Paraguai não se entende com o Parlasul

31/07/2009, às 18:10 | Tempo estimado de leitura: 7 min
Por Edélcio Vigna, assessor do Inesc

Edélcio Vigna, assessor do Inesc

As eleições para o Parlamento do MERCOSUL (Parlasul) no Brasil poderão não ocorrer caso o Paraguai continue rejeitando a proposta de proporcionalidade para a próxima legislatura do Parlasul (2011/2015). A proposta foi aprovada pelos parlamentares e destinava 18 cadeiras para o Paraguai e Uruguai, 47 para a Argentina e 75 para o Brasil.

Para que não houvesse um acréscimo no volume de gastos orçamentários foi, inclusive, aprovado uma proporcionalidade atenuada, para que na próxima legislatura a Argentina elegesse 26 parlamentares (dos 47) e o Brasil, 37 (dos 75). Essa decisão dos parlamentares foi desconsiderada pelos Ministros que compõe o Conselho do Mercado Comum (CMC).

No CMC, o órgão supremo de decisão, formado pelos Ministros de Relações Exteriores e de Economia dos países membros do MERCOSUL, que aprova as decisões por consenso, o Paraguai fez valer seus interesses diante de uma proposta supranacional. Este é o cerne da questão: o MERCOSUL com um órgão que centraliza as decisões, imbuído de um pensamento mercantil e mercantilizado, dificilmente cederá espaço ou acatará as decisões de um órgão, como o Parlasul, que se pretende aberto, democrático e com amplos canais de participação social.

A posição dos ministros vem refletindo os interesses dos governos nacionais. Assim, o governo do Paraguai, por exemplo, que quer ver instalado o mais rápido possível o Tribunal Permanente de Revisão (TPR) do MERCOSUL, conforme está no Protocolo de Olivos, não aprova a proporcionalidade para o Parlasul se junto não for instalado o TPR.
Ocorre que a criação de um Tribunal supranacional não é uma questão simples para as legislações brasileira e uruguaia. Para que se crie um órgão supranacional sob o qual o Brasil esteja submetido é necessário promover uma alteração na Constituição, pois esta não permite que nenhuma legislação esteja acima dela. Os congressistas terão que apresentar uma proposta de emenda a Constituição (PEC) que deve ser votada no Congresso Nacional, em dois turnos, com quorum de 3/5 dos votos em cada casa. Em geral, a tramitação de uma PEC pode demorar mais que uma legislatura. Assim vincular a questão da proporcionalidade para o Parlasul à criação do Tribunal, não nos parece uma atitude razoável por parte do governo paraguaio.

O Tribunal terá sede em Assunção/Paraguai e será integrado por cinco juristas – quatro indicados países membros do MERCOSUL e um por consenso. O mandato será de dois anos, renováveis por duas vezes consecutivas. O objetivo é resolver conflitos de natureza comercial. Essa é uma reivindicação antiga da Argentina, mas encontra resistências por parte do Brasil. Este mecanismo de solução de controvérsias fortaleceria o MERCOSUL e descartaria de vez as arbitragens externas e tribunais “ad hoc”.

O Inesc, como uma organização da sociedade civil, apóia a criação do Tribunal Permanente de Revisão. Reconhece que é um avanço para a institucionalidade do MERCOSUL. Um mecanismo de solução de controvérsias dará maior credibilidade e estabilidade aos acordos que Mercado Comum fará com outros blocos e países. Mas, não se pode deixar de criticar a posição adotada pelos representantes paraguaios que transformaram seus interesses em moeda de troca em detrimento do pleno funcionamento do Parlamento do MERCOSUL.

Os representantes do Parlasul são representantes dos povos do MERCOSUL e não representantes de governo membros deste Mercado. Não é prática da boa política que uma representação nacional coloque seus interesses sobre os interesses supranacionais. O Parlasul que foi instituído sob o empenho de parlamentares dos diversos países, pode sofrer um abalo de confiança caso as eleições previstas não ocorram.

Na Argentina e no Uruguai as eleições previstas para este ano não vão ocorrer por motivos de tempo político-legislativo. Não foi possível harmonizar as regras das eleições nacionais com as do Parlasul em tempo hábil. No Brasil está para ocorrer o mesmo. Se as normas eleitorais para o Parlasul não forem aprovadas no Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) até início de outubro, não haverá eleições.
Quem perde com isso? O processo de integração regional. Os povos podem se integrar, romper as fronteiras culturais. Mas, a união aduaneira enquanto instituição continuará a cobrar a permanência das pessoas em solo nacional por tempo previsto em lei. A polícia especializada continuará, nas grandes cidades, a perseguir os migrantes nos porões das casas. O confronto continuará no campo com as milícias armadas do latifúndio.

A sociedade precisa de espaços democráticos que oxigenem os centros fechados das decisões. O Parlamento do MERCOSUL se ainda não é o que se deseja, não deixa de ser um instrumento importante. Por isso, confiamos no senso de responsabilidade das autoridades e das lideranças sociais paraguaias e estamos certos que a proporcionalidade será aprovada no CMC.

O Inesc continua manifestando sua solidariedade ao povo paraguaio em sua luta por soberania energética e pela reinterpretação do Tratado de Itaipu, como diz o “Manifesto de Solidariedade dos movimentos brasileiros ao povo paraguaio”. Continuamos no mesmo caminho rumo à integração regional e a radicalização da democracia.

 

 

 

 

Categoria: Artigo
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