MP do agronegócio legaliza concentração de terras na Amazônia

01/01/1970, às 0:00 | Tempo estimado de leitura: 12 min
Por Edélcio Vigna, assessor político do Inesc


   O presidente Lula assinou uma Medida Provisória que possibilitará aos latifundiários e às transnacionais do agronegócio a se apoderarem de mais terras na Amazônia Legal. O texto da MP foi inspirado pela Bancada Ruralista, sob a liderança do líder do governo no Senado, o senador Romero Jucá. Há alguns anos atrás a regularização estava limitada em imóveis rurais de até 100 hectares, depois foi ampliada para 500 hectares e agora triplicada para 1.500 hectares.

Essa medida abre possibilidade para que o agronegócio avance sobre as glebas dos posseiros e das famílias de agricultores/as e, como detentor do capital financeiro, compre as áreas regularizadas. Esse processo concentrador de terra e poder na Amazônia Legal vai aumentar o poder dos seus aliados políticos, a Bancada Ruralista. Essa estratégia é parte do um avanço do território do agronegócio sobre o território dos camponeses e dos indígenas, onde se encontra a riqueza dos recursos naturais. A tendência de savanização da Amazônia, apontada pelas pesquisas sobre mudança climática, vai acentuar-se com o desmatamento que virá após a compra das terras pelo agronegócio.

Essa possessão do agronegócio não é expressão do desenvolvimento, nem do crescimento do país, mas uma forma de exterminar a cultura rural camponesa e indígena de resistência diante das previsões contrárias às suas sobrevivências. A tendência de territorialização do agronegócio significa a monopolização do território camponês. Assim, não se pode aceitar a expanção do agronegócio como um processo de modernização e de valorização da vida.

O senador Romero Jucá, durante a cerimônia de assinatura da MP pelo presidente Lula, declarou que esta era uma “MP do Congresso”. Essa declaração poderia soar como uma ironia se não fosse apenas uma tirada política e se a competência de edição de MP não fosse exclusiva do presidente da República e o Congresso não estivesse, justamente, discutindo a redução de edições de MPs, que travam a pauta legislativa, impedindo as propostas de lei de serem votadas no plenário.

O senador Jucá, como ministro da Previdência Social foi alvo da mídia, que até hoje assombra o senador. A Agência Senado[1] confirmou que o senador do PMDB/RR é investigado nos inquéritos nº 2221 (apura denúncias feitas quando Jucá era ministro da Previdência Social, em 2005) e nº 2116 (suspeita de irregularidades em empréstimos feitos pelo Banco da Amazônia para a empresa Frangonorte) que tramitam no Supremo Tribunal Federal, ambos sob segredo de Justiça.

O presidente Lula, na cerimônia de lançamento da MP, lembrou aos parlamentares presentes que “é preciso que o Legislativo vote a reforma tributária” e que “o Congresso precisa levar a cabo a reforma tributária“. Em bom politiquez, a mensagem é a seguinte: assino a MP do agronegócio e vocês votam a reforma tributária. Isso é o que chamamos nos bastidores da ciência política de apresentar a fatura no momento da compra.

A senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) parabenizou o presidente Lula pela assinatura da medida provisória. E afirmou, candidamente, assim como o diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra, Roberto Kiel, que a aprovação da MP do agronegócio deverá beneficiar 90% dos posseiros da Amazônia. Porém, Kiel, vai além ao afimar que “agora eles poderão comprar do governo federal as terras que já ocupavam há anos e não vão precisar de concorrer com outros interessados”.

Diante dessas expressões de êxtases dos ruralistas, de alguns parlamentares e de técnicos do governo, perguntamos o que os ex-posseiros ganharão com a MP. Roberto Kiel, em nota do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), responde: “receberá a Certidão de Cadastro de Imóvel Rural e terá sua propriedade incluída no Sistema Nacional de Cadastro Rural. Isso permitirá a realização de transações imobiliárias (como a venda e o desmembramento do imóvel rural) e possibilitará o acesso às políticas públicas (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar –Pronaf)”.

Sabe-se que o Pronaf não está passando por seus melhores momentos. Há uma série de pesquisas que demonstram certa inadimplência dos tomadores de empréstimos junto ao programa. A Revista de Economia e Sociologia Rural traz um relatório da pesquisa de Carlos Guanziroli[2] que afirma que “o atraso é maior quando o risco é do Tesour, chegando a 48% no caso do PRONAF/C. O grupo A/C também registrou alto índice de atraso. Dados do Ministério de Integração Regional referido aos Fundos Constitucionais da região Norte mostram índices de inadimplência bastante altos em 2004: PROCERA: 42,6%, PRONAF/A: 3,4%, PRONAF/C: 8,1%, PRONAF/D: 4,2%”. Acrescenta, o estudo, que os dados de inadimplência não são muito altos porque parte dessas dívidas foi renegociada, tendo sido acordados  novos prazos de vencimento, o que oculta o verdadeiro atraso dos créditos.

Assim, nas entrelinhas da declaração do diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra, pode-se inferir a possibilidade de compra das terras pelo agronegócio e de como uma política de crédito rural, como o Pronaf, pode não ser a melhor oferta do Estado para os/as agricultores/as familiares. Assim, a falaciosa declaração de que 90% dos posseiros da Amazônia poderão ser beneficiados começa a soar mais como uma ameaça do que uma saída para seus problemas[3].

A Medida Provisória levada ao presidente da República pela Bancada Ruralista para que se amplie a área dos imóveis a serem regularizados na Amazônia Legal de 500 hectares para 1.500 hectares é um cavalo de tróia. No bojo do encantamento da possibilidade dos camponeses de obterem o título de propriedade de suas posses há, em verdade, uma armadilha de apoderamento de suas terras.

Se essa MP é tudo o que pensamos que seja, é importante que os movimentos sociais do campo saibam, de fato, o que vão enfrentar. Que comecem a se mobilizar contra essa medida patológica, que amplia o poder político de um grupo organizado de parlamentares no sentido de extinguir os elementos resistentes da cultura rural camponesa e indígena.



[2] Carlos E. Guanziroli, Rev. Econ. Sociol. Rural v.45 n.2 Brasília abr./jun. 2007.

[3] Em 2005, em Alagoas, pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), somente no Pronaf/B a inadimplência atinge 3.808 alagoanos. Em algumas agências do Banco do Brasil, a inadimplência varia em até 50%, sendo a maior concentração de falta de pagamento no Pronaf/C (O Jornal, 5/6/2005, Dívidas impedem que produtores rurais tomem novos empréstimos, http://www.faeal.org.br/info_detail.asp?id=174).  Em dezembro/2007, o Banco do Nordeste suspendeu a liberação de recursos do Pronaf/B em 23 municípios do Norte de Minas e Vales do Jequitinhonha e Mucuri. O motivo é que nesses municípios o índice de inadimplência superou 15% em relação ao valor total dos contratos em vigor. (Assessoria de Comunicação, Emater-MG faz campanha para melhorar aplicação do crédito rural, http://www.emater.mg.gov.br/portal.cgi?flagweb=site_tpl_paginas_internas&id=1352)

 

Categoria: Artigo
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