A COP 18 deixou um gosto amargo para o nosso futuro comum

19/12/2012, às 9:55 | Tempo estimado de leitura: 7 min
"O resultado rebaixou o Protocolo de Quioto, fragilizou-o a níveis que não esperávamos. Agora resta pensar e refletir sobre estes resultados, somar com aqueles fracos resultados da Rio+20 e observar como o mundo atual se reestrutura no âmbito mundial por meio de redução dos espaços multilaterais".

INFORME FINAL DA COP 18 – DOHA

Iara Pietricovsky*

COP 18 acabou deixando um resultado modesto e neste caso, o modesto não serve ao Planeta. Um sentimento amargo de quem vai mais uma vez para um espaço de luta política numa tentativa de que as mentes dos negociadores, que representam os “interesses” de seus governos, saberão chegar a um acordo que satisfaça e que proteja o Planeta Terra do aquecimento global. Tem que ser menos de 2º C caso contrário nossa situação ficará crítica neste habitat.

Acabamos um processo exaustivo de negociações, depois de duas semanas andando para cima e para baixo, no Centro de Convenções de Doha, lugar enorme que nos consumiu e nos impedia de ter a noção do que acontecia por dentro. Muitas atividades, e as negociações mais importantes eram fechadas, sem acesso público até de delegados. Era um mundo de coisas difíceis  de se localizar. Dava uma enorme sensação de solidão.

Um pouco diferente das outras COPs de Mudança Climática, que pelo menos, tinham gente do lado de fora, fazendo barulho nas ruas existia um sentido imediato entre dentro e fora. Isso nunca me pareceu tão fundamental como nesta conferência. Mesmo as manifestações internas se perdiam naquela imensidão de espaço e a mídia também, pouco se importava. Dos noticiários que acompanhei, dos grandes jornais o AL Jazeera e o The Gardian foram as melhores coberturas.

No contexto da sociedade civil, tivemos importantes manifestações feitas pela Christian Aid, Oxfam, Grennpeace, Action Aid, IBON, TWN, Articulações de Mulheres, APRODEV/ACT, a CUT do Brasil, Vitae Civilis, Fórum de Mudanças Climáticas, e eu pela REBRIP/INESC, entre outros grupos acompanhando, organizando debates e fazendo demonstrações contra o processo dentro do Centro de Convenções. Foram importantes momentos de demonstração de nossas posições e frustrações com os tomadores de decisão.

O Protocolo de Quioto foi adiado por mais 8 anos, parece que esta é a boa notícia. Essa era a posição defendida pelo governo brasileiro desde o princípio. Porém, o custo deste acordo foi a saída de importantes poluídores do Planeta, tais como Russia, Japão e Canadá. Somando com os EUA e China que continuam fora. Podemos afirmar que os 35 países desenvolvidos que ficaram, Austrália + UE, respondem por apenas 15% das emissões de gás estufa que promovem, segundo os cientistas do IPCC, o aquecimento acelerado do Planeta.

Como o Protocolo era o único mecanismo de tratado internacional com caráter vinculante, a saída destes países e a não entrada dos EUA e China, acabam tornando profundamente frágil  o PK (Protocolo de Quito).  O PK obriga aos países signatários baixar suas emissões radicalmente para aquela que estava sendo realizada antes de 1990.

Os cerca de 200 países presentes na conferência, que não teve presença massiva de Chefe de Estados, só de Ministros, concordaram também  em revisitar o tema de financiamento aos países pobres a partir do ano que vem. Temos importantíssimos como transferência tecnológica, Desenvolvimento de Mecanismos Limpos (MCD), REDD, ADP(Plataforma de Durban) entre outros. ADP será o espaço onde vários destes temas serão recolocados e como observou o Embaixador brasileiro, André Lago, deverá ser feito de uma nova forma, mais criativa do que tem sido as negociações da COP até agora.

A Ministra do Meio Ambiente do Brasil, disse em suas palavras finais que “não estamos satisfeitos com o resultado. Queremos mais, acreditamos que é preciso mais. Mas, acredito que a reafirmação do segundo termo do Protocolo de Quioto, por definição, é um sucesso.”

Lamentavelmente, não é o que pensamos nós e o que pensa a vasta maioria das organizações da sociedade civil presentes ( ou ausentes daquele evento em Doha), nem da grande maioria dos acadêmicos assim como para os países não desenvolvidos, especialmente os mais pobres e os insulares (onde o risco e a eminência de sumirem, literalmente, do mapa é real e já com evidencias em alguns destes países).

O resultado rebaixou o Protocolo de Quioto, fragilizou-o a níveis que não esperávamos. Agora resta pensar e refletir sobre estes resultados, somar com aqueles fracos resultados da Rio+20 e observar como o mundo atual se reestrutura no âmbito mundial por meio de redução dos espaços multilaterais, redução do marco internacional dos Direitos e buscando soluções por meio da privativação não só dos Estados Nacionais (processo antigo da tendência neo-liberalizante e de redução do papel do Estado e fragilização dos governos como instância prioritária de mediação e fiscalização dos diferentes setores), mas agora, em passado recente uma clara privatização das instituições de caráter público e multilateral, como é a  Organização das Nações Unidas (ONU) e suas instituições vinculadas, como é o caso do PNUMA, entre outras.

Por essas e por outras é que o que ficou, na longa volta para casa, deste processo da COP 18 foi um grande gosto amargo no corpo e na alma. Quando vamos tomar as decisões ? Quem serão aqueles que de fato terão capacidade de fazê-las? O tempo dirá.

Antropóloga, membro do colegiado de gestão do Inesc que integra a Rede Brasileira Pela Integração dos Povos (Rebrip). É  uma das representantes da sociedade civil organizada brasileira na COP 18.

Categoria: Artigo
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