades impostas na esfera pública, que vai desde a violenta interdição dos espaços de manifestação, passando pelo assédio nos transportes públicos, nas ruas e o cerceamento do espaço de fala. Elas estão em maior número entre formandos.

Então, qual a relevância de um enredo tal qual o apresentado pela Mangueira? A importância de aproximar a população da história da resistência dos povos indígenas e negros, mostrando que houve muita luta, a despeito das narrativas de submissão. A revelação da mentirosa versão de libertação pelas mãos da princesa colonizadora. O embuste sobre bandeirantes heróis, ao serem apresentados como vilões sanguinários e assassinos predadores, o que de fato foram. E a importância, para as mulheres, em reverenciar Marielle Franco, mulher negra, liderança na defesa de direitos humanos, eleita vereadora lutando contra milicianos em espaço dominado por eles. Isso nos fortalece e apresenta às várias meninas marielles, como a que estava na Comissão de Frente, que a batalha está aí para ser continuada, a escola para ser revolucionada e a rua para ser conquistada.

Leia também:

Vivas, livres e sem medo: 8 de março pela vida das mulheres

(In)Segurança Alimentar e Nutricional e (Des)Igualdade de Gênero

“A Vale assassinou a todos nós. Enquanto mãe eu morro um pouco a cada dia”

Contra o cinza do medo, colorir as ruas: por uma cidade transformada pelas mulheres

Categoria: Artigo
Compartilhe

Conteúdo relacionado

  • Nota Técnica: Análise do Orçamento de Polí...
    Esta nota técnica apresenta um balanço da execução…
    leia mais
  • Brasília - Casa da Mulher Brasileira ( Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)
    Casa da Mulher Brasileira não recebe verba...
    Um levantamento inédito do Inesc para o canal…
    leia mais
  • Foto: Max Valencia/ FAO
    Orçamento para combater a violência contra...
    O Brasil registrou 1.350 casos de feminicídio em…
    leia mais
  • Foto: Max Valencia/ FAO
    O Auxílio Emergencial faz diferença na vid...
    As mulheres negras são as mais afetadas pelas…
    leia mais
  • Foto: Wallisson Braga
    Nota técnica do Inesc é utilizada em docum...
    Em agosto, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)…
    leia mais

Cadastre-se e
fique por dentro
das novidades!